Categoria: Notícia

Plano deve manter filhos como dependentes após 25 anos de vínculo, decide Justiça de São Paulo

Uma operadora de plano de saúde deve manter dois filhos como dependentes no contrato firmado pelo pai, após 25 anos de vínculo ininterrupto. O entendimento unânime da  2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP é de que a exigência tardia de comprovação econômica foi considerada abusiva por violar a boa-fé e a expectativa legítima de continuidade.

No caso dos autos, os filhos foram incluídos como dependentes no plano de saúde do pai em 1998. A operadora nunca exigiu qualquer comprovação de dependência econômica, até que, em 2023, comunicou ao titular que seus filhos deveriam apresentar documentos comprovando a dependência financeira para continuarem como beneficiários. Caso contrário, seriam excluídos do contrato.

Os beneficiários, por sua vez, argumentaram que o contrato não exige, de forma expressa, a apresentação de tal comprovação. A defesa é de que os filhos permaneceram no plano por 25 anos sem qualquer objeção da operadora, e que os pagamentos foram realizados regularmente durante todo esse período, o que reforçaria a legítima expectativa de continuidade do vínculo.

Na origem, o pedido foi parcialmente acolhido. O juízo de 1º grau determinou a manutenção apenas da cônjuge como dependente do titular, e autorizou a exclusão dos filhos. Os autores recorreram ao TJSP.

Ao avaliar o caso, o colegiado concluiu que a omissão prolongada da empresa em exigir comprovação de dependência econômica gerou expectativa legítima de permanência, caracterizando a supressio, situação em que o exercício tardio de um direito viola a confiança consolidada entre as partes.

A relatora destacou que os beneficiários figuram como dependentes no plano desde 1998 e que a operadora jamais exigiu prova de dependência econômica nesse período, mesmo após os filhos atingirem a maioridade e deixarem de se enquadrar nos critérios legais.

Segundo a relatora, ao aceitar por mais de duas décadas os pagamentos relativos aos dependentes sem qualquer questionamento, a operadora consolidou a expectativa legítima de que o vínculo seria mantido.

Assim, foi dado provimento ao recurso, reformando a sentença para determinar a manutenção dos filhos como dependentes no plano de saúde, nas mesmas condições anteriormente contratadas.

Processo: 1047569-34.2024.8.26.0100

Fonte: IBDFAM

TJ/DF vê culpa de cliente e banco não responderá por boleto fraudado

Colegiado concluiu que a cliente agiu com negligência ao efetuar o pagamento de boleto recebido por WhatsApp sem verificar a origem e dados do documento.

Por unanimidade, a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do TJ/DF negou o pedido de reembolso de uma consumidora que pagou um boleto falso enviado por WhatsApp ao tentar quitar um financiamento.

Para o colegiado, a fraude decorreu de culpa exclusiva da cliente, que agiu com negligência ao não verificar a autenticidade do site e dos dados do boleto. O golpe foi classificado como fortuito externo, o que afasta a responsabilidade da instituição financeira. 

Entenda o caso

A autora da ação relatou que, ao tentar quitar o saldo de um financiamento, acessou o que acreditava ser o site da instituição financeira. Após inserir os três primeiros dígitos de seu CPF, foi direcionada para um número de WhatsApp, por onde recebeu um boleto que continha dados semelhantes aos do banco e do veículo. Efetuou o pagamento de cerca de R$ 52 mil.

Posteriormente, foi novamente cobrada pela quitação da dívida e descobriu que havia sido vítima de golpe. O juízo de primeiro grau entendeu que a fraude caracterizava fortuito interno, aplicando a súmula 479 do STJ para responsabilizar o banco. Assim, determinou a devolução dos valores com correção e juros.

A instituição financeira recorreu, alegando que o boleto foi pago a terceiros fora dos seus canais oficiais, não havendo qualquer falha na prestação do serviço. Sustentou, ainda, que a autora acessou site falso e forneceu voluntariamente seus dados aos golpistas, configurando culpa exclusiva da vítima.

Negligência da consumidora

Ao analisar o recurso, o relator, juiz de Direito Antônio Fernandes da Luz, reconheceu que não houve falha por parte da instituição financeira. Destacou que, ainda que se trate de uma relação de consumo regida pelo CDC, a responsabilidade objetiva do fornecedor pode ser afastada quando comprovada a culpa exclusiva do consumidor.

O magistrado ponderou que, apesar de a súmula 479 do STJ estabelecer que instituições financeiras respondem objetivamente por fraudes em operações bancárias, no caso concreto não havia qualquer elemento que indicasse falha nos serviços prestados. Para ele, os fatos demonstram que a fraude resultou exclusivamente da conduta imprudente da consumidora, sem vínculo com a atuação da instituição.

Site não oficial e boleto com erros evidentes

No voto, o relator apontou contradições entre o relato da autora na petição inicial e o boletim de ocorrência juntado aos autos. De acordo com os documentos, a consumidora acessou o primeiro link que apareceu em site de buscas, sem verificar se era o canal oficial do banco, e entrou em contato com número telefônico desconhecido. Em seguida, forneceu voluntariamente seus dados pessoais e bancários.

Outro ponto decisivo foi a análise do boleto fraudulento, que continha erros grosseiros, como nome e CNPJ divergentes dos da instituição.

“Tais fatos denotam falta de diligência da recorrida (…) não havendo vazamento de dados ou qualquer outra falha que permita imputar ao banco a culpa pelos danos sofridos.”

Ausência de falha e configuração de fortuito externo

O magistrado concluiu que a fraude caracteriza fortuito externo, já que não decorreu de falha no sistema ou nos serviços prestados pelo banco. Assim, não haveria como responsabilizá-lo.

“Todo esse cenário revela que houve ingenuidade e negligência por parte da recorrida, a qual, por si mesma, efetuou pagamento de boleto para terceiros”, afirmou o relator.

Com esse entendimento, a 1ª Turma Recursal deu provimento ao recurso da instituição financeira e reformou a sentença de origem, julgando improcedente o pedido da consumidora. A decisão foi unânime.

O escritório Mascarenhas Barbosa Advogados atua pelo banco.

Fonte: site Migalhas.

Conta profissional detida é principal reclamação sobre redes sociais

A maioria dos processos movidos por usuários de redes sociais tem relação com conta profissional suspensa e, em mais de 80% dos casos, o perfil é restabelecido após a judicialização. Os dados são da pesquisa “Decisões judiciais sobre o devido processo na moderação de conteúdo em redes sociais: como julgam os magistrados”, do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris).

Maioria dos processos é concluída com liberação da conta

O estudo analisou 191 decisões de cinco Tribunais de Justiça brasileiros envolvendo moderação de conteúdo em redes sociais. Os estados foram Amazonas, Bahia, Goiás, Paraná e São Paulo.

O principal dado destacado pelos pesquisadores é que 94,8% das ações dizem respeito a suspensão de alguma conta e, em 80,1% dos processos, elas são para uso profissional. Em 84,8% das situações, os juízes ordenaram o restabelecimento da página, normalmente com argumentações referentes a falta de transparência e de proporcionalidade das empresas donas das redes sociais, as chamadas big techs.

A regulamentação das plataformas esteve recentemente em pauta no Supremo Tribunal Federal. Apesar da conclusão dos ministros para tornar o artigo 19 do Marco Civil da Internet inconstitucional, os magistrados concordaram que existem lacunas no tema e cabe ao Legislativo resolvê-las. O artigo determina que as plataformas só respondem por danos a terceiros em caso de ordem judicial.

Na pesquisa, esse problema ficou evidenciado: em 28,3% das decisões, não há uma base legal clara. Com isso, 92,7% dos juízes tiveram embasamento no direito ao devido processo para a moderação de conteúdo e ressaltaram a necessidade das plataformas atuarem de forma mais transparente, com notificações aos usuários, obrigação de fundamentação das decisões ou previsão de prazo para recurso.

“Não se trata de uma decisão desprovida de sentido ou coerência, mas chama a atenção o fato de que nenhum dispositivo legal é apontado como base para o resultado do julgamento. Há menções a dispositivos legais sobre competência, distribuição do ônus da prova e outras questões processuais, mas não a respeito do debate de fundo. Talvez a falta de uma norma legal específica sobre o assunto controvertido possa explicar essa opção por construir uma solução apenas com base na racionalidade jurídica, mas sem o amparo em um texto normativo vigente”, afirmou o estudo.

Normais mais citadas

Dessa forma, os magistrados demonstraram utilizar na argumentação quatro normas com mais frequência: 43,45% citaram o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990); 40,83% trouxeram o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014); 15,18% falaram na Constituição Federal; e 9,42% usaram o Código Civil.

Quando o Marco Civil é utilizado, o artigo 19 é citado em quase metade dos casos. Outros artigos utilizados dessa lei são o 7º, a respeito dos direitos do usuário; o 8º, que vincula o pleno exercício do direito de acesso à internet à garantia da privacidade e da liberdade de expressão; e o 20, sobre o dever da plataforma de comunicar o usuário sobre o motivo da moderação de conteúdo.

A pesquisa nota que nenhum desses dispositivos contém algo próprio sobre a moderação do conteúdo online: “Apenas uma única decisão, de 191, apontou de forma expressa a ausência de norma legal específica sobre o tema da moderação de conteúdo, ao buscar nas regras legais para os contratos privados de consumo a base para solucionar a controvérsia examinada”.

Fonte: site Conjur.

TJSP: casamento em regime de separação de bens não exclui cônjuge da herança

Em decisão recente, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP confirmou que o casamento em regime de separação de bens não exclui o cônjuge da herança. Com base neste entendimento, o colegiado negou o pedido de abertura de inventário de irmãos e sobrinhos de homem que faleceu sem ter pais, avós e filhos vivos nem deixar testamento ou documento de transferência de bens.

O TJSP manteve a decisão da Vara da Família e das Sucessões de Indaiatuba e reconheceu que a cônjuge sobrevivente, casada com o falecido sob o regime de separação obrigatória de bens, é a única herdeira, afastando a legitimidade dos colaterais.

De acordo com o relator do recurso, não havendo descendentes nem ascendentes do autor, a sucessão legítima defere-se por inteiro ao cônjuge sobrevivente, uma vez que o Código Civil não faz nenhuma distinção em relação ao regime de bens do casamento em casos de falecimento.

O desembargador também pontuou as diferenças entre o regime de bens no casamento e o direito sucessório. “O regime de bens, seja ele qual for, regula as relações patrimoniais entre os cônjuges durante a vigência do matrimônio, disciplinando a propriedade, administração e disponibilidade dos bens, bem como a responsabilidade por dívidas.”

“Por outro lado, o direito sucessório regula a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte. A vocação hereditária, estabelecida no artigo 1.829 do Código Civil, determina a ordem de chamamento dos herdeiros para suceder o falecido. O artigo 1.829, III, do Código Civil, é expresso ao estabelecer que, na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente herda a totalidade do patrimônio do falecido, sem qualquer condicionante relacionada ao regime de bens adotado”, complementou o magistrado.

Apelação: 1010433-44.2024.8.26.0248.

Regra sucessória

A advogada, professora e parecerista Fabiana Domingues Cardoso, diretora estadual do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção São Paulo – IBDFAM-SP, entende que a decisão é correta e não surpreende, “tampouco revela matéria polêmica para aqueles que militam na área especializada, em que pese abordar um debate interessante e até revelar uma tese inovadora dos apelantes, a qual intenta interpretar a extensão dos efeitos do  regime da separação obrigatória de bens para além dos limites impostos pela regra sucessória”.

“Entretanto, é comum ao leigo a identificação como sendo válida e ‘justa’ a não comunicação de bens no regime da separação obrigatória de bens, seja em vida ou em morte, mas o Código Civil de 2002 e o ordenamento como um todo não prevêem esse alcance. Isso porque as regras que disciplinam a discussão do caso concreto são claras e traduzem a combinação do artigo 1. 829, III, e o artigo 1.838, sem margem a dubiedade”, afirma.

A relevância da decisão, destaca a advogada, é “desmistificar a confusão que até mesmo colegas fazem entre regime de bens (Direito de Família) e herança (Direito das Sucessões) e  reforçar a aplicação da regra sucessória prevista nos artigos 1.838 e 1.829, III, como têm sido interpretados pela doutrina e jurisprudência,  desde os primórdios do Código Civil vigente”.

“A distinção está adequada e foi importante, na medida em que são institutos jurídicos distintos, mas que se entrelaçam, especialmente após o advento do Código Civil 2002, que trouxe como novidade o cônjuge como herdeiro necessário e atrelando o regime de bens a algumas hipóteses de concorrência com os descendentes. Entretanto, não há esse atrelamento quando a pessoa falecida não deixa descendente ou ascendente, como também  há o entendimento de que não existe o atrelamento do regime de bens quando o cônjuge concorre com os ascendentes”, conclui Fabiana Domingues Cardoso.

Fonte: site IBDFAM

TJPE fixa indenização por violência psicológica com base na Lei Maria da Penha

A Justiça de Pernambuco condenou um homem por violência psicológica praticada contra a ex-companheira com quem manteve uma união de 36 anos. A decisão, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, reformou a sentença de primeira instância que havia absolvido o réu.

De acordo com os autos, a mulher relatou ter sido vítima de humilhações, ameaças e controle emocional ao longo da convivência com o homem. Após a separação, em 2022, as agressões psicológicas teriam se intensificado, especialmente quando ela iniciou um novo relacionamento.

O homem se casou com outra pessoa e continuou a residir no mesmo imóvel que a ex-companheira e seus familiares, o que teria gerado um ambiente de constante tensão.

Além de perseguições e intimidações dentro de casa, o réu também expôs a vítima publicamente, com postagens ofensivas em redes sociais. Laudos e depoimentos indicam que a situação afetou a saúde mental da mulher, provocando insônia, crises de ansiedade e alterações em sua rotina social.

Em primeira instância, o juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Camaragibe havia absolvido o acusado por falta de provas. A decisão foi contestada por meio de apelação, que teve parcial provimento pela 1ª Câmara Criminal do TJPE.

O colegiado concluiu que a conduta do réu se enquadra no crime de violência psicológica contra a mulher, previsto no artigo 147-B do Código Penal – CP, com incidência da Lei Maria da Penha. A pena foi fixada em 1 ano, 8 meses e 11 dias de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 28 dias-multa e de uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.

Mudança efetiva

Para a advogada Fernanda Lima, presidente da Comissão Estadual de Violência de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Pernambuco – IBDFAM-PE, que atuou no caso, a decisão representa um avanço ao reconhecer o crime de violência psicológica praticado contra a mulher tanto durante a relação quanto após o seu término.

“Considero que o Tribunal demonstrou estar atento às condutas que podem vir a ser praticadas no ambiente doméstico, mas que não podem ser confundidas com afeto, ainda que socialmente predomine uma cultura de humilhação e submissão da mulher ao homem”, analisa. “Afeto não é controle e decisões como estas contribuem para uma mudança efetiva no respeito à integridade psicofísica da mulher.”

Além disso, ela destaca o valor simbólico da indenização por danos morais, uma vez que, segundo a especialista, ainda é grande a resistência ao dever de indenizar decorrente da violência doméstica de gênero.

Fernanda Lima destaca o Tema 983 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que trata da configuração do dano moral em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Maria da Penha. A tese firmada pela Corte diz: “A configuração do dano moral, nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, prescinde de prova, sendo in re ipsa”.

Isso significa que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o dano moral é presumido. Ou seja, não é necessário provar que a vítima sofreu abalo psicológico ou moral – o simples fato da violência já gera o direito à indenização.

“O recente julgamento do Tema 983 pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ só produzirá efeitos concretos a partir de decisões que fixem valores indenizatórios. Ainda persiste uma lacuna na reparação efetiva das mulheres que enfrentam a violência justamente nos espaços onde deveriam encontrar afeto, segurança e proteção”, avalia.

Continuidade delitiva

A advogada também destaca que a decisão do TJPE reconheceu a continuidade do delito, considerando a prática sistemática de atos de intimidação e humilhação. Para ela, esse entendimento pode contribuir para uma responsabilização mais eficaz de agressores em casos semelhantes.

“Ao reconhecer a pluralidade de condutas – com reiteradas restrições à autodeterminação da vítima – dirigidas contra o mesmo bem jurídico, a liberdade individual, o Tribunal abre caminho para a construção de uma jurisprudência sólida, com dosimetria da pena mais justa e ajustada às especificidades de cada caso”, afirma.

Esse movimento, para ela, chega em momento oportuno, já que o artigo 147-B do CP entrou em vigor em 2021. “Somente agora, quatro anos depois, os processos alcançam a segunda instância. Ou seja, é realmente um posicionamento colegiado, que fortalece a aplicação da lei penal.”

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Amazonas determina regime de guarda diferente de irmãos em ação de guarda

A 6ª Vara de Família da Comarca de Manaus, no Amazonas, estabeleceu regimes de guarda diferentes entre dois irmãos, em razão do tratamento desigual ofertado pelo pai. O juízo determinou a guarda compartilhada do filho mais velho, e a guarda unilateral do caçula em favor da genitora.

A sentença ocorreu no âmbito de divórcio litigioso entre os genitores, com ação de guarda, visitas e alimentos, e teve como base a igualdade no exercício da parentalidade e o papel do Judiciário na proteção integral da infância.

Conforme consta nos autos, os irmãos, de 8 e 13 anos de idade, permaneceram sob a guarda da mãe após a separação do casal, no Amazonas. O genitor, por sua vez, mudou-se para o Distrito Federal e, posteriormente, para o interior de Goiás.

Após a mudança, porém, o genitor passou a manter contato frequente apenas com o filho mais velho, enquanto ignorava o filho mais novo nas ligações telefônicas. Na ação, a mãe das crianças alegou que o comportamento evidenciava clara preferência afetiva e gerava prejuízos emocionais à criança preterida.

O juiz Vicente de Oliveira Rocha Pinheiro, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, proferiu a sentença. Para o magistrado, restou comprovado o tratamento impróprio, diferenciado e, portanto, inconstitucional entre os dois irmãos.

De acordo com o juíz, a conduta do pai foi caracterizada como emocionalmente ausente, somando-se à ausência física e ao fato de ele ter sido réu revel no processo. Por outro lado, a genitora “demonstrou ser cuidadosa e responsável, assumindo sozinha os cuidados com os filhos desde a separação”.

Com base em provas documentais e testemunhos, o juiz acolheu parcialmente os pedidos da autora, determinando a necessidade de garantir tratamento igualitário e digno aos irmãos, conforme previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

A sentença também foi fundamentada na análise das ligações registradas, nas quais o pai dirigia-se exclusivamente ao primogênito, ignorando o filho mais novo, o que, segundo o juiz, “acontece numa fase prioritária da vida das crianças e revela um cenário em que sentimentos mal resolvidos e mágoas acabam por afetar diretamente o bem-estar infantil”.

O magistrado destacou ainda que a sentença foi crucial para “assegurar e garantir a saúde, o bem-estar e, notadamente, o adequado, constitucional e prioritário tratamento igualitário entre os dois irmãos, especialmente considerando o contexto atual da vida brasileira, em meio a tantas brigas familiares e disputas derivadas de mágoas ou ciúmes antigos e sem suporte na realidade”.

Fonte: site IBDFAM

TJPR reconhece união estável post mortem de casais homoafetivos

O Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR reconheceu a união estável entre casais homoafetivos mesmo após a morte de um dos companheiros. As decisões são da 11ª da 6ª Câmaras Cíveis.

Um dos casos analisados envolveu um casal homoafetivo que vivia com um filho em imóvel alugado. Após a morte de uma das companheiras, os tios da falecida recorreram ao Judiciário contestando o reconhecimento da união, alegando desconhecimento da relação.

No entanto, a juíza responsável considerou válida a relação estável entre as mulheres, mesmo diante da pouca publicidade da convivência. Fotografias e testemunhos que retratavam momentos de afeto, celebrações e vida em comum foram suficientes para comprovar a união.

Para a magistrada, a exigência de publicidade deve ser relativizada, tendo em vista as barreiras sociais ainda enfrentadas por casais homoafetivos.

Em outro processo, um homem buscava o reconhecimento da união com seu companheiro, falecido, para fins de recebimento de pensão. A seguradora questionou a relação, citando a ausência do nome do autor na certidão de óbito e nas redes sociais do falecido.

No entanto, a desembargadora relatora entendeu que a falta de formalização da união decorreu do preconceito ainda presente na sociedade e da ausência de apoio familiar. Com base nos elementos do processo, foi reconhecida a união estável entre os dois.

As decisões tiveram como base a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, doutrina especializada e os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Para o TJPR, ficou comprovado que as relações eram públicas, contínuas, duradouras e com intenção de constituir família, ainda que não formalizadas oficialmente.

Preconceito estrutural

Para o jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, as decisões do Tribunal paranaense evidenciam um avanço importante, mas também expõem o preconceito estrutural presente no Brasil.

“Infelizmente, a sociedade ainda é muito preconceituosa – inclusive em relação às uniões estáveis entre casais heteroafetivos. Trata-se de uma questão absolutamente cultural, pois o casamento ainda parece ter prioridade de aceitação social no Brasil”, afirma.

Segundo o jurista, o preconceito se intensifica ainda mais quando se trata de casais homoafetivos, que enfrentam não apenas a falta de reconhecimento social, mas também obstáculos institucionais e familiares que dificultam a vivência plena de suas relações.

“Quando os casais homoafetivos se veem obrigados a esconder seus relacionamentos, é porque continuam sendo vítimas dessa discriminação. Os reconhecimentos de uniões homoafetivas pós-morte são uma clara evidência desse preconceito estrutural, que faz com que esses casais vivam escondidos, adotando posturas e comportamentos sociais que não condizem com suas realidades afetivas”, analisa.

Para ele, embora a Constituição reconheça o direito dessas relações ao respeito e à proteção, ainda há um longo caminho a percorrer para que esse reconhecimento seja plenamente vivido na prática.

“Decisões como a do TJPR representam, sem dúvida, um avanço jurisprudencial e no campo da Justiça, mas ainda não alcançamos, de fato, a liberdade plena. O preconceito persiste e precisa, urgentemente, ser superado”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Mato Grosso do Sul reconhece paternidade socioafetiva e permite exclusão de sobrenome paterno

A Justiça de Mato Grosso do Sul reconheceu a paternidade socioafetiva de um adolescente e autorizou a exclusão do sobrenome do pai biológico, ausente desde o nascimento. A decisão é da 2ª Vara da Comarca de Bonito, que atendeu ao pedido da mãe do jovem e de seu companheiro, responsável por exercer, na prática, a função paterna ao longo dos anos.

De acordo com os autos, o genitor apenas registrou o menino, mas nunca manteve qualquer contato ou vínculo afetivo com ele. Por outro lado, desde o primeiro ano de vida do adolescente, quem assumiu integralmente os cuidados e a criação foi o padrasto, que compartilha a vida familiar com a mãe do jovem.

O pedido foi fundamentado em provas documentais e fotográficas que demonstram a convivência, o afeto e a atuação contínua da figura paterna socioafetiva.

Com a decisão, o adolescente terá o registro civil retificado: o sobrenome herdado do genitor será suprimido, e o sobrenome do padrasto será incluído.

A Justiça sul-matogrossense reconheceu que, apesar da regra de imutabilidade dos registros civis, a jurisprudência admite a retirada do sobrenome em casos de abandono afetivo, como forma de proteger a dignidade e identidade da pessoa.

No entanto, o juiz manteve o nome do pai biológico no registro de nascimento, argumentando que o estado de filiação, por se tratar de dado jurídico e social relevante, não pode ser excluído apenas pela vontade das partes.

Diante disso, a defesa da família informou que irá recorrer parcialmente da decisão, buscando a exclusão completa do nome do pai registral.

Avanço

Para a advogada Marla Diniz Brandão Dias, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão representa um avanço importante.

“Esse caso é especialmente significativo porque o adolescente jamais teve qualquer contato com o pai biológico – alguém que apenas o registrou e nunca mais participou de sua vida. Durante todos esses anos, ele carregou o sobrenome de um homem com quem não mantém qualquer vínculo afetivo”, avalia.

“Conviver diariamente com esse nome, símbolo de uma ausência, era uma fonte constante de dor. Agora, essa realidade vai mudar: ele passará a levar o sobrenome de quem realmente esteve ao seu lado, cuidando, amando e exercendo a verdadeira paternidade – seu padrasto”, afirma.

Ela considera uma conquista o reconhecimento do direito de retirar o sobrenome do genitor, embora a família ainda precise recorrer para obter a exclusão total do nome do pai biológico.

“O reconhecimento do direito de retirar o sobrenome do pai biológico é, sobretudo, louvável, já que esse tipo de situação só recentemente passou a ser admitida pela Justiça. Vamos recorrer parcialmente da decisão, pois ainda buscamos a exclusão completa do nome do pai biológico, para que conste apenas o sobrenome do pai socioafetivo. De qualquer forma, essa já é uma grande vitória para essa família”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça reconhece vínculo afetivo com pet e garante convivência após separação no sertão de PE

Uma decisão judicial no sertão de Pernambuco reconheceu o vínculo socioafetivo entre uma tutora e os animais de estimação criados em conjunto durante o relacionamento com a ex-companheira. O caso trata da dissolução de uma união estável entre duas mulheres que conviveram durante quase sete anos com cinco animais de estimação – dois gatos e três cães.

A advogada Emília Juliana Santos da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no processo, lembra que dois dos cães já pertenciam individualmente a cada uma das partes antes do relacionamento. Após oito meses de união, o casal oficializou a relação e adotou os outros animais em conjunto.

Em janeiro deste ano, após o término da relação, uma das tutoras deixou o lar levando apenas a cadela que já era sua anteriormente, pois a ex-companheira teria impedido qualquer forma de convívio com os outros pets.

Segundo a advogada, as tentativas extrajudiciais de restabelecer o contato com os pets foram infrutíferas. Neste contexto, o Judiciário pernambucano foi acionado, com pedido de tutela de urgência para regulamentação da convivência familiar e guarda a partir do reconhecimento de vínculo socioafetivo entre a autora e o pet que era da ex-companheira antes do início do relacionamento.

Ainda segundo a advogada, após a separação, a cadela de 15 anos de idade passou a sofrer de quadros graves de depressão, com constantes internações veterinárias, em virtude da ausência de convivência com os irmãos caninos e felinos com os quais estava habituada há 7 anos, o que ensejou a concessão da tutela de urgência no restabelecimento da convivência familiar. 

A decisão também considerou que todas as despesas e cuidados com os animais eram  suportados exclusivamente pela autora na constância da união, e que o outro cão e os felinos haviam sido adotados por ambas as tutoras já na constância do casamento.

Família multiespécie

Emília da Silva afirma que o Direito das Famílias está em constante transformação, acompanhando as mudanças sociais e culturais que redefinem os modelos tradicionais de convivência.

Uma dessas transformações, segundo ela, refere-se à inclusão de animais de estimação como membros das famílias multiespécies, “reconhecendo o papel significativo que desempenham nas relações afetivas”.

“A concessão de guarda e convivência familiar com pets, como visto em casos judiciais recentes, marca um  passo essencial nessa evolução jurídica.  A inclusão de animais no âmbito do Direito das Famílias reflete uma mudança no entendimento jurídico acerca dos pets, que deixam de ser tratados apenas como propriedade. O reconhecimento desses animais como sujeitos de direitos  demonstra que eles são detentores de amor, cuidado e vínculo afetivo”, pondera.

Para a advogada, essa perspectiva valoriza o impacto emocional e psicológico que os animais de estimação exercem sobre os humanos, considerando-os parte imprescindível do núcleo familiar. “A concessão de guarda e convivência com pets é especialmente inovadora em regiões onde predomina uma visão conservadora sobre famílias.”

“Decisões como essas não apenas reconhecem os novos arranjos familiares, mas também criam precedentes que podem inspirar mudanças legislativas e judiciais em direção a uma maior proteção dos animais no contexto familiar. Além disso, fortalecem o conceito de família multiespécie no Direito, promovendo igualdade e inclusão”, observa.

Avanço

Emília acrescenta que o fato de a decisão ter sido proferida no sertão de Pernambuco, “onde a cultura das famílias multiespécies é fortemente rechaçada em detrimento do modelo tradicional de família e conservadora da região, demonstra o avanço do Judiciário em perceber os novos modelos familiares, reconhecendo, ainda, os animais não humanos como sujeitos de direitos e detentores do amor e cuidado humano”.

“A concessão de guarda e convivência familiar com animais de estimação representa um avanço crucial para o Direito das Famílias. Ao reconhecer os  vínculos socioafetivos entre humanos e pets, o Judiciário não só protege os direitos dos animais como também reflete a realidade de muitas famílias modernas. Esses casos estabelecem precedentes que reforçam a importância de tratar os animais como membros integrais da família, promovendo o respeito, o cuidado e a inclusão no âmbito jurídico”, frisa.

De acordo com a advogada, também foi estabelecido multa diária e regras claras para convivência dos animais, com intuito de amenizar o sofrimento de ambos causado pela  separação abrupta. “Deste modo, a decisão garantiu o bem-estar dos animais  acima dos interesses pessoais das tutoras envolvidas em claro reconhecimento  do Direito Animal”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça de Goiás reconhece maternidade socioafetiva de avó biológica que cria neta desde o nascimento

A Justiça de Goiás reconheceu a filiação socioafetiva de uma avó que cria a neta desde que ela nasceu. A decisão da 1ª Vara de Família da Comarca de Goiânia também determinou a retificação do registro civil da criança para incluir o nome da avó como mãe, sem retirar os nomes dos pais biológicos.

Segundo os autos, a mãe biológica, sem condições emocionais e financeiras de assumir os cuidados da filha recém-nascida, entregou a criança ainda na maternidade para que fosse criada pela avó materna. Desde então, a avó assumiu integralmente o papel de mãe, oferecendo afeto, sustento, educação e cuidados diários. A criança a reconhece como mãe, vínculo reforçado pela convivência contínua e pela guarda judicial já estabelecida anteriormente.

Ao avaliar o caso, a Justiça goiana destacou que a filiação socioafetiva não substitui a filiação biológica, mas a complementa, reconhecendo juridicamente uma realidade afetiva consolidada. A decisão mostra que tanto o pai quanto a mãe biológicos concordaram expressamente com o pedido.

A magistrada responsável entendeu que a medida está em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e, principalmente, com o melhor interesse da criança.

A sentença permite que a nova certidão de nascimento inclua a avó como mãe socioafetiva, ao lado dos pais biológicos, reforçando a segurança jurídica e os laços familiares já existentes na prática.

Avanço

A advogada Karla Ribeiro, que atuou no caso, afirma que a sentença representa um avanço no Direito das Famílias brasileiro ao formalizar, ainda na infância, um vínculo afetivo consolidado desde o nascimento.

“A avó cria a neta como filha desde que ela nasceu, e já possuía a guarda da criança. A neta chama a avó de mãe, e a reconhece como figura materna. Os pais biológicos residem no exterior e concordaram com a inclusão da avó no registro de nascimento da criança, como mãe”, explica.

Para ela, o caso torna-se ainda mais relevante por se tratar do reconhecimento de socioafetividade em favor de uma criança, uma vez que decisões similares da Justiça brasileira envolviam netos já adultos.

“O reconhecimento jurídico da relação materno-filial construída no seio familiar amplia a proteção da criança e assegura direitos civis plenos, incluindo os direitos sucessórios, permitindo que a criança seja herdeira da mãe socioafetiva”, comenta.

Além disso, a advogada acredita na repercussão social de um caso como esse, já que, segundo ela, milhares de crianças brasileiras são criadas por avós como filhos, em vínculos marcados por afeto, cuidado e responsabilidade. 

“Com este precedente, avós que de fato desempenham o papel materno ou paterno poderão ter seus nomes incluídos no registro civil dos netos, assegurando segurança jurídica, reconhecimento oficial e pleno acesso a direitos patrimoniais”, avalia.

E conclui: “Fundamentada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e do melhor interesse da criança, a sentença reforça o entendimento de que a parentalidade vai além dos laços biológicos – ela se constrói no afeto, na presença e no cotidiano da convivência”.

Fonte: site IBDFAM