Autor: Thaisa Pellegrino

TJRS mantém testamento em favor de ex-esposa mesmo após 20 anos do divórcio

Em uma ação de nulidade e anulação testamentária, a Justiça do Rio Grande do Sul manteve válido o testamento deixado por um homem em favor de sua ex-esposa, mesmo após mais de 20 anos do divórcio. A decisão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado reformou a sentença de primeira instância, que havia acolhido o pedido de anulação do documento.

Segundo os autos, a ação foi ajuizada pelo espólio, representado pelos herdeiros necessários do falecido, com o objetivo de anular o testamento público lavrado em 1992, no qual o testador destinou a parte disponível de sua herança à ex-esposa, com quem foi casado entre 1983 e 2004.

O Tribunal de origem julgou procedente o pedido, sob o fundamento de que o tempo que estiveram separados poderia indicar que a intenção de beneficiar a ex-esposa teria se extinguido com o divórcio. A decisão ainda ressaltou que o desconhecimento jurídico do falecido poderia explicar a ausência de revogação do testamento.

A defesa da ex-esposa recorreu, e a Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença e manteve válido o testamento, por unanimidade. O Tribunal explicou que, de acordo com o artigo 1.969 do Código Civil, um testamento só pode ser cancelado da mesma forma que foi feito. Como o falecido não cancelou o documento em vida e não houve prova de erro, fraude ou pressão, não havia razão legal para anulá-lo.

Liberdade do testador

A advogada Mariane Bosa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso representando a ex-esposa. “A decisão reforça a liberdade do testador, reconhecendo que o testamento, como manifestação de última vontade, só pode ser revogado conforme as situações previstas em lei”, comenta.

Para ela, o Tribunal reafirma que a vontade do testador só pode ser alterada por manifestação expressa e formal, mantendo o testamento válido mesmo após o divórcio.

“O acórdão reforça a importância do testamento público, garantindo segurança jurídica às disposições nele contidas e preservando a autonomia da vontade do testador. Dessa forma, evita-se que interpretações subjetivas ou presunções infundadas comprometam a validade de um ato juridicamente perfeito, elaborado sem vícios e em conformidade com as formalidades legais”, destaca.

Para sustentar a validade do testamento mesmo após o divórcio do casal, a defesa adotou uma série de estratégias jurídicas, tais como demonstrar que a disposição testamentária indicou a beneficiária pelo nome, sem referir-se a ela como cônjuge ou companheira. “Isso demonstra que a manutenção do vínculo conjugal não constituía requisito para a eficácia da liberalidade”, explica a advogada.

Cláusula de substituição

Segundo ela, o testador incluiu uma cláusula de substituição testamentária, determinando que, em caso de falecimento de ambos, a herança seria destinada aos filhos da beneficiária, mesmo que não fossem seus herdeiros necessários.

“Ao longo da vida, o falecido lavrou quatro testamentos em favor da mesma pessoa, inclusive antes do casamento e após a separação judicial, revogando expressamente cada instrumento anterior, o que demonstra pleno conhecimento do procedimento. Além disso, ele teve 28 anos para revogar o último testamento, mas não o fez, mesmo após ser diagnosticado com doença terminal e ao formalizar nova união estável, pontua.

A especialista destaca que o testamento só pode ser anulado em casos de erro, dolo, coação, simulação, fraude ou descumprimento de formalidade. “Nenhum desses vícios foi constatado no caso. O testador exerceu sua autonomia plena, no limite da legítima, inexistindo qualquer prova contrária à sua expressa vontade.”

Ela frisa ainda que estamento é um ato de última vontade e que a validade do documento não depende da existência de vínculo afetivo, salvo quando houver disposição expressa em sentido contrário. “Não se pode presumir o contrário, devendo a decisão judicial apoiar-se em fatos e provas, e não em meras suposições”, completa.

Rigor da lei

Mariane Bosa avalia que a decisão terá impacto em casos futuros, ao consolidar que a revogação de testamentos deve seguir rigorosamente a lei, sem se basear em presunções.

“Caso contrário, correria-se o risco de desvirtuar o instituto do testamento, abrindo espaço para interpretações subjetivas sobre a verdadeira vontade do falecido. O julgamento consolidou que o mero divórcio, por si só, não demonstra a intenção de o testador revogar o testamento, especialmente quando a liberalidade não estava condicionada ao vínculo conjugal e a beneficiária não era classificada como cônjuge”, analisa.

A advogada argumenta ainda que o casamento não é prova definitiva de afeto, assim como a ausência de vínculo conjugal não indica necessariamente sua inexistência. “Trata-se de elemento subjetivo e sem definição legal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ já assentou que: ‘não há dever de amar, mas sim obrigação de cuidar’.”

Ela ressalta ainda que a lei não exige a manutenção de vínculo afetivo com o herdeiro testamentário, salvo quando houver condição expressa. Sendo assim, “qualquer exigência nesse sentido representaria uma restrição indevida à liberdade do testador de dispor da parte disponível de seu patrimônio”.

Fonte: site IBDFAM

TJPR reconhece cuidado materno invisível e nega redução de pensão paterna

Um homem que buscava reduzir o valor pago de pensão às duas filhas teve o pedido negado pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR. O colegiado aplicou a teoria do cuidado para reconhecer a contribuição materna como elemento essencial da corresponsabilidade parental no sustento das duas filhas e manteve o valor em 30% dos rendimentos líquidos.

De acordo com o acórdão, a mãe das crianças não possui vínculo de emprego formal, atua como estagiária e reside com as filhas na casa da avó materna. Apesar das limitações econômicas, ela “contribui com o sustento das filhas por meio da prestação direta de cuidados, assumindo integralmente as responsabilidades diárias de moradia, alimentação, acompanhamento escolar, transporte e demais atividades vinculadas à convivência e ao cuidado materno”.

No recurso, o homem havia solicitado a redução do valor sob a alegação de dificuldades financeiras decorrentes da formação de nova família e outras despesas. Ao avaliar o caso, o TJPR entendeu que o genitor tem condições de arcar com a obrigação e que o montante é adequado para garantir o sustento das filhas.

A decisão teve como base a teoria do cuidado, que destaca o reconhecimento das tarefas historicamente atribuídas às mulheres como formas de contribuição invisível, não remunerada nem juridicamente compensada.

Segundo a relatora, a fixação dos alimentos deve seguir o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, reconhecendo o cuidado direto da genitora como capital invisível que compõe a corresponsabilidade parental. “Desconsiderar esse aporte equivale a reforçar os estereótipos de gênero que relegam à figura paterna o papel exclusivo de provedor financeiro, e à figura materna o cuidado silencioso e naturalizado”.

Ainda conforme a decisão, ignorar o tempo dedicado ao cuidado, o desgaste emocional e a limitação de inserção no mercado de trabalho impõem às mulheres um duplo encargo: sustentar in natura e suprir a ausência de uma contribuição proporcional do outro genitor.

Para a relatora, “não se trata de privilegiar a figura materna, mas de aplicar o princípio da proporcionalidade com base em elementos concretos, respeitando a corresponsabilidade parental”.

O processo tramita sob segredo de Justiça.

Trabalho invisível

A advogada Cecília Nunes Barros, membro da diretoria executiva do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, explica que o dever de cuidado é de ambos os pais. Contudo, alerta que a mulher é quem se ocupa da criação dos filhos com exclusividade na maioria dos casos.

Não considerar o tempo de cuidado, a energia emocional e as limitações decorrentes da função de cuidadora, segundo Cecília Barros, impõe à mulher um duplo encargo: “manter o sustento in natura e compensar a ausência de contribuição proporcional do outro genitor”.

“O reconhecimento do valor do cuidado exclusivo com os filhos corrige uma injustiça reiterada que onera não só as mães, mas também as crianças, cujo pai não participa ostensivamente dos seus cuidados e não contribui financeiramente de forma suficiente”, observa.

Ela acrescenta: “Se decisões como essa se tornarem comuns, atribuindo valor ao cuidado exclusivo, estaremos a caminho de superar o paradigma do trabalho de cuidado feminino não remunerado e a melhor dividir as responsabilidades com os filhos, contribuindo para a parentalidade responsável”.

Contemporaneidade

Cecília Nunes Barros entende que a decisão está alinhada ao Direito de Família contemporâneo, “que não pode mais dispensar a perspectiva de gênero”. O entendimento também contempla, segundo ela, a definição da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho de cuidado, que pode ou não ser remunerado, envolvendo atividades diretas, como alimentar um bebê ou cuidar de um doente, e as indiretas, como cozinhar ou limpar o ambiente.

“A inovação que podemos apontar é o reconhecimento de que o cuidado é um trabalho que possui uma forte dimensão emocional, se desenvolve na intimidade, mas não deixa de ser uma atividade econômica”, pontua

A advogada frisa que os impactos econômicos do cuidado exercido de forma exclusiva pelas mães são inegáveis. “A sobrecarga as impede, muitas vezes, de investir em sua educação e profissionalização, e de aceitar melhores empregos longe de sua eventual rede de apoio, vulnerabilizando ainda mais as famílias lideradas por mães solo. Isso porque, segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2017, a taxa de pobreza por família é maior entre as famílias compostas por mulheres sem cônjuge e com filhos.”

“É preciso que se consolide a compreensão de que o dever de cuidado com os filhos possui valor jurídico e econômico para estimular o equilíbrio do exercício da parentalidade entre pais e mães, diminuindo, assim, as assimetrias estruturais da sociedade, proporcionando um ambiente mais propício para o desenvolvimento das nossas crianças”, conclui a especialista.

Fonte: site IBDFAM.

TJSP autoriza venda de imóvel e fixa compensação a irmão que não usufruiu do bem

Em decisão unânime, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP autorizou a venda de imóvel usado por dois irmãos e determinou que o terceiro, que não usufrui do bem, receba indenização mensal de R$ 755,55. O colegiado manteve a sentença de origem por entender que a posse exclusiva gera dever de compensar financeiramente o coproprietário.

No caso dos autos, o autor entrou na Justiça para encerrar o condomínio e receber um valor mensal por estar impedido de usar um imóvel. Segundo ele, por decisão anterior, o bem pertence igualmente aos três irmãos, mas apenas os outros dois vivem no local e se recusavam a vendê-lo ou a pagar qualquer compensação.

Os irmãos contestaram sob o argumento de que não foram avisados da intenção de venda. Também questionaram os documentos apresentados para calcular o aluguel, alegando ausência de validade técnica e dados incorretos sobre um corretor de imóveis.

Ao avaliar a questão, a 6ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro aceitou o pedido para encerrar a divisão do imóvel, autorizou a venda e fixou o pagamento mensal de R$ 755,55, desde a citação, até que o imóvel seja vendido. O valor corresponde a 1/3 da média de aluguéis na região, segundo avaliações juntadas ao processo.

No julgamento do recurso, o relator destacou que os documentos apresentados foram suficientes para embasar a decisão e que não houve pedido fundamentado para realização de nova perícia. “A parte autora apresentou três avaliações realizadas por corretores e imobiliárias da região, apontando o valor médio de R$ 2.266,66 para imóveis semelhantes, sendo fixada a indenização mensal em R$ 755,55, correspondente à quota de 1/3 do autor.”

Ainda conforme o relator, nesses casos, o coproprietário que não utiliza o imóvel tem direito a ser compensado.”O direito à extinção do condomínio é potestativo, ou seja, não depende da concordância da parte contrária.”

Por fim, o desembargador acrescentou que o imóvel era indivisível e que os dois irmãos não demonstraram interesse em adquirir a parte do terceiro. “No caso concreto, o imóvel objeto da lide é indivisível, de tal sorte que, havendo discordância entre os condôminos quanto à sua destinação, impõe-se a sua alienação judicial, como corretamente determinado na sentença.”

Quanto ao valor da indenização, foi afastada a tese de que seria excessivo. “Não há elemento técnico ou fático que justifique a alteração do montante arbitrado, que se mostra razoável e proporcional, considerando os valores de mercado apresentados.”

Os honorários foram majorados para 20% sobre o valor da condenação, respeitada a gratuidade de Justiça concedida aos recorrentes.

Processo: 1038685-53.2023.8.26.0002.

Fonte: site IBDFAM.

Criança autista que caiu em vão de brinquedo inflável será indenizada

Mãe e filho autista serão indenizados em R$ 3 mil cada após a criança ficar pendurada de cabeça para baixo em vão de brinquedo inflável em shopping. A decisão é da juíza de Direito Renata Meirelles Pedreno, da 1ª vara Cível de Cotia/SP, que reconheceu falha na segurança e condenou solidariamente a empresa organizadora do evento, uma seguradora e o estabelecimento comercial.

O caso ocorreu quando o menino brincava no equipamento durante um evento. Segundo os autos, o brinquedo desinflou repentinamente, deixando a criança de cabeça para baixo em um vão sem proteção, situação que perdurou por cerca de seis minutos e exigiu atendimento hospitalar. A mãe também alegou ter sofrido abalo emocional ao presenciar a cena.

Criança autista que ficou pendurada de cabeça para baixo em brinquedo inflável e sua mãe serão indenizadas.
As empresas alegaram ilegitimidade passiva e ausência de responsabilidade, mas a magistrada aplicou o CDC, reconhecendo a responsabilidade objetiva do shopping e da empresa organizadora.

Para a juíza, “houve falha de segurança aos usuários do espaço infantil, fato que, por si só, configura defeituosa prestação dos serviços”. Ressaltou que havia um vão, ainda que pequeno, sem proteção, o que evidencia ausência de vistoria preventiva capaz de evitar o acidente.

A magistrada também reconheceu o dano moral em ricochete à mãe, destacando que a condição de neurodivergência do filho agravou o sofrimento.

“A angústia gerada na genitora ao ver seu filho preso no brinquedo inflável […] tem-se certeiro o sofrimento emocional a que também foi ela submetida em tal evento.”

Dessa forma, determinou que o shopping, a empresa organizadora do evento e a seguradora arcassem, de forma solidária, com o pagamento de R$ 3 mil a título de indenização por danos morais para cada vítima, acrescido de correção monetária e juros de mora conforme as regras dos arts. 389 e 406 do CC.

Processo:  1006884-91.2022.8.26.0152

Fonte: Migalhas.

STJ valida inclusão de crédito previdenciário na partilha e fixa pensão alimentícia para ex-esposa

Em uma ação de divórcio, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ determinou que devem ser incluídos os créditos de previdência pública recebidos pelo ex-marido durante o casamento e até a separação de fato, mesmo que a ex-esposa tenha feito esse pedido depois de já ter apresentado contestação no processo. A Corte também fixou pensão alimentícia em favor da mulher.

Segundo informações do STJ, os dois foram casados sob o regime de comunhão universal de bens por mais de 20 anos. O ex-marido ajuizou ação de divórcio com o pedido genérico de partilha do patrimônio. Logo após a audiência de instrução e julgamento, a ex-esposa requereu a inclusão de valores referentes ao pagamento atrasado de aposentadoria especial, reconhecida em ação previdenciária julgada procedente durante o divórcio.

O juízo decretou o divórcio e determinou a partilha dos bens do casal, condenando o autor ao pagamento de pensão alimentícia para a ex-mulher pelo prazo de dois anos. O Tribunal de segunda instância, porém, entendeu que o pedido de inclusão de valores referentes à aposentadoria especial do ex-marido na partilha não foi feito dentro do prazo e, além disso, não viu excepcionalidade que justificasse a pensão alimentícia.

No STJ, a ex-esposa sustentou que os créditos referentes à previdência foram concedidos durante o processo de divórcio e que o pedido de partilha foi feito na primeira oportunidade que teve de se manifestar. Ela afirmou, ainda, que existiriam motivos para o recebimento da pensão.

Voto da relatora

Ao analisar o caso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade do pedido genérico de partilha, pois “é possível que as partes não tenham acesso a todas as informações e documentos relativos a todos os bens individualmente considerados quando do ajuizamento da demanda”.

No entanto, ela advertiu que o pedido genérico é admitido apenas temporariamente e a quantificação dos bens deve ser feita em algum momento. Nesse sentido, enfatizou que o julgador deverá considerar os bens pertencentes ao patrimônio comum em todo o curso da demanda, não estando limitado aos bens listados na petição inicial.

A ministra observou que a legislação processual autoriza a inclusão de novos documentos. No entanto, apontou que a expressão “a qualquer tempo” do dispositivo não permite a juntada indiscriminada de documentos em qualquer fase e grau de jurisdição. Segundo afirmou a relatora, isso deve ser feito na “primeira oportunidade em que se puder falar do fato novo, desde que a prova esteja disponível à parte, ou no primeiro instante em que se possa opor às alegações da parte contrária”.

Para Andrighi, além de demonstrada a boa-fé da ex-esposa, não haveria razão para uma sobrepartilha, já que ainda não foi finalizado o próprio processo de divórcio. A relatora enfatizou também que a jurisprudência do STJ considera comunicáveis os créditos oriundos de previdência pública, ainda que recebidos após o divórcio, desde que concedidos na vigência do casamento.

Em relação aos alimentos entre ex-cônjuges, a ministra apontou que devem ser fixados por tempo necessário ao reingresso no mercado de trabalho para garantir a subsistência da parte até lá. No entanto, no caso em julgamento, ela verificou particularidades que justificam sua fixação por prazo indeterminado, pois a ex-esposa, “que abdicou de sua vida profissional para dedicar-se à vida doméstica, em benefício também do marido”, não exerce atividade remunerada há mais de 15 anos e está em tratamento de saúde.

O processo corre em segredo judicial.

Fonte: site IBDFAM.

Maioridade do filho não afasta prisão civil por dívida de pensão, decide STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou habeas corpus a um pai que acumula R$ 73,8 mil em dívidas de pensão alimentícia referentes ao período em que o alimentando ainda era adolescente. Para o colegiado, o fato de o filho já ter atingido a maioridade não afasta a possibilidade de prisão civil por dívida alimentar.

No pedido ao STJ, o pai alegou ausência de urgência no pagamento da dívida. Ele firmou acordo para quitar o valor de forma parcelada, mas foi alvo de execução pelo rito da prisão civil após atrasar três parcelas.

O tema dividiu a Terceira Turma do Tribunal. Por 3 votos a 2, a conclusão foi de que a prisão civil não pode ser afastada com base no argumento.

O ministro Moura Ribeiro, relator do caso, entendeu que não estavam presentes os requisitos para a manutenção da prisão civil, uma vez que o alimentando vinha recebendo pagamentos parciais. Segundo ele, a dívida poderia ser cobrada por meios menos graves, como a penhora, sem necessidade de recorrer à prisão. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou o voto.

A divergência foi inaugurada pela ministra Nancy Andrighi, para quem a presunção de necessidade dos alimentos permanece válida mesmo após o alimentando atingir a maioridade, o que, segundo ela, legitima o uso da prisão civil como forma de coação ao devedor.

A ministra destacou ainda que o acordo firmado entre as partes foi descumprido sem justificativa plausível. Nesse contexto, afirmou, afastar a prisão abriria um precedente perigoso, legitimando o inadimplemento por parte do genitor. Os ministros Humberto Martins e Daniela Teixeira acompanharam o voto.

Obrigação alimentar

O advogado e professor Conrado Paulino da Rosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, explica que o Código de Processo Civil – CPC não impede a possibilidade de cobrança da dívida alimentar com pedido de prisão civil, mesmo que o alimentando já tenha alcançado a maioridade.

O especialista destaca que, embora o STJ tenha proferido alguns julgados que admitem certa flexibilização – ao indicar outros meios de cobrança com base na ideia de que a prisão civil teria perdido sua atualidade –, essa não é uma orientação consolidada.

“Concordo com a manutenção da possibilidade de prisão civil, pois afastar essa medida unicamente em razão da maioridade do alimentando representa, a meu ver, um estímulo ao descumprimento da obrigação alimentar”, avalia.

Ele analisa que, na prática, as execuções de alimentos no Brasil, em sua maioria, acabam se tornando um verdadeiro calvário para o alimentando.

“Trata-se de processos longos e desgastantes, nos quais, em geral, recai sobre a mãe, responsável pelos cuidados diários da criança ou do adolescente, a difícil tarefa de encontrar alternativas para garantir a subsistência da família”, afirma.

Nesse contexto, segundo o advogado, quando o devedor de alimentos é localizado, “afastar a possibilidade de decretação da prisão, que possui caráter coercitivo e busca compelir o pagamento, seria uma forma de premiar o inadimplemento”.

Conrado Paulino da Rosa acrescenta ainda que o descumprimento das parcelas alimentares, mesmo que de forma parcial, pode, sim, justificar a cobrança com pedido de prisão civil.

“Não é necessário que haja o inadimplemento total, nem que se acumulem três parcelas para configurar a possibilidade de prisão. O não pagamento, ainda que de parte da obrigação, já permite o ajuizamento da medida”, diz.

HC 984.752

Por Guilherme Gomes

Fonte: site IBDFAM.

Justiça do Rio Grande do Sul autoriza adolescente a retomar sobrenome biológico após abandono em adoção

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS autorizou uma adolescente a retomar o sobrenome de origem biológica após sofrer abandono em duas tentativas frustradas de adoção. A decisão, proferida pela Vara dos Registros Públicos de Porto Alegre, atendeu a um pedido do Ministério Público – MP, que destacou o impacto emocional negativo da manutenção do sobrenome derivado da adoção.

Atualmente acolhida em uma instituição, a jovem manifestou, em audiência, o desejo de voltar a ser identificada pelo nome com o qual mantém vínculo afetivo, especialmente em razão da relação com o irmão biológico. O laudo psicológico anexado ao processo apontou sofrimento psíquico decorrente do nome adotivo, o que inviabiliza nova tentativa de adoção, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA.

Ao decidir pela retificação do registro civil, a Justiça gaúcha destacou que o direito ao nome está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana e à identidade pessoal.

A decisão reconheceu que, diante do abandono e da falta de vínculo afetivo com os adotantes, o sobrenome adquirido na adoção causava sofrimento e comprometia o bem-estar da adolescente. Por isso, foi autorizada a retomada do nome original de nascimento, mantendo-se inalteradas as demais informações do registro civil.

Fundamentação

A promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e responsável por ajuizar a ação, explica que o pedido de retificação do registro da jovem foi baseado em dois pilares fundamentais: o jurídico e o psicológico.

“Juridicamente, o direito ao nome é reconhecido como um direito da personalidade, conforme o artigo 16 do Código Civil, e está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, princípio constitucional previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA também reforça esse direito, especialmente nos artigos 3º, 4º, 15 e 17, que garantem proteção integral à identidade, autonomia e integridade psíquica e moral de crianças e adolescentes”, aponta.

Segundo a promotora, as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do TJRS reconhecem que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto, o que torna ele relativo “quando houver justo motivo, como nos casos de abandono ou sofrimento emocional”.

“No aspecto psicológico, o laudo técnico anexado aos autos indicou sofrimento psíquico significativo da adolescente, diretamente relacionado à manutenção do sobrenome da família adotiva, cuja relação foi desfeita por abandono. A adolescente demonstrou resistência à convivência familiar e apatia emocional, além de expressar reiteradamente o desejo de retomar seu sobrenome de nascimento, que representa vínculo afetivo com seu irmão biológico”, pontua.

Reparação

A promotora sustenta que a retificação do sobrenome contribui para o bem-estar emocional e fortalece a identidade da adolescente após as adoções frustradas, o que configura uma medida de reparação simbólica e concreta.

“Ao permitir que a adolescente retome seu sobrenome de nascimento, a Justiça reconhece sua história, seus vínculos afetivos legítimos e sua autonomia identitária. A medida reduz o sofrimento emocional, fortalece a autoestima, o senso de pertencimento e promove a saúde mental, ao validar sua vontade e alinhar sua identidade civil à sua realidade afetiva”, destaca.

A profissional avalia que a medida é relevante em contextos de acolhimento institucional uma vez que “a reconstrução da identidade é parte essencial do processo de proteção e desenvolvimento saudável”. Ela considera que a decisão pode abrir precedentes ou inspirar outras iniciativas do MP em situações semelhantes envolvendo crianças e adolescentes em acolhimento institucional.

“Embora cada caso deva ser analisado individualmente, a decisão reforça a possibilidade de atuação proativa do Ministério Público na defesa dos direitos de personalidade de crianças e adolescentes acolhidos. E demonstra que o sistema jurídico se mostra sensível às demandas afetivas e identitárias dos incapazes”, comenta.

Cinara Dutra observa também que a retificação do nome pode ser uma ferramenta legítima de proteção e promoção da dignidade.

“Há espaço para iniciativas semelhantes, especialmente quando há laudos técnicos que evidenciem sofrimento psíquico e vínculos afetivos relevantes. Essa atuação pode inspirar políticas públicas e práticas institucionais mais sensíveis à subjetividade dos acolhidos, fortalecendo o papel do Ministério Público como garantidor dos direitos fundamentais da infância e juventude”, afirma.

Fonte: site IBDFAM

Plano pagará materiais após autorizar cirurgia completa e voltar atrás

Após cirurgia autorizada pelo convênio, beneficiária foi surpreendida com a cobrança de R$ 46 mil pelo hospital.

A juíza de Direito Marian Najjar Abdo, da 4ª vara Cível de Santo Amaro/SP, declarou a inexigibilidade de débito cobrado a beneficiária por hospital particular, condenando seguradora a pagar a dívida diretamente à unidade.

Na decisão, a magistrada entendeu que houve conduta contraditória por parte da operadora, que inicialmente autorizou a internação e o procedimento cirúrgico e, posteriormente, negou o custeio dos materiais utilizados.

A beneficiária relatou que foi submetida ao procedimento cirúrgico no hospital da rede conveniada, com autorização expressa do plano de saúde. No entanto, após a cirurgia, foi surpreendida com a cobrança de R$ 46 mil pelo hospital, correspondente ao uso de materiais que teriam sido excluídos da cobertura pela operadora.

Em defesa, a seguradora alegou que o contrato não era adaptado à lei dos planos de saúde (9.656/98) e que a negativa de custeio ocorreu de forma legítima, com base em revisão fundamentada. O hospital, por sua vez, argumentou que a cobrança se deu de forma regular, diante da recusa da operadora.

Ao analisar o caso, a magistrada afirmou que, embora o contrato da paciente não estivesse adaptado à legislação vigente, isso não afasta a aplicação do CDC.

“Agrava-se a situação quando sopesado que a negativa se deu em comportamento contraditório por parte da operadora de plano de saúde, levando em conta que ela inicialmente autorizou sem ressalvas os procedimentos e os materiais e, concluída a cirurgia, reverteu seu posicionamento”, acrescentou.

Destacou ainda que os materiais cobrados eram indispensáveis à realização do procedimento.

Segundo a juíza, “não cabe à corré estabelecer os moldes do tratamento que deve ser realizado”, especialmente quando se trata de insumos essenciais à cirurgia, prescritos por médico responsável.

Diante disso, condenou a operadora ao pagamento dos valores.

O escritório Lopes & Giorno Advogados atua pela beneficiária.

Processo: 1038247-53.2025.8.26.0100
O processo tramita em segredo de Justiça.

Fonte: site Migalhas

Plano deve custear exame genético para investigar autismo em criança

A juíza de Direito Adriana Brandão de Barros Correia, da 1ª Vara Cível de Recife/PE, concedeu liminar determinando que uma operadora de saúde autorize e custeie, no prazo de cinco dias, a realização do exame CGH-Array, prescrito para uma criança de três anos com indícios de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A magistrada considerou que o exame é essencial para o diagnóstico e tratamento da criança, mesmo não estando previsto no rol da ANS. Segundo ela, o rol tem caráter meramente exemplificativo, conforme entendimento consolidado pelo STJ (Tema 1.069), e não pode ser utilizado como justificativa para recusa de cobertura de procedimento prescrito por médico assistente.

A ação foi ajuizada pela mãe da criança, após a operadora do plano de saúde negar a cobertura do exame sob a alegação de ausência contratual e de que o procedimento não está incluído no rol da ANS.

O exame CGH-Array permite o mapeamento de alterações cromossômicas com alta resolução, sendo indicado especialmente na investigação de síndromes genéticas ligadas a quadros clínicos complexos. Segundo o relatório médico, o exame é necessário com urgência para possibilitar um diagnóstico mais preciso e, a partir dele, um plano terapêutico eficaz e personalizado. A criança necessita de intervenção precoce e acompanhamento contínuo por equipe multidisciplinar.

A juíza concluiu que a documentação apresentada demonstra a probabilidade do direito e o risco de dano grave e irreparável à saúde da criança caso o exame não seja realizado com urgência. Por isso, determinou o custeio integral do exame no prazo de cinco dias, sob pena de bloqueio judicial do valor correspondente.

Fonte: site Migalhas

TJ/SP autoriza filha a excluir sobrenome paterno por abandono afetivo

Para o Tribunal, a manutenção do sobrenome causava constrangimento e sofrimento psicológico à filha, o que justifica a retificação do registro civil.

Por unanimidade, a 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP autorizou a retificação do registro civil de uma mulher que solicitou a exclusão do sobrenome do pai, alegando abandono afetivo e material. 

Embora tenha mantido o indeferimento do pedido de desconstituição da filiação, o colegiado reconheceu o direito à supressão do patronímico paterno por entender que a permanência do nome causava constrangimento e sofrimento psicológico, circunstâncias consideradas suficientes para a alteração.

A filha ajuizou ação de desconstituição de filiação com retificação de registro civil pois alegou que foi vítima de abandono afetivo e material por parte do pai biológico e que, por isso, pretendia tanto retirar seu nome do campo de filiação quanto suprimir o sobrenome paterno de seus documentos oficiais.

O juízo da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo/SP julgou improcedentes os pedidos. Entendeu que não havia elementos que justificassem a desconstituição da filiação nem a alteração do registro civil, por ausência de erro ou falsidade no assento de nascimento.

Diante da decisão, a autora apelou ao TJ/SP reiterando que os fatos narrados configuravam justo motivo para a exclusão do sobrenome do pai, em razão do abandono vivenciado durante a infância e adolescência.

Sofrimento psíquico

Ao analisar o recurso, o relator, desembargador Giffoni Ferreira, reconheceu a impossibilidade de desconstituição da filiação, com base no artigo 1.604 do CC, que só admite alteração do estado de filiação em caso de erro ou falsidade, o que não se observou no caso concreto.

No entanto, destacou que é admitida a retirada do patronímico paterno quando comprovado o abandono afetivo e material, especialmente se a manutenção do sobrenome acarreta sofrimento psicológico aos filhos.

“A pretensão é admitida em casos de abandono afetivo e material pelo genitor, e quando a manutenção causa constrangimento e sofrimento psicológico, conforme jurisprudência do STJ. (…) No presente caso, tem-se que tais circunstâncias foram devidamente comprovadas, de modo que o acatamento desse pedido fora mesmo de rigor.”

Com base nesse entendimento, o colegiado reformou parcialmente a sentença para reconhecer o direito da apelante à exclusão do sobrenome do pai, determinando a expedição de mandado para retificação do registro civil.

A decisão foi unânime.

Processo: 1000199-64.2021.8.26.0100

Fonte: site Migalhas