Tag: Familiar

Justiça do Mato Grosso do Sul homologa acordo para exclusão de paternidade sem vínculo biológico ou afetivo

A Justiça do Mato Grosso do Sul homologou um acordo extrajudicial que desconstituiu a paternidade e determinou a retificação do registro civil de um jovem, com a exclusão do nome do suposto pai e dos avós paternos. A decisão é da 2ª Vara da Comarca de Costa Rica.

O homem havia registrado a paternidade após manter um relacionamento com a mãe do jovem e por acreditar ser o pai biológico. No entanto, um exame de DNA realizado em 2017 comprovou a inexistência de vínculo genético entre eles. Segundo as partes, também não foi estabelecida qualquer relação socioafetiva ao longo dos anos.

No acordo apresentado à Justiça, ambos manifestaram, de forma consensual, o desejo de excluir a filiação do registro civil. A decisão considerou que as partes são maiores, capazes e plenamente conscientes da decisão, que não fere o interesse de terceiros.

Ao homologar o acordo, a Justiça determinou a retificação do registro de nascimento e declarou extinto o processo com resolução de mérito. A decisão transitou em julgado com a publicação da sentença, uma vez que não houve intenção de recorrer.

Pedido inédito

A advogada Amanda Costa, que atuou no caso, destaca o caráter inédito do pedido. “No meu estudo para montagem da ação, não encontrei situações de desconstituição da paternidade com retificação do registro civil para retirada do patronímico paterno sem que houvesse um litígio”, afirma.

Segundo ela, normalmente essas ações são propostas em contextos de conflito, seja quando o pai registra sob erro, seja nos casos de abandono afetivo, em que o filho aciona o genitor judicialmente.

Para a advogada, a via consensual evita o acirramento de disputas familiares: “Um advogado que atende esse tipo de demanda pode evitar conflitos de diversas naturezas. Quando falamos em indução de erro no registro de nascimento e até mesmo abandono afetivo, temos uma condição de ‘reviver’ questões éticas e morais dentro do âmbito familiar”.

E acrescenta: “A possibilidade de homologar a vontade das partes em detrimento da legislação traz segurança, levando em conta o princípio da eticidade do Direito Civil, além do direito à identidade e à verdade biológica dos cidadãos”. 

Amanda Costa avalia que o caso demonstra a boa-fé dos requerentes e a intenção clara de evitar uma possível judicialização desnecessária.

“Ainda que já tenha havido acordos para desconstituir a paternidade e retificar registros civis, nesses casos já existia um litígio anterior envolvendo a questão. Aqui, o acordo, além de ser mais célere, devolve aos requerentes a máxima de que eles mesmos solucionam o andamento de suas vidas, sem depender de uma imposição judicial do direito”, diz.

Fonte: site IBDFAM

TRT-2 reconhece vínculo empregatício entre mulher e ex-marido após 48 anos

Uma mulher conseguiu ter o vínculo de trabalho com o ex-marido reconhecido 17 anos após o divórcio e 48 anos após o início da prestação de serviços. A 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – TRT-2 reformou a sentença da 3ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, em São Paulo, que havia julgado improcedente a reclamação trabalhista.

No caso dos autos, foi comprovado que a mulher atuava como secretária no consultório médico do ex-marido entre 1º de julho de 1976 a 31 de dezembro de 2007. Conforme a decisão, provas documentais e testemunhais demonstraram que a mulher comparecia diariamente ao consultório médico, realizava atendimento de pacientes, organizava atividades administrativas, utilizava uniforme e exercia autoridade funcional sobre outras funcionárias.

A 13ª Turma aplicou o princípio da primazia da realidade sobre a forma (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), reconhecendo a existência de vínculo de emprego. O entendimento é de que a prestação de serviços habituais, subordinados e onerosos, ainda que no âmbito de uma relação conjugal, configura vínculo empregatício e não pode ser afastada por fatores afetivos ou de informalidade familiar.

Assim, foi determinada a anotação do contrato de trabalho na CTPS da reclamante, sob pena de multa diária de R$ 300, limitada a R$ 10 mil. O salário-base reconhecido foi o mínimo legal vigente à época da prestação dos serviços.

A mulher, atualmente com 74 anos, poderá requerer junto ao INSS o cômputo retroativo dos 31 anos de trabalho, podendo acrescentar até 12 anos ao seu tempo de contribuição para fins de aposentadoria.

Também foi resguardado o direito à cobrança do FGTS relativo ao período, considerando que o prazo prescricional para o fundo só se inicia com o reconhecimento judicial do vínculo.

Processo: 1000840-13.2024.5.02.0473.

Reconhecimento

Para a advogada Ana Paula De Oliveira Antunes, presidente da Comissão do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do TRT-2 se mostra absolutamente acertada, pois reconhece o vínculo de trabalho e considera que a relação matrimonial não pode ser confundida com relação de emprego, ”como se a subordinação estivesse presente e fosse uma consequência lógica das relações afetivas”.

“Ainda que não haja menção expressa na decisão da aplicação do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, há de se destacar que o julgador tomou a devida cautela ao reconhecer a vulnerabilidade de gênero, o que demonstra um grande avanço em nosso ordenamento jurídico”, pondera a especialista.

Ana Paula acrescenta que o entendimento tem reflexo positivo “em uma sociedade tão assimétrica, e contribui valorosamente para a jurisprudência, ao identificar e analisar os impactos do gênero nas situações jurídicas, garantindo que as decisões não perpetuem desigualdades e estereótipos”.

“O Protocolo orienta a análise de casos envolvendo as questões de gênero de grupos vulneráveis, levando em consideração suas características e necessidades específicas e as decisões judiciais devem ser embasadas em uma análise cuidadosa dos fatos, tal qual verificamos no presente caso”, observa.

Na visão dela, o maior compromisso do Judiciário é quando as relações de trabalho e afeto se entrelaçam, sem que estejam devidamente regularizadas no campo jurídico.

Fonte: site IBDFAM

Problema no registro de casamento impede homem de se casar na Bahia

Um registro civil feito há 12 anos, na Bahia, resultou na formalização indevida de um casamento envolvendo dois irmãos e a mesma mulher. O casamento realizado por um deles acabou sendo oficialmente atribuído ao outro, o que tem impedido este último de oficializar sua união com a atual companheira.

Fisicamente semelhantes e com datas de nascimento próximas, os irmãos possivelmente foram confundidos no momento da lavratura do registro. Um deles reside atualmente na Região Metropolitana de Salvador com a esposa; o outro vive no norte do Estado e convive com as consequências dessa situação desde que ela foi descoberta, há cerca de quatro anos.

O homem que consta como casado, sem nunca ter celebrado o matrimônio, enfrenta obstáculos para regularizar sua documentação, o que já comprometeu uma promoção profissional. Além disso, sua companheira — com quem vive há seis anos e enfrenta problemas de saúde — não pode ser incluída como dependente em seu plano de saúde, por ausência de vínculo conjugal formal.

Segundo especialistas consultados pelos portais Migalhas e G1, ainda que a situação tenha se originado de um equívoco, o casamento permanece válido até que seja revisto judicialmente. Como o prazo legal para anulação por erro essencial já se esgotou, a saída jurídica seria o divórcio do casal formalmente registrado, permitindo que ambas as partes regularizem sua situação e possam, se desejarem, contrair novo matrimônio.

Erro material

A registradora Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM esclarece que essa é uma hipótese clara de erro material no registro, e o caminho mais adequado e célere é a retificação administrativa, prevista no art. 110 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).

“Trata-se de um erro de documento, e não um erro da pessoa: quem compareceu, assinou a habilitação, participou da cerimônia e foi fotografado no casamento o cônjuge real, mas houve troca equivocada da certidão de nascimento, em razão da semelhança entre os nomes e sobrenomes dos irmãos gêmeos”, ressalta a especialista.

Nesse caso, Márcia explica que o cartório pode promover administrativamente: a retificação do registro de casamento, substituindo a certidão de nascimento errada pela correta; a  correta anotação do casamento no registro de nascimento do cônjuge verdadeiro; e o cancelamento da anotação indevida feita no registro do irmão que não se casou.

Esse procedimento, segundo a registradora, restaura a verdade jurídica com segurança e sem necessidade de intervenção judicial, “desde que requerido diretamente perante o registrador civil e que os fatos sejam comprovados com documentos”.

“A retificação administrativa sempre será o meio mais ágil e fácil de solucionar esse tipo de erro material. É fácil de ser requerida pelo interessado. Não existe nenhuma necessidade de recorrer ao Judiciário, que só trará novas despesas ao usuário e prazo maior para solução”, observa.

Segurança jurídica

De acordo com Vanuza Arruda, vice-presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do IBDFAM, como o equívoco não envolveu falsidade ideológica, nem usurpação de identidade, não há vício de vontade a ser anulado.

“O que houve foi um erro material no processamento documental da habilitação para o casamento. Por isso, a melhor medida é a retificação do registro, sem necessidade de anulação do casamento”, pontua a especialista.

Vanuza ressalta que, a partir da correção, o casamento é validamente atribuído ao cônjuge real, e o outro irmão, que foi indevidamente apontado como casado, recupera sua condição de solteiro perante o registro civil. “Assim, assegura-se o seu direito ao casamento com plena regularidade e sem prejuízo à segurança jurídica.”

Para ela, a solução preserva a legalidade, respeita os fatos reais e corrige com agilidade um erro que, embora seja raro, é tecnicamente simples de ser resolvido pelo registrador civil.

“Dessa forma, o casal continuará seu casamento de fato e de direito, sem nenhum tipo de prejuízo moral, material ou mental e o irmão solteiro poderá seguir com seus planos de constituir sua família. Todos manterão suas vidas normal”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Paraná concede guarda unilateral para mãe em caso de violência doméstica

Uma mãe que foi vítima de violência doméstica terá direito a guarda unilateral do filho. O entendimento da Justiça do Paraná considerou o histórico de agressões do genitor e a existência de medidas protetivas em favor da autora.

No caso dos autos, a genitora buscava a fixação da guarda unilateral após ter sido vítima de violência doméstica. Ao avaliar o caso, o juiz considerou a dificuldade de exercício da guarda compartilhada, bem como indícios de possível risco no convívio paterno com relação ao filho – motivo pelo qual deferiu a guarda unilateral do menino.

Para o advogado Bruno Campos de Freitas, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão é cautelosa, equilibrada e fundamentada na proteção do melhor interesse da criança.  “O juiz considerou os indícios de violência doméstica como um fator determinante para afastar o pai agressor da guarda compartilhada.”

Segundo o advogado, embora a decisão siga os princípios já consolidados do Direito das Famílias, como o princípio do melhor interesse da criança e a possibilidade de guarda unilateral em casos de violência, o entendimento se destaca por “aplicar esses princípios com sensibilidade ao contexto da criança”.

“A análise individualizada do contexto familiar reflete um avanço na forma como o Judiciário compreende a complexidade das estruturas familiares atuais”, observa.

Bruno entende que a decisão reforça a importância da análise individualizada em ações de guarda, especialmente quando há alegações de violência doméstica. “Ela sinaliza que a guarda compartilhada, embora regra geral, não deve ser imposta de forma automática quando há risco à integridade física ou emocional das crianças. Pode servir de precedente para outros casos, incentivando mães vítimas de violência a buscarem a proteção judicial necessária para si e para seus filhos.”

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Tocantins determina busca por rendimentos de devedor de pensão em plataformas digitais

A Justiça do Tocantins determinou recentemente, em uma ação de execução de alimentos, a busca por rendimentos do devedor em plataformas digitais. O homem, que deixou de pagar a pensão alimentícia ao seu filho, de setembro de 2022 a maio de 2023, teve bens bloqueados e penhorados para cobrir a dívida após decisão provisória da 1ª Vara de Família e Sucessões de Araguaína, do Tribunal de Justiça do Tocantins – TJTO.

De acordo com os autos, a Justiça acionou plataformas on-line para conferir a existência de valores a serem repassados ao executado, provenientes da monetização de vídeos, publicidade e outras fontes digitais. Além disso, ficou decidido que créditos futuros devem ser penhorados e depositados judicialmente até o limite da dívida de pensão alimentícia. 

Para o advogado Bruno Campos de Freitas, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão reforça uma tendência do Judiciário de aplicar medidas rigorosas contra devedores de pensão alimentícia.

“A utilização de ferramentas como Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário – SISBAJUD, o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERPJUD e o Sistema de Informações ao Judiciário – INFOJUD, além da possibilidade de bloqueio de valores oriundos de plataformas digitais, mostra um avanço na busca por recursos do devedor, independentemente da origem dos seus rendimentos”, diz.

Penhora e expropriação

Segundo o processo, tudo começou com a fixação de alimentos em 76,81% do salário mínimo. Após recurso, a Justiça aumentou o valor para três salários mínimos, com efeito retroativo à data do pedido. Como o executado pagou o valor antigo, a parte credora realizou tentativas de recebimento, mas enfrentou resistência do devedor. 

Diante disso, o exequente pediu o bloqueio de bens e valores do homem. Ele tentou, então, impugnar a dívida e alegou ter feito os pagamentos, além de contestar a cobrança e tentar suspender o processo, sem sucesso.

Diante dos fatos, a Justiça autorizou medidas de penhora e expropriação. Foram determinadas diversas medidas para garantir o pagamento, como o bloqueio de valores, a pesquisa de bens imóveis no nome do devedor, a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes, a busca por rendimentos em plataformas digitais e a penhora de bens encontrados.

Sendo assim, a decisão determinou que o executado deve pagar integralmente os valores devidos a título de pensão alimentícia, incluindo a diferença resultante da majoração dos alimentos para três salários mínimos, com efeito retroativo à data do ajuizamento da ação.

Decisão ‘rígida’

Bruno Campos de Freitas avalia que a decisão é “rígida, porém fundamentada, priorizando o direito à alimentação do credor – o alimentado – e rejeitando alegações que pudessem atrasar a execução da dívida”.

“O juiz negou, por exemplo, pedido de apreensão do passaporte do executado, considerando que essa medida poderia comprometer sua atividade laboral, mas autorizou diversas ações de expropriação de bens e bloqueio de valores, garantindo a efetivação do pagamento”, afirma o especialista.

O advogado espera que a decisão da Justiça tocantinense sirva como precedente para execuções de pensão alimentícia, demonstrando que o Judiciário está disposto a utilizar todos os meios possíveis para garantir o pagamento da obrigação alimentar.

“A decisão evidencia que alegações genéricas de dificuldades financeiras não serão aceitas sem comprovação robusta e que medidas atípicas, como o bloqueio de monetização digitais, podem ser utilizadas para impedir a inadimplência proposital”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

TJPR reconhece dupla maternidade em caso de inseminação caseira

A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR reconheceu a dupla maternidade de um casal de mulheres cujo filho foi gerado por meio de inseminação caseira. O entendimento é de que é possível aplicar analogicamente o artigo 1.597, inc. V, do Código Civil, como forma de conferir a máxima efetividade aos direitos humanos reprodutivos e sexuais das pessoas LGBTQIAPN+.

As mulheres optaram pela inseminação artificial caseira em razão da impossibilidade de custear o procedimento de reprodução assistida em uma clínica especializada. A técnica foi bem-sucedida e uma delas deu à luz a gêmeos em outubro de 2023.

O casal ajuizou a ação em busca do reconhecimento da maternidade da mãe não gestante, com a inclusão do nome na certidão de nascimento das crianças. Ao garantir o registro, o TJPR destacou a importância de considerar o contexto social e as múltiplas vulnerabilidades enfrentadas por famílias não heteronormativas.

A decisão também menciona a necessidade de evitar discriminações indiretas e de garantir a máxima proteção dos direitos humanos sexuais e reprodutivos da população LGBTQIAPN+.

O colegiado reconheceu a ausência de regulamentação específica sobre a inseminação artificial caseira na legislação brasileira, mas destacou: isso não torna a técnica ilícita.

Jurisprudência

O desembargador Eduardo Cambi, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, observa que diversos casos de inseminação caseira de casais homoafetivos têm chegado ao TJPR após o julgamento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no qual foi reconhecida a presunção de maternidade de uma mãe não biológica em caso de inseminação artificial caseira realizada no contexto de união estável homoafetiva.

O IBDFAM atuou como amicus curiae no julgamento. Relembre aqui. (REsp 2137415 – SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2024, DJe de 16/10/2024).

“Embora as técnicas de fertilização in vitro sejam da década de 1970 , o artigo 1.597, inciso V, do Código Civil de 2002 foi pensado para contemplar apenas a situação de mulheres inseridas em  casamentos heterossexuais. A interpretação do STJ, seguida pelo TJPR, fortalece a concepção pluralista de família consagrada pelo STF na ADI 4.277 e ADPF 132”, avalia o desembargador.

Segundo ele, a interpretação confere segurança jurídica aos casais homoafetivos que, ao se submeterem à inseminação artificial, pretendem registrar a paternidade ou a maternidade. Além disso, a decisão considera a situação social e econômica de casais pobres que recorrem à inseminação caseira para terem seus filhos, por não terem acesso  aos recursos necessários para arcar com os custos das clínicas de fertilização.

“Inúmeras violações de  direitos humanos ocorrem em razão da hierarquização entre o ‘eu’ e o ‘outro’. Discriminar o outro, porque é diferente de mim, é rejeitar as diferenças. As injustiças nascem da falta de tolerância com o diferente”, acrescenta.

Eduardo Cambi ressalta que o Direito das Famílias, no contexto do Estado Democrático de Direito, deve assegurar a coexistência digna, os projetos de vida compatíveis com os valores éticos da Constituição Federal e a igualdade substancial entre todas as pessoas.

As lacunas legislativas, acrescenta o especialista, não podem impedir as pessoas de viverem seus afetos e buscarem ser felizes. “Se o exercício da liberdade e da autonomia privada são legítimos, não pode o Estado violar esses direitos humanos.”

Teoria da causa madura

De acordo com o desembargador, uma das maiores críticas à atuação do Poder Judiciário é a morosidade processual, e o Código de Processo Civil de 2015, em sintonia com a Emenda Constitucional 45/2004, assegurou a garantia da duração razoável do processo.

Uma das formas de promover a celeridade da prestação jurisdicional, segundo ele, é aplicar a teoria da causa madura, prevista no artigo 1.013, § 3º, do CPC.  “No caso concreto, o juiz havia resolvido o processo sem julgamento de mérito, por entender que a pretensão de registro duplo de maternidade na hipótese de inseminação caseira é vedada pelo ordenamento jurídico.”

“A questão é puramente de direito. Os fatos eram incontroversos. O TJPR conferiu tratamento jurídico diferente da sentença apelada e, sem a necessidade de fazer o processo retornar à primeira instância, conferiu à tutela jurisdicional”, afirma.

Proteção

De acordo com o desembargador, a população LGBTQIAPN+ é a que mais sofre pela ausência de proteção jurídica. “Não há tratados internacionais nem legislação interna suficiente para reconhecer e proteger, de forma adequada e eficiente, os direitos humanos das pessoas LGBTQIAPN+.”

Nesse sentido, ele considera decisões como a do TJPR importantes “não apenas para afirmar os direitos reprodutivos e sexuais, mas principalmente para fixar ‘standards’ éticos de justiça coexistencial”.

“A preocupação com a justiça reprodutiva transcende a mera proteção dos direitos sexuais e reprodutivos para abranger o exame do contexto social, econômico e de políticas públicas que afetam de forma desproporcional a capacidade – especialmente das mulheres e de pessoas LGBTQIAPN+ – em tomar decisões informadas e autônomas sobre seus corpos”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Pará reconhece maternidade socioafetiva “post mortem”

Uma mulher obteve na Justiça do Pará o reconhecimento do vínculo materno-filial estabelecido entre ela e sua tia materna, que morreu em 2020. A 3ª Vara de Família de Belém garantiu a inclusão da maternidade socioafetiva no assento de nascimento, sem exclusão da maternidade biológica,  configurando hipótese de multiparentalidade materna.

A autora foi criada pela tia materna desde seu nascimento, em 1979, pois a mãe biológica não tinha condições para assumir plenamente os encargos da maternidade. Desde então, a genitora mantinha um contato limitado com a autora, e a tia, impossibilitada de gerar filhos biológicos, assumiu integralmente a função materna em sua plenitude.

O cerne probatório da ação incluiu documentos de comunicações entre ambas, acervo fotográfico cronológico e depoimentos  testemunhais que evidenciaram a tríade caracterizadora da posse do estado de filiação: tractatus (tratamento como filha), fama (reconhecimento social  do vínculo) e nominatio (ainda que relativizado pela coincidência do  sobrenome familiar).

Irmãos e irmãs da falecida contestaram o pedido, sob o argumento de que a mulher nunca registrou a sobrinha como filha. Sustentaram ainda que a irmã tratava a autora como  tratava os outros sobrinhos, e que o pedido possuía motivação exclusivamente patrimonial-sucessória.

Ao decidir, o juiz responsável pelo caso considerou o artigo 1.593 do Código Civil, segundo o qual o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem, além de precedentes do STF sobre  multiparentalidade (Tema 622 de repercussão geral) e do STJ sobre paternidade socioafetiva (REsp 1.500.999/RJ), bem como o princípio  constitucional da igualdade entre filhos (art. 227, § 6º, CF).

Com base neste entendimento, o magistrado julgou procedente o pedido e declarou a autora como filha socioafetiva e, consequentemente, herdeira da falecida.

Jurisprudência

O caso contou com a atuação do advogado Inaldo Leão Ferreira. Segundo ele, a decisão, embora alinhada à atual tendência jurisprudencial dos Tribunais Superiores, apresenta particularidades juridicamente relevantes que a destacam no cenário judicante nacional.

“Trata-se de reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem, hipótese substancialmente menos frequente na  jurisprudência pátria em comparação aos casos de paternidade  socioafetiva. A sentença demonstra a aplicação isonômica dos princípios  jurídicos independentemente do gênero parental, reafirmando a  interpretação teleológica do art. 1.593 do Código Civil”, observa.

Além disso, acrescenta o advogado, a decisão reconhece a multiparentalidade materna, implementando concretamente a tese firmada pelo Supremo Tribunal  Federal – STF no RE 898.060/SC (Tema 622): “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do  vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os  efeitos jurídicos próprios”.

“Ademais, a decisão reconhece a formação de vínculo socioafetivo  parental entre parentes consanguíneos colaterais (tia e sobrinha), evidenciando que o parentesco biológico preexistente não obsta a  configuração de nova modalidade parental quando há efetivo exercício da  parentalidade no plano fático. Esta interpretação amplia a compreensão  do instituto da socioafetividade além das hipóteses tradicionalmente reconhecidas (padrastos/madrastas ou ‘pais de criação’ sem vínculo  biológico)”, afirma Inaldo.

Ele pontua ainda que a sentença também consolidou o entendimento de que a filiação  socioafetiva demanda dois requisitos essenciais: “a) vontade clara e  inequívoca do pretenso genitor socioafetivo; b) configuração da  denominada “posse de estado de filho”, compreendida como o tratamento dispensado pelos pais (afeto, segurança, dependência econômica) e o  reconhecimento social do vínculo”.

“Assim, embora não represente ruptura paradigmática, a decisão refina a aplicação dos institutos jurídicos já estabelecidos, potencializando sua eficácia em configurações familiares ainda pouco exploradas pela  jurisprudência”, comenta.

Vínculos afetivos

De acordo com Inaldo Leão Ferreira, a efetivação judicial dos vínculos parentais socioafetivos ainda enfrenta significativos óbices jurídico-processuais e hermenêuticos, como o ônus probatório qualificado, interpretação restritiva dos requisitos legais e a presunção de intuito patrimonial. Ele cita ainda a insuficiência normativa, a operacionalização da multiparentalidade, a natureza jurídica controvertida, a ponderação entre estabilidade jurídica e afetividade e os critérios de aferição temporal.

“Decisões dessa natureza transcendem o caso concreto e exercem função paradigmática na construção do Direito das Famílias  contemporâneo, por diversas razões”, explica o advogado.

Segundo o especialista, o julgado materializa a “transição do paradigma institucionalista para o  eudemonista no Direito de Família, consagrando a afetividade como  princípio jurídico implícito de matriz constitucional, capaz de  constituir vínculos familiares juridicamente tutelados”.

Processo: 0825049-81.2021.8.14.0301

Fonte: site IBDFAM

Homem que descobriu não ser pai biológico de criança não deve ser indenizado, decide Justiça de São Paulo

A Justiça de São Paulo negou o pedido de indenização de um homem que descobriu não ser pai biológico de uma criança de 11 anos. A decisão é da 2ª Vara Cível do Foro Regional do Tatuapé, mantida pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado.

Segundo informações do TJSP, o homem se casou com a mãe da criança em 2007, poucos meses antes do nascimento. A separação aconteceu em 2010.

Em 2019, ao desconfiar que poderia não ser o pai biológico do garoto, o autor fez dois testes de DNA, cujos resultados deram negativo. Em 2023, ajuizou ação indenizatória.

Ao avaliar a questão, o desembargador-relator da apelação entendeu que o prazo prescricional de três anos previsto no Código Civil começa a contar a partir da ciência inequívoca do fato danoso, o que ocorreu, no caso, a partir do conhecimento de que o homem não era o pai biológico, ou seja, quando recebeu o resultado do exame de DNA.

Ainda conforme o magistrado, o autor utilizou-se do fato de não ser pai do infante em uma ação revisional de alimentos, datada em 17 de abril de 2019.

Boa-fé objetiva

Para a advogada Renata Vilela Multedo, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão parece acertada, pois “não há qualquer menção na notícia da ocorrência de ato ilícito ou de conduta abusiva mediante a violação da boa-fé objetiva por parte da mãe”.

Ela ressalta que a ausência de vínculo biológico não tem o condão de, por si só, gerar o dever de indenizar. “É necessário a comprovação in concreto da violação de um dos substratos da dignidade do pai (liberdade, igualdade, integridade psicofísica e solidariedade), já que o simples conhecimento de que o pai não seria o pai biológico, não é, por si só, um dano passível de reparação.”

De acordo com Renata, o prazo prescricional de três anos, previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, foi aplicado a partir do conhecimento do dano pelo autor da ação, ou seja, com a descoberta da ausência de vínculo biológico.

“Os dois principais requisitos considerados pelos Tribunais para a caracterização do dano como indenizável são a existência de prova robusta no sentido de que houve vício da vontade do pai no momento do registro, ou seja, que houve erro substancial, dolo ou coação; (ii) ou a conduta abusiva, por meio da violação da boa-fé objetiva por parte da mãe/genitora”, esclarece.

A advogada também pontua que a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça – STJ se posiciona no sentido da impossibilidade da desconstituição da parentalidade quando já estabelecido o vínculo socioafetivo de filiação. “Referidas considerações devem nortear a decisão sobre a manutenção ou não da paternidade reconhecida e a concessão ou não de reparação.”

Legislação

Segundo Renata Vilela Multedo, o anteprojeto de Reforma do Código Civil, no que tange às ações que visam à possibilidade de desconstituição da parentalidade pela ausência do vínculo biológico, traz propostas que visam positivar o entendimento já consolidado pela jurisprudência brasileira e pela doutrina de forma majoritária em relação aos limites para esse tipo de demanda, de forma a alinhar a legislação às realidades contemporâneas.

“Assim, propõe como a inclusão dos artigos 1.615-A e 1,615-B que a contestação do vínculo de parentalidade dependa da prova da ocorrência do vício de vontade, falsidade do termo ou das declarações nele contidas, impondo como limite a insuficiência da inocorrência de vínculo genético para exclusão da filiação, quando comprovada a existência da posse do estado de filho. Tal posicionamento ainda é consolidado no anteprojeto quando se propõe a criação de um capítulo destinado à socioafetividade, que se inaugura com a inclusão do art. 1617-A que dispõe que ‘a inexistência de vínculo genético não exclui a filiação, se comprovada a presença de vínculo de socioafetividade’”, observa.

Já em relação ao prazo prescricional para demandas indenizatórias, acrescenta a especialista, o anteprojeto propõe, em que pese a discutida redução do prazo geral de 10 para 5 anos, um aumento do prazo para a pretensão de reparação civil de 3 para 5 anos.

“Acertadamente, não há no anteprojeto, como jamais existiu na legislação brasileira, qualquer disposição sobre paternidade fraudulenta como um ilícito específico, o que certamente iria de encontro a toda a axiologia constitucional”, conclui Renata.

Fonte: site IBDFAM

Tia consegue na Justiça a guarda do sobrinho após a morte da mãe

A primazia do afeto e do interesse superior de crianças e adolescentes em disputas familiares serviu de base para uma decisão recente da 12ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, que garantiu a guarda definitiva de um adolescente à tia, responsável por ele após o falecimento da mãe.  A decisão considerou o forte vínculo afetivo entre os dois e o desejo expresso pelo jovem.

Após a morte da genitora, o adolescente permaneceu sob os cuidados da tia, também sua madrinha, que ajuizou a ação para regularizar a situação fática e facilitar o acesso à educação, à saúde e a outros direitos.

A decisão também considerou o depoimento do adolescente que manifestou desejo de permanecer sob os cuidados da madrinha, por já ter construído forte laço de afeto com ela e resistir em elaborar as perdas familiares no mesmo ambiente na qual vivia com a mãe. Atuaram no caso as advogadas Mariana Macedo e Mariana Kastrup.

Segundo Mariana Macedo, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, prevaleceu o melhor interesse do adolescente, “que permaneceu no ambiente que melhor assegura seu bem-estar físico e moral”.

Conforme a sentença, além de esclarecer seu interesse em permanecer morando com sua tia, o adolescente afirmou que não deixa de falar com seu pai e tampouco é impedido de conviver com ele.

Mariana cita o artigo 1.584, do Código Civil, que prevê a possibilidade de o juiz deferir a guarda “a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.

Para a advogada, o entendimento é inovador pois “mostra que as decisões judiciais devem sempre atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, sujeito de direitos, nem que para isso seja necessário afastar quaisquer outros interesses juridicamente tutelados, como o interesse dos pais”.

Processo: 0213854-40.2021.8.19.0001

Fonte: site IBDFAM

TJSP relativiza o direito real de habitação para proteger herdeiro

O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP decidiu que o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente pode ser relativizado em caso de novas núpcias, afastando o entendimento expresso no artigo 1.831 do Código Civil. O acórdão reconhece o direito do herdeiro de pleitear aluguéis retroativos e a extinção do condomínio.

O caso é de uma ação de extinção de condomínio, na qual o imóvel foi deixado de herança pelo de cujus para a meeira e os dois filhos – irmãos apenas por parte de pai. A meeira não é a mãe do filho que moveu a ação.

Conforme consta nos autos, a outra filha continuou residindo no imóvel com a mãe que, posteriormente, constituiu novo matrimônio. O autor da ação pleiteou a extinção do condomínio com pedido de recebimento de aluguéis retroativos desde a notificação enviada no início da demanda.

A defesa alegou o direito real de habitação, expresso no artigo 1.831 do Código Civil. O juízo de origem acolheu a fundamentação e declarou improcedente a ação.

Na apelação, foi alegado o enriquecimento ilícito do novo cônjuge da meeira. O TJSP reverteu a sentença sob o entendimento de que, embora não seja expresso no artigo 1.831, as novas núpcias extinguem o direito real de habitação.

A decisão deu provimento ao recurso do autor para julgar procedente a ação principal, declarando a extinção do condomínio do imóvel, afastando o direito real de habitação da ré sobre ele. O autor também deverá receber o valor de R$ 250 mensais a título de aluguel do imóvel, enquanto durar a ocupação.

Código Civil

O caso contou com atuação do advogado Jorge Dias de Aguiar Neto, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Segundo o advogado, o entendimento do TJSP foi pela relativização do direito real de habitação em consonância com o Código Civil de 1916, em que pese a aparência absoluta expressa no Código atual.

Jorge explica que o artigo 1.831, do Código Civil 2002, não abre nenhuma exceção ao  direito real de habitação, ao contrário do expresso anteriormente no Código Civil de 1916: “Art. 1611, § 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar”.

O advogado conta que encaminhou sugestão para que a reforma do Código Civil incluísse no artigo 1.831 a extinção do direito real de habitação quando o cônjuge sobrevivente contraísse novas núpcias. “Mesmo que não seja alterado o citado artigo, o presente acórdão poderá servir como fundamentação em novos julgados”, afirma.

“Afinal, como sempre diz o Professor Rodrigo da Cunha Pereira, nossa missão é sempre aproximar o justo do legal e, neste caso, não há injustiça maior que um herdeiro se ver privado de um bem, que é seu legitimamente, mesmo após o cônjuge sobrevivente já estar casada(o) novamente e residindo neste imóvel com o(a) novo(a) parceiro(a)”, destaca o advogado.

Ele conclui: “Não à toa, a fundamentação da apelação foi o enriquecimento ilícito deste  novo cônjuge que, aproveitando-se do direito real de habitação do outro, ganha o direito de residir gratuitamente em imóvel alheio”.

Fonte: site IBDFAM