A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou a adoção de um neto pelo avô, pai da mãe biológica da criança. O Tribunal considerou que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA proíbe a adoção de netos pelos avós.
No caso em questão, a criança, gerada por inseminação artificial, vive com a mãe e com o avô, que é visto como figura paterna. Apesar do vínculo afetivo entre os dois, o STJ avaliou que a mãe está plenamente presente e exerce sua função sem impedimentos.
Ao avaliar a questão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, esclareceu que o STJ já abriu algumas exceções à regra postulada pelo ECA, porém em casos raros e com exigências específicas.
Essas exceções só são permitidas, segundo a ministra, quando o avô ou avó assume, “de fato e exclusivamente, o papel de pai ou mãe desde o nascimento da criança, e quando existem laços afetivos muito fortes que justifiquem a adoção como forma de proteger o bem-estar do menor”.
Além disso, devem ser atendidos outros critérios, como: a criança precisa ser menor de idade, a relação familiar deve ser harmoniosa, e a adoção deve ser vantajosa para o adotando.
Como o avô não atende aos requisitos excepcionais, a adoção foi negada.
O caso tramita em segredo de Justiça.
Excepcionalidade
A advogada e professora Patricia Novais Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia que o STJ tem sido claro em seus posicionamentos a respeito da viabilidade de adoção por ascendentes apenas em situações muito excepcionais. “A coexistência do laço afetivo originário no papel intrafamiliar de pai ou mãe tem sido um ponto central para a não admissão da adoção avoenga”, comenta.
Entretanto, ela reconhece que as famílias são dinâmicas e diversas. “A abertura proporcionada pelo STJ deveria permitir a análise caso a caso, considerando contextos específicos que podem oferecer maior dignidade e sentimento de pertencimento aos envolvidos nesse núcleo familiar. Em minha visão, essa postura do STJ é positiva, pois permite olhar além da letra fria da lei, mas deveria ir além, para viabilizar o reconhecimento também de outras situações em que o direito à dignidade e à afetividade necessitam prevalecer”, acrescenta.
Entre as situações excepcionais em que o Tribunal permitiu a flexibilização da lei, a especialista destaca um caso de 2014 em que o neto foi concebido após a mãe sofrer abuso sexual, os avós assumiram integralmente os cuidados da criança. O mesmo ocorreu em 2018, quando o STJ decidiu favoravelmente pela adoção avoenga, também em razão de abuso sexual sofrido pela mãe biológica.
“Nesses casos, o papel intrafamiliar e social exercido pelo adotando era de filho (dos avós) e irmão (da mãe biológica), tratando-se de um nítido caso de parentalidade socioafetiva previamente constituída desde tenra idade, que gerava nítida colisão entre a regra prevista no art. 42, § 1º, do ECA e o princípio do melhor interesse da criança. Por isso, com razão, o STJ, ao definir que o ‘princípio do interesse superior do menor, ou melhor interesse, tem assim, a possibilidade de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação concreta onde se analisa’. Entretanto, nem todos os casos com vínculos afetivos fortes entre avós e netos têm recebido o mesmo tratamento”, analisa.
Segundo Patricia Novais Calmon, ao não admitir a adoção por ascendente no caso em que o avô materno coabita a residência com mãe e filho, que foi gerado por inseminação artificial, “o STJ reconheceu que há, entre mãe e filho, uma família monoparental, que tem proteção constitucional, não sendo suficiente que a criança reconheça o avô como pai para superar o expresso óbice legal do art. 42, § 1º no ECA”.
E acrescenta: “Como se vê, realmente as hipóteses julgadas pelo STJ que admitiram a flexibilização da lei são claramente excepcionalíssimas, inclusive com uma impossibilidade de atuação parental conjunta com os pais biológicos. Apenas o fato de ter sido o adotando cuidado pelos avós, em conjunto ou em apoio aos pais, não é o suficiente para a adoção por ascendentes”.
Histórico
Ao analisar o histórico da proibição legal da adoção por ascendentes, a advogada observa que a restrição é relativamente recente no ordenamento jurídico, introduzida apenas com o ECA, em 1990.
“Em contraste e buscando raízes mais profundas, no Direito Romano, era plenamente permitido que avós adotassem seus netos. Isso sugere que a proibição expressa no art. 42, § 1º, do ECA, pode vir a ser revisada no futuro, caso haja vontade política para tal mudança”, afirma.
Segundo ela, a vedação atende a três finalidades principais: “evitar a confusão de papéis na estrutura familiar; evidenciar a falta de necessidade prática e afetiva dessa medida, pois o adotando já integra o núcleo familiar; e impedir possíveis fraudes ao sistema fiscal, previdenciário e sucessório”.
“Contudo, em situações específicas em que não haja confusão de papéis na estrutura familiar; a adoção se mostre adequada para garantir a dignidade e um senso de pertencimento ao núcleo familiar, sem descompasso com as normas sociais estabelecidas; e a adoção não tenha como finalidade fraudes, seria razoável — e talvez até recomendável — que o legislador considere regulamentar tais casos de adoção por ascendente, garantindo, com isso, maior segurança jurídica aos envolvidos e, quem sabe, até mesmo a possibilidade de extrajudicialização da medida”, conclui.
Fonte: site IBDFAM