Sigilo da entrega voluntária se estende ao pai e à família extensa, decide STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ autorizou a entrega de um bebê para adoção sem a consulta da família biológica ou extensa. O colegiado entende que o direito ao sigilo sobre o nascimento e a entrega, quando exercida pela genitora, estende-se ao suposto genitor e à família, que não precisam ser informados e consultados antes da destinação do bebê.

O caso analisado trata de uma mulher que engravidou e decidiu entregar voluntária para adoção após concluir  que não poderia cuidar de mais uma criança por conta de condição financeira. O relatório social elaborado indica que seus familiares não teriam condições de assumir essa responsabilidade. Ela diz que a mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos, e que os irmãos têm casamentos ruins e condições financeiras complicadas.

Por entender que a decisão de dar a criança para adoção foi madura, baseada em argumentos lógicos e concretos, o juízo de primeiro grau homologou a renúncia ao poder familiar materno e encaminhou o bebê para adoção.

O Ministério Público de Minas Gerais – MPMG recorreu da decisão por entender que o sigilo garantido por lei não alcança a família extensa da criança, que deve ser previamente buscada, diante da prevalência do direito do menor de a conhecer e de com ela conviver.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG concordou e entendeu que, antes de optar pela adoção, medida excepcional e irrevogável, seria prudente buscar alternativas para que a criança fosse inserida na sua família natural.

Não é necessário consulta prévia

O caso chegou ao STJ em recurso da Defensoria Pública de Minas Gerais – DPMG. Relator, o ministro Moura Ribeiro entendeu que a adoção é possível sem a consulta prévia da família extensa.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva não divergiu da conclusão, mas defendeu que somente em casos excepcionais, em que os familiares não tenham sequer conhecimento da gravidez ou condições de permanecer com a criança, é que se poderá dispensar a busca pela família extensa.

Para resolver o recurso, o colegiado deu interpretação ao artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, incluído em 2017 para definir o procedimento de entrega voluntária. A norma dá segurança à gestante e evita alternativas drásticas como aborto clandestino ou abandono em vias públicas.

O procedimento é de que a mulher que manifeste interesse em entregar o filho para adoção deve ser encaminhada à respectiva Vara da Infância e da Juventude para ser entrevistada por equipe interprofissional, com elaboração de um relatório.

A norma diz que a busca à família extensa será feita em, no máximo, 90 dias, prorrogáveis por igual prazo. Além disso, ela diz que, após o nascimento, a vontade da mãe ou de ambos os genitores – se houver pai indicado –  deve ser manifestada em audiência, garantindo-se o sigilo sobre a entrega para adoção.

O nono parágrafo garante à mãe o sigilo sobre o nascimento da criança, a qual terá o direito de conhecer sua origem biológica e os detalhes de sua adoção quando completar 18 anos, como prevê o próprio ECA.

Direito subjetivo

Diante desse cenário, a conclusão do ministro Moura Ribeiro é que a legislação assegura à gestante o direito de entregar o seu filho para adoção sem que haja permissão do genitor, tratando-se de um direito subjetivo dela.

Para ele, a interpretação mais razoável é a de que, uma vez exercido o direito da gestante ao sigilo sobre o nascimento da criança, fique dispensada a busca pela família extensa.

O relator defendeu em seu voto que o sigilo seja priorizado por permitir que a mulher faça “a escolha da adoção de maneira livre, segura, refletida e responsável, tendo sua intimidade, privacidade e direitos plenamente preservados”.

A conclusão foi orientada ainda pela Resolução 485/2023 do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual o sigilo do nascimento, e da própria entrega para adoção, estende-se para o genitor e para a família extensa.

“No que tange ao direito do suposto pai de conviver com o filho, não há dúvidas sobre a igualdade entre os genitores, mas tudo leva a crer que o legislador elegeu o processo gestacional da mulher, a sua liberdade de planejamento familiar e de autodeterminação, legitimando-a ao exercício ou não do parto sigiloso, de modo que, optando pelo exercício de tal direito, deixa de ter relevância a vontade da figura paterna”, afirmou.

REsp 2.086.404

Fonte: site IBDFAM

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