Categoria: Notícia

Juíza aumenta pensão de pai no exterior: “paternar à distância é fácil”

Genitor que se mudou para o exterior e teve aumento significativo de renda deverá pagar um valor maior de pensão alimentícia. Decisão liminar foi proferida pela juíza de Direito Jacqueline Bervian, da 1ª vara Cível de São Leopoldo/RS, com base no Protocolo Para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Ela entendeu que, com a mudança de país do genitor, a mãe assumiu integralmente a responsabilidade pelo filho.

Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ

É um documento que orienta os magistrados e magistradas a considerarem questões de gênero ao proferirem suas decisões. Ele visa garantir que o Judiciário leve em conta as desigualdades de gênero existentes na sociedade, promovendo julgamentos mais justos e equitativos.

No caso, a mãe da criança pediu a majoração da pensão alimentícia determinada em 2020, de 1,7 salários-mínimos – aproximadamente R$ 2,4 mil – para R$ 5 mil.

Ela argumentou que o genitor mudou-se para a Alemanha, onde passou a auferir renda maior do que à do Brasil, recebendo, atualmente, em torno de R$ 29 mil como Front End Developer.

Front End Developer

Trata-se de profissional de tecnologia da informação especializado no desenvolvimento da interface de usuário (UI) de aplicações e websites. Esse desenvolvedor trabalha com a parte visual e interativa dos projetos, garantindo que os usuários tenham uma experiência agradável e funcional ao interagir com a aplicação. 

Paternar à distância

Ao analisar a ação, a juíza destacou que, para revisão da obrigação alimentar, é necessária a demonstração da alteração do binômio necessidade x possibilidade. Para ela, foi demonstrada a modificação na capacidade financeira do genitor e na necessidade e do alimentado, agora com 8 anos.

A juíza mencionou o Protocolo Para Julgamento Com Perspectiva de Gênero do CNJ, que reconhece a sobrecarga das mulheres nas tarefas de cuidado não remuneradas. A mãe assumiu integralmente a responsabilidade pelo filho após a mudança do pai para o exterior, o que acarretou aumento das despesas com a criança.

“Observa-se, ainda, que ao pai foi possível alterar de país, almejar maiores rendimentos, especializar-se e realizar-se profissionalmente na área escolhida. Isento de maiores responsabilidades com o cuidado diário de uma criança, tarefa que relegou exclusivamente à figura feminina que, inadvertidamente, exerce o maternar solo 24 horas por dia, privada de sonhar os mesmos sonhos. Paternar à distância certamente é mais fácil e mais barato. Nada mais justo, diante desse cenário de sobrecarga feminina, que a compensação financeira acompanhe essa realidade. A majoração dos alimentos é necessária, justa e impositiva”, destacou.

Assim, deferiu parcialmente a tutela de urgência, majorando a pensão alimentícia para 2,3 salários mínimos nacionais, aproximadamente R$ 3,2 mil.  A decisão também previu a possibilidade de reapreciação do valor pretendido após a apresentação da defesa do genitor ou de novos elementos de prova.

O réu, domiciliado no exterior, será citado de forma remota, via WhatsApp, visando reduzir custos e agilizar o processo. Caso a citação seja exitosa, o processo será encaminhado ao CEJUSC para mediação virtual.

A advogada Ananda Stein representa a genitora

Fonte: site Migalhas

TJSP reduz alimentos de primogênita para garantir sustento de nova família

A Justiça de São Paulo reduziu a pensão alimentícia paga por um pai à filha primogênita para garantir o sustento de outros quatro filhos, oriundos de uma nova família. A decisão da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP considerou que a situação econômica precária do genitor foi comprovada por estudo social.

A ação revisional de alimentos foi ajuizada pelo genitor sob o argumento de que a sua situação financeira familiar teria se agravado desde a fixação dos alimentos para a primogênita. Na ação, ele alegou ser o único provedor de sua família, composta por sua esposa e quatro filhos, e que sua renda mensal, pouco superior a um salário mínimo, não é suficiente para sustentar todas as crianças.

O pedido foi negado na origem. Na apelação, o genitor defendeu que a primogênita não deveria receber alimentos superiores aos dos outros filhos.

Ao avaliar o caso, o TJSP ponderou que a constituição de nova prole, por si só, não justifica a redução dos alimentos, pois isso poderia incentivar a paternidade irresponsável. Apesar disso, o colegiado destacou que um estudo social confirmou a difícil situação econômica do genitor, demonstrando que a família depende de auxílio federal para complementar a renda.

Segundo o relator, a manutenção dos alimentos nos patamares anteriores poderia comprometer gravemente o sustento do apelante e de sua nova família. Assim, e em respeito ao binômio necessidade x possibilidade, a pensão foi reduzida para 20% dos rendimentos líquidos, ou 20% do salário mínimo na hipótese de trabalho informal, ou desemprego.

Processo: 1007156-51.2023.8.26.0637.

Alimentos

De acordo com o jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a tendência é não reduzir o valor dos alimentos se a pessoa tem outros filhos. No caso, porém, a redução considerou a situação precária do autor.

“Ele se encontrava em uma situação econômico-financeira muito debilitada, inclusive desempregado e tendo que buscar um novo emprego”, comenta.

O estudo social, segundo o jurista, foi fundamental para a decisão. “Não é fácil reduzir os alimentos ou revisar alimentos pela circunstância de que novos filhos surgiram na vida do indivíduo.”

“A jurisprudência e a doutrina entendem que se alguém planeja ter outros filhos, é porque tem consciência de que pode manter estes novos filhos, sem prejuízo dos alimentos já comprometidos com filhos de outro relacionamento”, pondera o especialista.

O jurista ainda destaca a importância da responsabilidade parental. “Tudo o que fazemos na vida precisa ser planejado.”

“Ter filhos é ter a responsabilidade de sustentá-los, e o nosso orçamento deve permitir que estes filhos possam ser sustentados, inclusive em tempos de crise. Esta é a verdadeira responsabilidade parental”, frisa Rolf.

O diretor nacional do IBDFAM reconhece que os pais têm a obrigação de sustento e custeio das necessidades dos filhos. “Não há como ser diferente e este julgado é exatamente um exemplo muito claro de como esta responsabilidade se impõe na vida de cada genitor, e me refiro aqui a ambos os genitores.”

Fonte: site IBDFAM

STJ fixa prazo de prescrição da petição de herança; ação não é interrompida por investigação de paternidade

Recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu, sob o rito dos recursos repetitivos, que o prazo para a pessoa entrar na Justiça pedindo sua parte na herança começa a contar a partir da abertura da sucessão – ou seja, na data da morte do suposto pai –, e não no dia em que foi concluído o processo que reconheceu a pessoa como filha do falecido.

A tese fixada, por unanimidade, é de que o “prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, cuja fluência não é impedida, suspensa ou interrompida pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de filiação, independentemente do seu trânsito em julgado”.

Com esse entendimento, poderão voltar a tramitar os processos que estavam suspensos à espera do julgamento do tema repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

“A decisão traz estabilidade a essa matéria, pois o entendimento anterior do STJ gerava insegurança nas relações sociais”, avalia o advogado Conrado Paulino da Rosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS.

Para ele, a decisão apresenta uma solução mais adequada para a questão. “Se o início do prazo prescricional fosse condicionado ao julgamento procedente de uma ação de investigação de paternidade, haveria o risco de, muitos anos após a morte de alguém, surgir a existência de um novo filho que, após a procedência da demanda, ainda teria dez anos para ajuizar a ação de petição de herança”, explica.

O advogado destaca que tal posicionamento está presente no anteprojeto apresentado ao Senado pela Comissão de Juristas criada para discutir a reforma do Código Civil, que inclui membros do IBDFAM.

“A decisão do STJ traz maior segurança a todos aqueles que já receberam algum direito hereditário, garantindo que, em qualquer caso, o prazo para que qualquer interessado possa reivindicar direitos é de dez anos a contar da morte, sem possibilidade de flexibilização desse prazo”, conclui.

Entenda a questão

Na questão julgada pelo STJ, cadastrada como Tema 1.200, foram selecionados recursos de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze. A controvérsia estava em definir se o prazo seria contado a partir da abertura da sucessão ou após o trânsito em julgado da ação que reconheceu o estado de filiação.

Bellizze observou que, até 2022, as duas turmas de direito privado do STJ discordavam a respeito de qual seria o termo inicial do prazo prescricional da pretensão de petição de herança: enquanto a Terceira Turma considerava a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, a Quarta Turma entendia que o prazo começava na abertura da sucessão, ou seja, quando surge para o herdeiro o direito de reivindicar seus direitos sucessórios.

De acordo com o ministro, em outubro de 2022, ao julgar embargos de divergência que tramitaram em segredo de justiça, a Segunda Seção pacificou a questão ao decidir que a contagem do prazo deve ser iniciada na abertura da sucessão, aplicando-se a vertente objetiva do princípio da actio nata, que é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no artigo 189 do Código Civil.

“A teoria da actio nata em sua vertente subjetiva tem aplicação em situações absolutamente excepcionais, apresentando-se, pois, descabida sua adoção no caso da pretensão de petição de herança, em atenção, notadamente, às regras sucessórias postas”, disse Bellizze.

O ministro também destacou que, conforme o artigo 1.784 do Código Civil, ao ser aberta a sucessão, a herança se transmite desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários.

Segundo o relator, o pretenso herdeiro poderá, independentemente do reconhecimento oficial dessa condição, reclamar seus direitos hereditários por um desses caminhos: propor ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança; propor, concomitantemente, mas em processos distintos, ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança, caso em que ambas poderão tramitar simultaneamente, ou se poderá suspender a petição de herança até o julgamento da investigatória; e propor ação de petição de herança, dentro da qual deverão ser discutidas a paternidade e a violação do direito hereditário.

Nesse contexto – concluiu o ministro –, é “completamente infundada” a alegação de que o direito de reivindicar a herança só surgiria a partir da decisão judicial que reconhece a condição de herdeiro.

REsp 2.029.809-MG

Fonte: site IBDFAM

Decisão do TJPR valida contrato de namoro e nega união estável

Em decisão unânime, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR considerou válido um contrato de namoro e recusou o pedido de reconhecimento de união estável feito por uma das partes após o fim do relacionamento.

No caso dos autos, apesar de ter feito o contrato de namoro, uma das partes solicitou judicialmente o reconhecimento de união estável após o término da relação. A parte alegou vulnerabilidade econômica e pediu que o contrato de namoro fosse considerado inválido.

Conforme o entendimento do colegiado, porém, as provas testemunhais comprovam o namoro e não uma união estável. A 11ª Câmara Cível do TJPR destacou que o contrato de namoro não necessita ser celebrado por instrumento público, a não ser que precise ser validado para terceiros.

A decisão também considerou o fato de que o casal teve períodos de afastamento, o que demonstrava a ausência do requisito legal da convivência duradoura. Segundo o relator do acórdão a relação das partes não se configurou integralmente em união estável, pela ausência dos requisitos legais, prevalecendo o contrato firmado entre as partes.

O caso tramita sob segredo de justiça.

A jurisprudência do STJ prevê que a principal diferença entre a união estável e o “namoro qualificado” é a abrangência. A estabilidade na união estável deve estar presente durante toda a convivência, com o efetivo compartilhamento de vidas, irrestrito apoio moral e material entre os companheiros e o objetivo de constituir família. Já com o contrato de namoro, o casal escolhe não ter as obrigações legais, como a partilha de bens.

Processo: 0002492-04.2019.8.16.0187.

Recorde

De acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil – CNB, em 2023 houve um recorde no número de contratos de namoro no país: 126 registros –  um aumento de 35% em relação a 2022. Já neste ano, apenas nos cinco primeiros meses, 44 casais assinaram contratos de namoro no Brasil.

Conforme o levantamento, julho é o mês com maior adesão: no ano passado, 63 contratos foram logo após o Dia dos Namorados. A advogada Marília Pedroso Xavier, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atribui o aumento dos dados ao significativo número de produções de conteúdo sobre o tema, como textos informativos, reportagens e palestras.

Fonte: IBDFAM

Retrocesso: Câmara aprova urgência para PL que equipara aborto legal a homicídio

A Câmara dos Deputados aprovou, nessa quarta-feira (12), em questão de segundos, o requerimento de urgência do Projeto de Lei 1904/2024, que equipara abortos após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. Com a aprovação, a proposta não precisa mais passar por comissões temáticas da Câmara e segue para o Plenário.

O texto, assinado por 32 deputados e defendido pela bancada evangélica da Casa Legislativa, impõe restrições mesmo quando a gravidez for decorrente de estupro. O projeto pretende alterar os artigos 124 (aborto autogestionado ou consentir que outra pessoa o faça), 125 (provocar aborto sem consentimento) e 126 (provocar aborto com consentimento) do Código Penal.

O PL estabelece a aplicação de pena de homicídio simples nos casos em que a gestante: provoque o aborto em si mesma ou consente que outra pessoa lhe provoque (a pena passa de prisão de 1 a 3 anos para 6 a 20 anos); tenha o aborto provocado por terceiro com ou sem o seu consentimento (a pena para quem realizar o procedimento com o consentimento da gestante passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, mesma pena para quem realizar o aborto sem consentimentos, hoje fixada de 3 a 10 anos).

A Casa Legislativa abriu enquete para avaliar a opinião popular sobre a proposta. Até a manhã desta quinta-feira (12), 76% dos participantes da pesquisa discordam totalmente do texto. Interessados podem votar neste link.

Um dos autores, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirma que o requerimento de urgência é uma reação ao voto favorável da então ministra do Supremo Tribunal Federal – STF, Rosa Weber, na ADPF 442, que prevê a descriminalização do aborto em todos os casos até a 12ª semana de gestação. O julgamento está paralisado após pedido do ministro Luís Roberto Barroso e não há previsão de retomada, até o momento.

No mês passado, a resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM, que proíbe a assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro, foi suspensa, de forma liminar, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

A medida atendeu a um pedido feito pelo PSOL, que busca a declaração de inconstitucionalidade da resolução do CFM, que proíbe a utilização da assistolia fetal exclusivamente nos casos de aborto decorrente de estupro. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado adequado ao aborto.

Violência

A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, afirma que a proposta deve afetar mulheres ao longo de seu ciclo de vida. “As referências às gestantes incluem também as meninas, as maiores vítimas de estupro em nosso país.”

“Esta violência assume múltiplas formas, incluindo atos ou omissões destinados ou susceptíveis de causar ou resultar em morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico ou econômico para as mulheres, ameaças de tais atos, assédio, coerção e privação arbitrária de sua autonomia”, aponta.

Adélia cita dados do Fórum de Seguranca Publica: em 2019, foram registrados 66.348 casos de estupro e estupro de vulnerável – um estupro a cada 8 minutos. Desses, 70% ocorreram na própria residência da mulher e  58,8% das vítimas tinham no máximo 13 anos.

Segundo a professora, essa é apenas a “ponta do iceberg”, tendo em vista que a pandemia da Covid-19 ampliou a vulnerabilidade e revelou fragilidades. “O Brasil é o epicentro do mundo em morte materna e essa gestante que morre tem cor e classe social – uma junção de vulnerabilidades.”

A especialista destaca que “a criminalização/penalização, por homicídio de um feto, da mulher que consente o aborto não tem nenhuma justificativa legítima”. Além disso, acrescenta Adélia, o texto representa uma “desproporcionalidade monstruosa”.

Ela explica: “O infanticídio, tipificado no artigo 123 do Código Penal como matar o próprio filho já nascido, sob a influência do estado puerperal, tem a pena de detenção, de dois a seis anos, enquanto o homicídio simples tem pena de reclusão de 6 a 20 anos”.

“A pena no caso de aborto não atende às finalidades de prevenção geral nem especial, só servindo como castigo para a mulher, especialmente se for pobre e negra, pois havendo a negação de atendimento nos serviços públicos, a mulher estuprada, sem assistência alguma, irá procurar realizar seu intento de maneira clandestina e insegura, com riscos de sequelas inimagináveis”, observa Adélia.

Legislação

No Brasil, o aborto é crime. Há três situações, porém, nas quais a prática é permitida: anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto; gravidez que coloca em risco a vida da gestante e gravidez que resulta de estupro.

Para todos os casos, é necessário “comprovar” a situação, seja por meio de laudos médicos e/ou Boletim de Ocorrência.

Ao G1, o presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB-SP, Henderson Fürst, explicou que as vítimas de estupro não esperam passar as 22 semanas de gestação por “capricho”.

“Existem diversos motivos que podem levar a essa procura tardia. 70% dos casos de estupro de meninas no Brasil acontecem dentro de casa, com pessoas conhecidas ou mesmo familiares sendo os agressores. A família demora para descobrir e quando descobre, fica no dilema de denunciar ou não. Aí o tempo passa, não existe um serviço próximo, é necessário viajar, mas não tem dinheiro para arcar. São incontáveis barreiras”, afirmou o especialista.

Por Débora Anunciação

Fonte: site IBDFAM

Mães buscam registro de dupla maternidade há dois anos; STJ julga caso de inseminação caseira

Júlia tem quase dois anos e duas mães, mas apenas uma delas consta em seu registro de nascimento. Há dois anos, a atriz e produtora Sheila Donio e a cantora e musicista Simone Mello buscam na Justiça o direito de registrar a dupla maternidade da filha, e o caso será analisado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.

É a primeira vez que o STJ deve se manifestar sobre a negativa de registro de filiação por inseminação caseira. O recurso especial foi distribuído à Terceira Turma do STJ, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, e aguarda pauta para julgamento.

O caso contou com atuação da advogada Ana Carolina dos Santos Mendonça (@prof.carolinamendonca), membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.  Ela conta que foi procurada pelo casal antes mesmo da gravidez.

O objetivo do casal era compreender o processo judicial. “Elas já viviam em união homoafetiva registrada por escritura pública desde 2018, e tinham o sonho da maternidade conjunta, que foi realizado com muito planejamento, afeto e dedicação.”

Sheila Donio conta que elas se conheceram em 2018, em um curso de teatro, em Curitiba. Na época, Simone Mello já  era  mãe  de  Lucas,  hoje  com  quase  27  anos,  e  Samuel,  com  24. 

“Logo que começamos  a  namorar,  Simone  começou  a  vir  para  São  Paulo  e  ficar  um  pouco  aqui,  um  pouco  em  Curitiba. Em  dezembro  de  2018, ela  se  mudou  em  definitivo  para  São  Paulo e registramos união estável para ter maior segurança de que a nossa família fosse reconhecida”, lembra Sheila, hoje com 41 anos. Simone tem 51.

Simone conta que sempre quiseram ter filhos juntas, motivo pelo qual analisaram as opções disponíveis. “O que  fazia mais  sentido  para  nós  era  a  autoinseminação,  popularmente  chamada  de inseminação  caseira.  Seja  por  falta  de  condições  financeiras  para  buscar  uma  clínica, seja  pela  idade  avançada,  que  não  permite  esperar  a  fila  do  Sistema Único de Saúde – SUS, esse é um caminho comum para muitas famílias.”

O pré-natal, segundo Sheila, foi  tranquilo  e  intenso. “Juntamos a  documentação  necessária  para  solicitar  a autorização  de  registro  da  dupla  maternidade ainda  antes do nascimento,  enquanto éramos  acolhidas  pela  equipe  escolhida  por  nós  duas,  a  dedo,  para  que  nossa  filha nascesse  em  um  parto  domiciliar  planejado,  com  saúde  e  segurança. E  assim  foi.”

“Em  25 de  julho  de  2022,  a  Júlia  nasceu  nos  braços  da  Simone,  no  aconchego  do  nosso  lar.  Como recomendado,  ela  mamou  nas  duas  mães  logo  na  primeira  hora  de  vida.  E  nesses  quase dois anos ela segue sendo cuidada e educada pelas duas mães, sem distinção”, relembra Sheila.

Desigualdade

O pedido de alvará judicial pela autorização do registro de dupla maternidade foi ajuizado no Fórum Regional de Jabaquara, em São Paulo, um mês antes do nascimento da bebê. A ação incluiu um pedido expresso de utilização, por analogia, do Provimento 63 do CNJ vigente à época, afastando entretanto, a exigência do documento emitido pelo diretor da clínica, inexistente em casos de inseminação caseira.

As mais de 50 sentenças procedentes anexadas ao caso, de processos nos quais Ana Carolina dos Santos Mendonça atuou em mais de quatro anos, no entanto, não foram suficientes para garantir a viabilidade do pedido na origem.

Na visão da advogada, o motivo é o preconceito e a desigualdade de tratamento contra  famílias LGBTs e a inseminação caseira – “realidades presentes e constantes em diversos julgados”. “Se não fosse assim, não teria qualquer cabimento uma decisão que nega um pedido, pela ausência de um documento, cuja ação foi ajuizada justamente para se suprimir a exigência.”

A sentença julgou o feito improcedente sob o argumento de não atenção aos documentos exigidos pelo Provimento 63 do CNJ, especificamente por ausência de declaração da clínica atestando o procedimento e os beneficiários. Conforme a sentença: “(…) Ainda que assim não fosse, as autoras confirmam a adoção de método informal de inseminação (autoinseminação – inseminação caseira) o que não atende ao regramento do artigo 17, inciso II. Assim, não tendo as autoras se desincumbido do ônus probatório quanto ao fato constitutivo do direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, tampouco observado ao regramento vigente para utilização das técnicas de reprodução assistida, não é possível se reconhecer a pretensão aqui deduzida”.

“Foram então opostos embargos de declaração informando o nascimento com vida, os quais foram rejeitados, com o argumento de que ainda que tivesse ocorrido o nascimento com vida, o procedimento não atendia à exigência do inciso II, artigo 17, do à época vigente Provimento 63 do CNJ”, pontua a advogada.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. Para o colegiado, “o procedimento caseiro não regulamentado no ordenamento pátrio impede o acolhimento da pretensão inicial”.

Atualmente, tramita no CNJ um pedido de providências protocolado pelo IBDFAM pela revogação do artigo acima citado. O Instituto defende que a exigência, além de custosa, limita o exercício da cidadania e é discriminatória, pois desconsidera a inseminação caseira. Saiba mais.

Ana Carolina entende que o julgamento do tema pelo STJ “representa uma esperança para que outras famílias possam seguir exercendo o seu direito ao livre planejamento familiar, sem medo do destino e incerteza do processo judicial e de como se dará o exercício de seus direitos, e sem medo da invisibilidade e de marginalização de sua maternidade”.

Incerteza

De acordo com Sheila, a falta do documento  impacta  a  rotina  da família, que vive aflita,  angustiada, e sempre à espera do próximo constrangimento. “A  Simone  não  pode  sair  com tranquilidade sozinha com a Júlia.”

“Eu  não  posso  viajar  a trabalho  e  deixar  as  duas  sozinhas.  Isso  porque,  se  acontecer  alguma  coisa,  a  Júlia  não tem  nenhum  registro  dessa  mãe  na  certidão  dela”, diz.

A produtora acrescenta que a esposa não  pode  responder  pela filha  em  hospital,  escola,  viagens,  e  tantas  outras  situações. Além disso, a filha “não  tem  seu sobrenome  completo  no  seu  documento,  nem  o  nome  de  uma  de  suas  mães,  nem  o nome  de  dois de seus avós”.

“São  quase  dois  anos  que  vivemos  desamparadas  pela  lei,  mesmo  tendo  buscado  o  Poder Judiciário  antes  mesmo  da  Júlia  nascer.  Tivemos  nosso  direito  negado  repetidas  vezes.  É  revoltante  que,  em  2024,  ainda  estejamos  expostas a  tamanha  injustiça  e  invisibilidade”, observa.

A falta do registro, segundo a advogada do casal, impede a integralidade dos direitos.  “Júlia tem duas mães, mas uma delas não aparece em sua certidão de nascimento e assim não pode por ela responder; Júlia tem quatro avós, mas apenas dois aparecem em sua certidão; Júlia tem dois irmãos e não usufrui do direito ao mesmo sobrenome e ao vínculo deste parentesco; Simone, por sua vez, não responde pela filha e Sheila não pode partilhar com a companheira as responsabilidades legais da prole comum.”

Integralidade de direitos

A expectativa de Ana Carolina Mendonça é que o STJ afaste de vez toda a carga de julgamento moral que recai sobre o tema e promova uma análise justa do direito posto. “Não há uma linha em nosso ordenamento jurídico que proíba ou criminalize a inseminação caseira.”

“A concepção de Júlia se deu no curso da união homoafetiva vivenciada pelo casal. A filiação de Júlia é presumida, seja pela concepção no curso de união homoafetiva, seja pelo planejamento comum ao casal. Se na fecundação heteróloga realizada por casais heterossexuais, na constância do casamento, aplica-se a presunção de filiação, a mesma lógica deve ser estendida ao casal LGBT, sob pena de se outorgar tratamento discriminatório e desigual”, pondera a advogada.

O casal espera, com o julgamento, exercer a maternidade em sua plenitude. “Estamos  pedindo  apenas  os  mesmos direitos  de  tantos  outros  casais  que  registram  seus  filhos:  direito  de  criar  a  Júlia  em segurança,  de  sermos  identificadas  como  mães  dela  em qualquer situação.  Nada, além disso”, diz Simone Mello.

“Não  fizemos  nada  ilegal ou errado,  pelo  contrário,  fizemos  o  que  tantos  casais  fazem. Portanto, contamos com a Justiça para nos reconhecer e nos amparar”, antecipa Simone.

Fonte: site IBDFAM

Famílias multiespécies: tutores podem incluir sobrenome da família em pets

Enquanto no ordenamento jurídico tem sido comum a divergência de decisões sobre o reconhecimento das famílias multiespécies, “pais” e “mães” de pets podem utilizar a via extrajudicial para oficializar a relação de afeto com seus animais de estimação. A possibilidade, garantida pela emissão da “Declaração de Guarda de Animal”, pode ser feita em qualquer Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do IBDFAM, a registradora Márcia Fidelis Lima explica que o documento garante segurança jurídica. “Esse documento poderá dispor das informações que o guardião achar relevantes sobre seu vínculo com o animal, desde que não fira a ordem pública brasileira.”

O registro inclui, de forma mais recorrente, a descrição do animal, como espécie, raça, porte, cor da pelagem, data e local de nascimento e nome. Também é possível incluir os nomes e características dos ascendentes, históricos de cirurgias e doenças relevantes, além do número de chip de identificação. “Sobre os guardiões, normalmente se menciona a qualificação.”

“Quanto à possibilidade de acréscimo de sobrenomes, ao encontro do sentimento de muitas pessoas de que seu pet é membro da sua família, nada mais desejável e compreensível que se queira dar a ele o sobrenome que, de acordo com a nossa cultura, identifica a família. É notório que esse nome não tem as características do nome da pessoa humana, atributo que é da sua personalidade jurídica. Trata-se de uma homenagem que objetiva dar publicidade à relação sentimental que se tem entre o guardião e seu estimado animalzinho”, observa Márcia.

A especialista complementa: “À medida que nosso ordenamento jurídico caminha no sentido de se considerar que animais não humanos são também sujeitos de direito, ainda que sem personalidade jurídica, a tendência é que seu nome passe a ter características de meio de identificação, com caráter de relevante juridicidade”.

“A vida real está sempre na vanguarda, mas o direito vem à reboque”, conclui a registradora.

Registro

Vanuza Arruda, registradora de Títulos e Documentos em Minas Gerais e vice-presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do IBDFAM, é tutora de “Hulk Arruda”. O cachorro carrega o sobrenome dela e do filho na Declaração de Guarda de Animal.

A registradora explica que também é possível definir, no documento, a guarda em caso de divórcio. “Isso ajuda muito no momento da separação, pois já vi muitos casos de casais que brigaram na justiça para saber quem ficaria com a guarda do animal doméstico.”

De acordo com Vanuza Arruda, a porcentagem de divórcios nos quais se discute a guarda do animal está em alta. “É muito comum que casais que estão namorando e querem dar um próximo passo, resolvam ter um pet em comum para cuidar e começar a constituir uma família. Já nesse momento, se forem registrar a guarda desse animal, eles terão um campo em que poderão declarar quem ficará com a guarda, ou se ela será compartilhada, em caso de separação.”

Com o documento, acrescenta a registradora, “podem ser evitados vários litígios, tanto na justiça quanto nas salas de mediação. “Há casos de mediação familiar para discutir a guarda de animais de estimação”.

A especialista explica que o registro não se restringe aos animais domésticos. É possível que se registre, inclusive, animais silvestres – desde que seja apresentada uma autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. “Não se pode declarar guarda irregular.”

Facilidade

O procedimento para o registro, segundo Vanuza Arruda, é simples e rápido. “Pode ser inserida, inclusive, uma foto do animal, para facilitar a identificação em caso de perda ou roubo.”

Como tutora, ela também garante que o registro é “bem mais barato que as primeiras vacinas que o animal toma quando nasce”. Além de ser “uma demonstração de carinho com animais que vieram realmente para fazer parte das famílias”.

“Hoje, os 3.700 cartórios de Títulos e Documentos do país estão todos conectados a uma única plataforma eletrônica, permitindo que você, do seu celular, tablet ou computador, faça uma declaração eletrônica para anexar e encaminhar diretamente para o cartório da sua cidade, de forma rápida, fácil. O cartório receberá o documento, você pagará também pela plataforma com pix, cartão de crédito ou boleto bancário e recebe, no conforto da sua casa, a declaração de guarda, com todos os valores e efeitos de um registro público, dando publicidade ao seu amor”, destaca Vanuza.

Com a possibilidade, ela acredita que a “‘família plural’ fica ainda mais diversificada, incluindo um membro que entra na família para ficar”.

Tratamento legislativo

Márcia Fidelis Lima explica que a legislação em vigor no Brasil considera os animais (inclusive os de estimação) como bens semoventes e os equipara a qualquer bem móvel. O tratamento legislativo, na visão dela, “não é adequado para a proteção de seres vivos, muito menos para tutelar o relacionamento afetivo entre as pessoas e seus animais de estimação, comumente chamados de pets”.

Ela lembra que outras fontes do Direito “vêm socorrendo”, ainda que precariamente, a solução de conflitos que envolvem cães, gatos e outros animais, hoje considerados por muitos como membros da família. Cita julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça – STJ, “que consideram insuficientes, para essas relações, os institutos da posse e da propriedade, inclusive, aplicando-se, por analogia, o Direito das Famílias para definição de guarda e visitação em casos de separação entre guardiões”.

Ainda segundo Márcia, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que buscam dar tratamento legal mais digno aos pets. “Um dos caminhos é considerá-los membros da família, como sujeito de direitos, embora despersonificados.”

“Aprovados esses textos, o registro dos animais de estimação como membros da família poderá ser lavrado, até mesmo, no Registro Civil, por se tratar de relação existencial, tutelada pelo Direito das Famílias”, pondera.

Fonte: site IBDFAM

STJ: segurado que se obrigou a manter ex-esposa em seguro de vida não pode retirá-la unilateralmente

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, um segurado que se obrigou, em acordo de divórcio homologado judicialmente, a manter a ex-esposa como única favorecida do seguro de vida, não pode retirá-la unilateralmente. O entendimento é de que o segurado renunciou à faculdade de livre modificação da lista de agraciados e garantiu à ex-esposa o direito condicional (em caso de morte) de receber o capital contratado.

No caso dos autos, o colegiado também concluiu que o pagamento feito a credores putativos – ou seja, credores aparentes – não poderia ser reconhecido, pois a seguradora agiu de forma negligente ao não tomar o cuidado de verificar quem, de fato, tinha direito a receber o benefício.

A ação foi ajuizada pela mulher contra a seguradora para anular a nomeação dos beneficiários de seguro de vida deixado por seu ex-marido falecido. O homem havia refeito a apólice após o segundo casamento e a excluído da relação de favorecidos.

Conforme consta no processo, a autora provou que fez um acordo judicial de divórcio com o segurado, no qual figurava como única beneficiária do seguro de vida em grupo ao qual ele havia aderido.

A ação foi julgada improcedente na origem. O juízo de primeiro grau considerou que a seguradora agiu de boa-fé ao pagar a indenização securitária aos beneficiários registrados na apólice, de modo que não poderia ser responsabilizada pela conduta do segurado.

A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR, que fixou indenização à ex-esposa por entender que a estipulação feita no acordo de divórcio tornava ilícita a exclusão da mulher como beneficiária do seguro.

No recurso ao STJ, a seguradora argumentou que não poderia ser responsabilizada por seguir o disposto na apólice, em situação de aparente legalidade, pois o pagamento feito por terceiro de boa-fé a credor putativo é válido.

Relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que o artigo 791 do Código Civil permite a substituição de beneficiários do contrato de seguro de vida pelo segurado, a menos que a indicação esteja vinculada à garantia de alguma obrigação ou o próprio segurado tenha renunciado a tal faculdade.

Conforme o ministro, se o segurado abrir mão do direito de substituição do beneficiário, ou se a indicação não for feita a título gratuito, o favorecido deve permanecer o mesmo durante toda a vigência do seguro de vida. Nessa situação, o beneficiário “não é detentor de mera expectativa de direito, mas, sim, possuidor do direito condicional de receber o capital contratado, que se concretizará sobrevindo a morte do segurado”.

Direito condicional

No caso dos autos, Villas Bôas Cueva entendeu que “o segurado, ao não ter observado a restrição que se impôs à liberdade de indicação e de alteração do beneficiário no contrato de seguro de vida, acabou por desrespeitar o direito condicional da ex-esposa, sendo nula a nomeação na apólice feita em inobservância à renúncia a tal faculdade”.

O relator também pontuou que a validade do pagamento feito aos credores que aparentemente teriam direito ao crédito depende da demonstração da boa-fé objetiva do devedor. Dessa forma, seria necessária a existência de elementos suficientes para que o terceiro tenha sido induzido a acreditar que a pessoa que se apresenta para receber determinado valor é, de fato, o verdadeiro credor.

Ainda segundo o ministro, a negligência ou a má-fé do devedor tem como consequência o duplo pagamento: uma, ao credor putativo e outra, ao credor verdadeiro, sendo cabível a restituição de valores a fim de se evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes.

Ao negar provimento ao recurso especial, o magistrado concluiu que a seguradora não adotou a cautela necessária para pagar o seguro à verdadeira beneficiária. “Ao ter assumido a apólice coletiva, deveria ter buscado receber todas as informações acerca do grupo segurado, inclusive as restrições de alteração no rol de beneficiários, de conhecimento da estipulante. Diante da negligência, pagou mal a indenização securitária, visto que tinha condições de saber quem era o verdadeiro credor, não podendo se socorrer da eficácia do pagamento a credor putativo.”

REsp 2.009.507.

Fonte: site IBDFAM

Juiz deve fundamentar tempo de prisão do devedor de alimentos, decide STJ

Ao ordenar a prisão do devedor de pensão alimentícia, o juiz deve fundamentar o período de reclusão civil decorrente do não pagamento da dívida alimentar. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ fixou no mínimo legal de um mês de tempo de prisão de um devedor de alimentos.

Na decisão original, o juízo se limitou a indicar o prazo de três meses, sem, contudo, apresentar justificativa específica para esse período. O STJ concluiu que a fundamentação, necessária em qualquer medida que envolva coerção à pessoa, evita que o período de restrição da liberdade seja fixado de maneira indiscriminada.

O decreto prisional foi mantido em segundo grau, sob o entendimento de que não há ilegalidade se a decisão respeita o prazo máximo de três meses previsto no Código de Processo Civil – CPC.

O ministro Raul Araújo, relator do recurso especial, lembrou que, conforme previsto na Constituição Federal, a motivação das decisões judiciais é fundamental para a proteção e garantia da liberdade, além de servir como ferramenta de limitação do próprio poder do Estado.

“Visando dar concretude aos ditames constitucionais é que o Código de Processo Civil de 2015 dispôs, de forma expressa, sobre o dever de fundamentação analítica e adequada de todas as decisões judiciais (art. 489, § 1º), em substituição ao livre convencimento e em repulsa às interpretações arbitrárias e solipsistas”, completou o ministro.

Apesar dessas premissas, Raul Araújo apontou que tem havido divergência nos tribunais brasileiros a respeito da necessidade de motivação do decreto de prisão civil no tocante ao tempo de encarceramento, ou seja, se é necessário haver uma espécie de “dosimetria” ou se o período está inserido na discricionariedade do juízo.

O relator comentou que a prisão civil é um instrumento legal para coagir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação de forma mais rápida. Como qualquer medida coercitiva, apontou o ministro, é necessário haver uma justificativa adequada para sua imposição, especialmente porque envolve direitos fundamentais da pessoa executada.

“Nessa perspectiva, deve prevalecer o dever de fundamentação analítica e adequada de toda decisão determinante de prisão civil do devedor de alimentos, seja quanto ao preenchimento dos requisitos, seja quanto à definição do tempo de constrição de liberdade entre o mínimo e o máximo (um a três meses) estabelecidos pela legislação”, detalhou.

O processo tramita em segredo de Justiça.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Ceará concede retificação de registro civil “post mortem” à artista plástica trans

A 1ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte, do Poder Judiciário do Estado do Ceará, concedeu a retificação de registro civil post mortem à artista plástica transgênero Márcia Maia Mendonça, que faleceu em 1998, aos 49 anos, solteira, sem filhos e sem ascendentes vivos. A decisão autorizou a mudança dos registros civis das certidões de nascimento e óbito da artista, que agora passam a ter o nome com o qual ela se identificava em vida.

De acordo com a sentença, o processo foi ajuizado pelos três irmãos da artista. No pedido, eles sustentaram que “o direito à memória não se restringe à pessoa morta, mas alcança a coletividade”.  Sendo assim, a procedência do pedido seria uma forma de reparar as dificuldades vivenciadas por ela quando viva.

Na sentença, a juíza responsável pelo caso destacou que a documentação anterior “não refletia a identidade da falecida e que tal situação, portanto, feria o seu direito de personalidade”.

A magistrada também considerou a vontade da própria mulher, que foi expressa em uma biografia, bem como confirmada por familiares e testemunhas.

“A proteção aos direitos da personalidade não cessa com o fim da vida, pois permanece na memória. Tendo em vista que os registros no estado em que se encontram representam a continuidade de uma lesão, e que a memória da falecida pertence aos que desejam cessar com essa violação, é pertinente reconhecer a vontade de Márcia Maia Mendonça como legítima”, diz um trecho da decisão.

A sentença ainda contempla a correção da idade apresentada no registro de óbito, que havia sido erroneamente grafada. Na documentação verificada passará a constar que a artista plástica faleceu aos 49 anos, diferente dos 68 que constava anteriormente.

Decisão histórica

Para a advogada Gabriela Nascimento Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Ceará – IBDFAM-CE, que atuou no caso junto com os advogados Liane Mary Brito Mendonça e Alexandre França Magalhães, também membros da diretoria do IBDFAM-CE, trata-se de uma decisão vanguardista e histórica para a Justiça brasileira.

“A sentença foi dada mesmo diante de um parecer do Ministério Público que foi contrário ao pedido dos autores da ação. O MP, de forma muito conservadora e legalista, entendeu que os direitos da personalidade são intransmissíveis. Dessa forma, defendeu que os autores da ação, na condição tão somente de herdeiros de Márcia Maia Mendonça, seriam partes ilegítimas para entrar com o processo”, aponta.

“A decisão foi contrária a esse entendimento e fundamentada com base na vontade da artista, conforme prova apresentada nos autos, relativizando o dispositivo da lei e privilegiando a vontade da pessoa humana, sua subjetividade e individualidade”, esclarece. 

Ela chama a atenção para a fundamentação da decisão que visou reparar a violência vivida pela artista plástica, garantindo o reconhecimento da vontade dela e honrando sua memória.

“Com essa decisão, a magistrada alcançou dois objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas, que prevê a inclusão social da falecida, inclusive de todos os seus familiares que a reconheciam como a sua vontade se manifestava, reconhecendo, após a morte da artista, o direito ao reconhecimento de sua identidade pessoal”, afirma.

Gabriela espera que a decisão sirva de parâmetro para outros casos semelhantes, reconhecendo que “o direito da personalidade deve ter sua amplitude respeitada mesmo após a morte”. 

Processo 0200471-33.2023.8.06.0115

Fonte: site IBDFAM