Autor: Thaisa Pellegrino

Direito real de habitação não pode ser exercido por ex-cônjuge em caso de divórcio

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o direito real de habitação não pode ser exercido por ex-cônjuge na hipótese de divórcio. De acordo com o colegiado, o instituto tem natureza exclusivamente sucessória, e sua aplicação se restringe às disposições legais.

Com esse entendimento, a turma negou provimento ao recurso no qual uma mulher pleiteou a aplicação, por analogia, do direito real de habitação em imóvel no qual residia com a filha e que tinha servido de residência à família na época do matrimônio.

No recurso, interposto em ação de divórcio cumulada com partilha de bens, a mulher também alegou intempestividade da contestação do ex-cônjuge, sob o fundamento de que, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, o termo inicial do prazo de resposta do réu teria sido alterado.

Termo inicial do prazo e início de sua contagem não se confundem

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, refutou a argumentação da parte recorrente de que, ao contrário do que dispunha o CPC de 1973, a nova legislação processual civil teria modificado o termo inicial de contagem do prazo de contestação para o mesmo dia em que fosse juntado aos autos o mandado de citação cumprido.

Apoiando-se na doutrina, Nancy Andrighi explicou que o dia do começo do prazo (artigo 231, I e II) é excluído da contagem (artigo 224, caput), o que significa que o prazo processual continua a ser contado a partir do dia útil seguinte.

“Nem sequer por interpretação literal do disposto no CPC/2015 seria possível extrair o argumento alegado, pois o termo inicial do prazo e o início de sua contagem não se confundem”, esclareceu.

Ocupação do imóvel deve ser resolvida na partilha de bens

Confirmando a decisão proferida pelo tribunal de segundo grau, a ministra afirmou que o direito real de habitação não se aplica em caso de divórcio. Nancy Andrighi explicou que o instituto tem por finalidade preservar o direito de moradia ao cônjuge sobrevivente, nos casos em que o imóvel seja a única propriedade residencial da herança.

Apontando a ausência de posicionamento da doutrina acerca da possibilidade de aplicação do instituto típico do direito sucessório ao direito de família, a relatora afirmou que a questão deve ser resolvida na partilha de bens do divórcio.

De acordo com a ministra, o fato de a recorrente e sua filha permanecerem morando no imóvel que antes serviu de residência para o casal “não é suficiente para que se cogite aplicar, analogicamente, o instituto do direito real de habitação”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Resumo em texto simplificado:

O STJ decidiu que o direito real de habitação – direito que assegura a uma pessoa que ela possa morar em uma determinada casa ou apartamento durante toda sua vida, mesmo que não seja dona do imóvel – somente pode ser aplicado no caso de falecimento de um dos cônjuges, e não nos casos de divórcio.

Fonte: site STJ

Atleta brasileira é acusada de abandono parental por viajar para competir

A atleta brasileira Flávia Maria de Lima, que está nas Olimpíadas de Paris para disputar os 800 metros rasos no atletismo, ganhou destaque nos últimos dias ao expor a disputa judicial que enfrenta em torno da guarda de sua filha de 6 anos. O pai da criança protocola as viagens que a velocista faz para competir em uma ação judicial que a acusa de abandono parental, segundo informações do ge.

A publicação identificou um processo que começou a tramitar em 26 de junho passado. O caso está em segredo de Justiça. Ainda não houve decisão judicial.

O abandono parental advém do abandono afetivo, que diz respeito ao abandono praticado por quem tem a responsabilidade e o dever do cuidado para com um outro parente. No caso em questão, trata-se do descuido dos pais em relação a filhos menores de idade.

Nas redes sociais, Flávia Maria de Lima contou que ficou grávida em 2018, o que fez com que ela ficasse um ano sem clube e patrocínios. Por ter disputado as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, ela contava com a bolsa de atleta olímpica. Por isso, quatro meses após dar à luz, ela voltou a treinar, conciliando a vida de atleta de alta performance com a criação de sua filha.

A atleta pediu o divórcio em 2023 e mudou de cidade para ficar mais próxima da família. Desde então, os bens a partilhar e a guarda da filha viraram tema de disputa na Justiça.

Segundo ela, o ex-marido quer que a guarda permaneça compartilhada, mas que o lar de referência seja a casa do pai, que fica a cerca de 460 quilômetros de onde a mãe reside atualmente. Ela também relata que, quando viaja para competir, a criança fica com a família materna.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Rio de Janeiro reconhece direito de criança ser registrada com nome do pai falecido antes do fim do processo de adoção

A Justiça do Rio de Janeiro permitiu que uma criança seja registrada com o nome do pai, que morreu antes do fim do processo de adoção. A ação, movida pela mãe, com auxílio da Defensoria Pública, comprovou que o homem tinha o desejo de adotar a criança antes de falecer.

De acordo com reportagem do jornal O Globo, o casal deu início ao processo de adoção em um momento em que o homem já estava debilitado por conta da Síndrome de Kartagener, condição que atinge as vias respiratórias e afeta a efetividade da concepção por meios naturais.

Três anos após o início do processo, ele faleceu, mas a esposa deu continuidade à adoção, que chegou ao fim depois de mais quatro anos, com a chegada de um bebê de três meses.

Depois disso, a mulher deu entrada na certidão de nascimento com o desejo de incluir o marido falecido como o pai da criança.

Para conseguir o direito à adoção póstuma, é preciso provar que a pessoa que faleceu durante o processo havia manifestado o desejo de adotar.

Para isso, ela apresentou à Justiça dez declarações de testemunhas — escritas de próprio punho — falando sobre a vontade do homem. Também foram adicionadas às provas as várias cartas que ele escreveu para a esposa. O hábito de trocar declarações escritas era um ritual de todos os aniversários de casamento. O desejo de ter um filho foi descrito em várias delas.

Depois de apresentar todas as evidências, a certidão foi emitida com o nome do homem como pai do menino. O reconhecimento possibilita que a criança usufrua de direitos decorrentes da filiação, como o uso do sobrenome paterno, pensão por morte e reconhecimento do vínculo afetivo.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Pará reconhece multiparentalidade: avós são declarados pais socioafetivos após a morte

Aos trinta anos, a odontóloga-periodontista Nayara Bastos Cavalcante conseguiu adequar na Justiça do Pará uma realidade que vive desde quando nasceu: a filiação socioafetiva dos avós biológicos, Ubiratan e Elza. A ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva post-mortem foi ajuizada em conjunto com os irmãos socioafetivos (tios biológicos).

Nayara é filha biológica de Elzanara, que é portadora de deficiência cognitiva e interditada civilmente. Em entrevista ao IBDFAM, ela lembra que tudo começou antes mesmo de seu nascimento. “Ubiratan e Elza, sabendo da condição da filha, procuraram saber de que maneira dentro da lei poderiam me adotar.”

Segundo Nayara, o casal descobriu que, naquela época, poderiam ter apenas a documentação da guarda, e assim o fizeram, “sabendo que esse era o único meio legal naquele momento e com esperanças de que isso bastasse para que aos olhos da lei eu fosse filha deles”.

“Nasci em 1993, em um lar onde tive uma avó/mãe amorosa e muito cuidadosa comigo e um avô/pai amoroso, meu exemplo de caráter e honestidade, meu melhor amigo, enfim, eles realmente foram tudo pra mim, e minha mãe biológica Elzanara que seguia tendo a mesma educação e cuidados que eu.”

Eu era a queridinha do papai e sempre fui muito mais agarrada com ele. Minha mãe Elza era a típica mãe mesmo, a quem eu recorria para as coisas de menina.”

Nayara diz que sempre soube que não tinha uma “família comum”. “Minha mãe biológica foi criada comigo igualmente, semelhante a uma irmã por conta de sua incapacidade. Minha avó materna também era minha mãe e meu avô materno também era meu pai, inclusive o melhor pai que eu poderia ter tido.”

“Desde que nasci meus pais já eram idosos e aposentados. Ao longo do tempo, essa diferença na idade em relação aos meus pais e os pais das pessoas da minha idade ficava mais evidente. Próximo ao fim do ensino médio, eu já era a ‘chefe’ do lar, ou seja, a responsável por todos em casa (Elzanara, Elza e Ubiratan), e também por administrar contas e etc.”

Na época de prestar vestibular, o desconforto aumentou. “Me deparei com um incômodo profundo, que sempre me deixava sensível e emotiva: na parte de colocar os dados pessoais iguais aos do RG, eu não poderia preencher no campo ‘nome do pai’, o nome do cara que foi o meu pai a vida inteira.”

“Não tive uma adolescência comum, nem vivi os momentos de lazer e viagens com colegas de faculdade, pois tinha que estar sempre cuidando dos meus pais e minha mãe biológica. Para mim, chegou mais cedo aquele momento no qual trocamos de papel com nossos pais. Mas eu apreciei cada momento, dando amor e desfrutando do amor deles.”

Direito das Famílias

Os pais socioafetivos de Nayara morreram em 2016, em um intervalo de 14 dias entre um e outro. “Meu mundo de fato caiu, apesar de eu ser o pilar da casa, apenas a presença dos meus pais ali me dava mais forças, eles ainda eram o meu chão.”

“Em todas as minhas conversas, eu sempre os citava, afinal, eles foram a minha vida. Em 2022, uma amiga me incentivou a procurar um profissional do Direito de Família, pois a lei já havia mudado e eu talvez pudesse ter o reconhecimento da minha história de vida. Ainda naquela semana, ouvindo a rádio da UNAMA, o tema foi justamente o reconhecimento da paternidade post mortem, e foi quando eu, de fato, busquei indicação de profissionais da área.”

Eu só queria ter em meu documento a verdade: que eu tive, além da minha mãe biológica, outra mãe (Elza) e que sim, eu tive um pai (Ubiratan), e finalmente conseguir preencher formulários da maneira correta, sem ficar emotiva por não poder preencher as lacunas do documento com os nomes dos meus pais de fato.”

Na ação, os autores frisaram que Nayara sempre foi reconhecida pela família como filha de Ubiratan e Elza. Todos estavam cientes e de acordo com o processo.

A maior dificuldade, segundo Nayara, foi a demora dos Correios – apenas a irmã e a mãe biológica vivem na mesma cidade. “No meu caso, houve uma audiência em fevereiro de 2024 onde todos foram ouvidos e tivemos que aguardar a manifestação do Ministério Público sobre a audiência.”

A manifestação favorável do MP chegou em 22 de maio de 2024,  e o veredito da juíza em 15 de julho. “Finalmente respirei aliviada e logo enviei para os meus irmãos e pessoas próximas que estavam torcendo por mim, e comemoramos com muita alegria!”

“Foi uma mistura de sentimentos de felicidade, gratidão e saudade dos meus pais. Consegui fazer o que eles queriam, mas infelizmente não estão mais fisicamente comigo. Nunca deixei de senti-los sempre perto, afinal eu sou uma parte de cada um deles, tudo o que sou hoje foi fruto da criação deles.”

A decisão da 1ª Vara de Família de Belém reconheceu a multiparentalidade e manteve o nome da mãe biológica no registro de Nayara, com a inclusão dos nomes dos pais socioafetivos.

Multiparentalidade

A advogada e professora Jamille Saraty, membro da diretoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Pará – IBDFAM-PA, atuou no caso. Ela explica que a multiparentalidade é o fenômeno que alcança pessoas criadas por mais de um pai e uma mãe.

De acordo com a especialista, a filiação socioafetiva já está consolidada no Direito brasileiro, mas há falta de informação acerca deste direito. “A filiação socioafetiva já está consolidada sobretudo na jurisprudência, e também por meio de resoluções do Conselho Nacional de Justiça – CNJ que regulamenta o processo extrajudicial. Ademais, leis como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECACódigo Civil – CC Lei Maria da Penha (11.340/2003), já mencionam a palavra afetividade.”

No caso dos autos, Jamille esclarece que a incapacidade da mãe foi determinante. “A adoção entre avós e netos é proibida pelo ECA, primeiro pela confusão de constituição familiar e seus efeitos, segundo pelas tentativas de fraude à previdência. No caso em comento, a relação foi natural e se desenvolveu em razão da impossibilidade da mãe de cuidar e da cliente não ter pai registrado.”

Com a inclusão, a filha se torna herdeira dos avós. A partilha, porém, já havia sido realizada de forma fática, pois os demais herdeiros estavam de acordo. A autora também permanece como herdeira da mãe, tendo em vista que o vínculo não foi desfeito.

O principal desafio enfrentado por famílias que buscam o reconhecimento da filiação socioafetiva, segundo a advogada, é a falta de informação sobre direitos e vias competentes para o pleito. “Também ainda enxergo uma certa reticência dos magistrados sobre o assunto.”

“Vejo como fundamental o papel do advogado para a melhor fundamentação do pedido. A ação era de jurisdição voluntária, por exemplo, no entanto, o Ministério Público e o juiz decidiram por bem, fazer uma audiência de justificação”, comenta.

Jamile afirma que, apesar de o CNJ regular o assunto, é imprescindível que o tema seja abordado no Código Civil de forma expressa.

Por Débora Anunciação

Fonte: site IBDFAM

Sem indução ao erro, não é possível anular registro de paternidade

Para ser possível a anulação do registro de nascimento, um dos requisitos é a prova robusta de que o pai foi induzido a erro, ou ainda que tenha sido coagido a documentar como filho uma criança com a qual não tem ligação biológica.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um homem que, mesmo sem ter certeza da paternidade, registrou uma criança como seu filho.

Ele próprio testemunhou que, ao iniciar o relacionamento, a mulher já dava sinais característicos da gravidez, como enjoos, e que ela se declarou grávida apenas uma semana depois.

O homem teve união estável com a mãe da criança entre 2013 e 2015, período no qual houve o nascimento. Em 2020, ele ajuizou ação negatória de paternidade, após confirmar por exame de DNA que não é o pai. O pedido foi negado.

Vale o registro

A 3ª Turma do STJ manteve essa conclusão. Relatora, a ministra Nancy Andrighi observou que o registro civil tem valor absoluto e só pode ser modificado em situações em que houver vício de consentimento.

A regra está no artigo 1.604 do Código Civil: ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

A simples negligência de quem registrou não basta para permitir a negatória de paternidade. Além disso, a medida não pode gerar prejuízo às crianças e adolescentes pelas condutas de seus pais registrais.

Com isso, a jurisprudência se firmou no sentido de que a anulação da paternidade só é cabível se houver prova robusta de que o pai foi induzido a erro e não houver relação socioafetiva com o filho.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, sentença e acórdão mostram que não houve indução inequívoca ao erro, já que o autor da ação já suspeitava de que não seria o pai e, mesmo assim, de livre e espontânea vontade, fez o registro.

“Para além disso, a despeito de se tratar de um fato intuitivo, o recorrente foi alertado por terceiro para o fato de que a criança não poderia ter sido concebida na constância de sua relação com a mãe do recorrido, mas, ainda, sim, efetivou o registro civil em seu próprio nome”, concluiu a relatora.

Fonte: site Conjur

STJ: Mãe que mora com a filha não pagará aluguel do imóvel a ex-marido

Mulher não precisará pagar aluguéis ao ex-marido pelo uso do imóvel comum. Assim decidiu a 3ª turma do STJ ao considerar que a indenização seria cabível apenas em caso de uso exclusivo do bem, hipótese afastada, pois o local também serve de moradia para a filha do ex-casal.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, destacou a possibilidade de converter eventual indenização em uma parcela in natura da prestação de alimentos, na forma de habitação.

Após a separação, o ex-marido entrou com uma ação solicitando o arbitramento de aluguéis contra a ex-esposa, que continuou a residir na casa com a filha. O juiz de primeira instância negou o pedido, alegando que a partilha de bens seria necessária para determinar a possível indenização pelo uso do imóvel.

O TJ/SP reverteu a decisão, determinando o pagamento dos aluguéis para evitar o enriquecimento ilícito da ex-esposa, considerando que ela estaria usando o imóvel de forma exclusiva.

No entanto, ao analisar o recurso no STJ, Nancy Andrighi ressaltou que a jurisprudência permite a cobrança de aluguéis entre ex-cônjuges quando um deles utiliza o imóvel comum de forma exclusiva, mesmo antes da partilha de bens. Contudo, no caso em questão, o imóvel é compartilhado entre a mãe e a filha, o que elimina a posse exclusiva e, consequentemente, o direito à indenização.

Arbitramento de aluguéis

Nancy Andrighi, citando um precedente da 4ª turma que tratou de situação similar, destacou que a obrigação alimentícia, geralmente paga em dinheiro, pode ser fixada in natura, como bens ou serviços destinados ao filho, incluindo a moradia.

“Conquanto não seja lícito, de regra, alterar unilateralmente o modo de prestação dos alimentos (de pecúnia para in natura e vice-versa), em virtude do princípio da incompensabilidade dos alimentos, há precedentes desta corte que, excepcionalmente, admitem essa modificação justamente para impedir que haja enriquecimento ilícito do credor dos alimentos, de modo que a eventual indenização por fruição do imóvel comum também repercutirá nos alimentos a serem fixados à criança ou ao adolescente”, afirmou.

A relatora ainda argumentou que o pagamento de aluguéis seria impraticável, visto que os ex-cônjuges ainda discutem na ação de partilha qual seria o percentual de direito do ex-marido no imóvel. “Por qualquer ângulo que se examine a questão, pois, não há que se falar em enriquecimento sem causa da recorrente”, concluiu.

Fonte: site Migalhas

Justiça autoriza inclusão de multa por traição em pacto antenupcial

Embora pareça estranha, é legítima a pretensão de um casal de fixar multa para o caso de infidelidade em um pacto antenupcial. O Código Civil Brasileiro já prevê o dever de fidelidade, e a cláusula penal serve, nesse contexto, para reforçar o cumprimento do dever.

Além disso, o poder público deve exercer a mínima interferência possível na esfera privada. Assim, o pacto antenupcial, como fruto da deliberação conjunta do casal e da autonomia privada, serve para que eles escolham termos que melhor se adequem à vida que escolheram levar a dois.

Com essa justificativa, a juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte, julgou improcedente a dúvida suscitada por uma tabeliã do cartório de registro Civil e Notas na capital mineira e autorizou a lavratura de um pacto antenupcial com cláusula penal que estabelece multa de R$ 180 mil em caso de eventual traição de qualquer uma das partes.

A juíza destacou, ainda, que o acordo é um negócio jurídico, que não impede que sejam previstas regras extrapatrimoniais, desde que não sejam contrárias à legislação brasileira.

De acordo com os autos, uma oficial do cartório havia levantado “dúvida registral” a respeito de um requerimento do casal durante o procedimento de habilitação de casamento com opção pelo regime de separação de bens.

A tabeliã rejeitou parte do conteúdo do pacto antenupcial por considerar que esse instrumento “deve se restringir a tratar do regime de bens entre os cônjuges”. O casal, inconformado, recorreu à Justiça.

Em sua sentença, a juíza deixa claro que a exigência do casal não contraria as leis brasileiras, já que o dever de fidelidade mútua também é previsto no Código Civil Brasileiro — artigo 1.566, inciso I. Segundo ela, a multa como punição somente reforçaria o cumprimento desse dever.

“A questão da possibilidade de tal inclusão é bastante controvertida e tem suscitado discussões no meio doutrinário, parecendo-me mais adequada, a par dos substanciosos argumentos apresentados pela zelosa Tabeliã, a posição daqueles que a admitem. É que o pacto possui natureza de negócio jurídico, de modo que, embora seu conteúdo primordial seja mesmo patrimonial, acerca do regime de bens adotado pelo casal, nada obsta que possam os nubentes também, no referido instrumento, estabelecer ajustes extrapatrimoniais, desde que não contrários à legislação brasileira”, sustentou a juíza Maria Luiza em sua decisão.

O pacto antenupcial nos moldes pretendidos pelo casal, explica a magistrada, deve observar as balizas impostas pelo artigo 104 do Código Civil, quais sejam, a de ter partes capazes, objeto lícito e forma legal.

Para sustentar tal decisão, ela cita Maria Berenice Dias, autora do Manual de Direito das Famílias, que aponta a inexistência de impedimento para que as pessoas que vão se casar determinem, também, questões de natureza não patrimonial, uma vez que o exercício da autonomia privada das partes encontraria limitação apenas na lei.

No mesmo sentido, Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), em artigo publicado em 17/10/22, sob o título “Cláusulas existenciais em pactos antenupciais e contratos em direito de família — o ‘debitum’ e o crédito conjugal”, pontuou que “com o realce e valorização da autonomia privada, começam a fazer parte de nossa realidade jurídica, as cláusulas existenciais nos pactos antenupciais, como já acontece em outros países. Se tais cláusulas não ferem a ordem pública, elas terão validade e eficácia”.

Ainda a corroborar essa posição, há o Enunciado 635 da VIII Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar.”

O Ministério Público havia se manifestado apenas pelo regular prosseguimento do feito.

Pacto antenupcial
O pacto antenupcial é uma ferramenta importante no contexto do planejamento sucessório, uma vez que permite às partes adotar um regime de bens diferente da comunhão parcial, que é aquele que a lei determina como o regime legal, que será aplicável em caso de silêncio das partes nesse sentido (art. 1.640, caput e § único, do Código Civil – “CC”), de acordo com Marcelo Paolini, do escritório L.O. Baptista.

Contudo, um pacto antenupcial com fixação de multa em caso de traição, conforme o caso mineiro, é praticamente uma novidade.

“Esse tipo de pacto é incomum. Mas temos assessorado clientes, cada vez mais, na elaboração de pactos mais arrojados, como por exemplo aqueles dispondo sobre regimes de casamento híbridos, ou seja, escolhendo outros regimes que não estão previstos em lei — comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação total de bens e participação final nos aquestos. Ou mesmo dispondo sobre pagamento de alimentos de um cônjuge a outro, em bases que aumentam à medida em que o casamento dura mais tempo, ou que o casal tenha mais filhos. As pessoas estão buscando maior criatividade e maiores regras, para os pactos antenupciais, a exemplo do que já ocorre nos Estado Unidos”, explica Paolini.

O advogado esclarece, ainda, que a utilização do pacto não se resume apenas à escolha do regime de bens, podendo disciplinar outras questões, inclusive extrapatrimoniais, desde que não violem os princípios da dignidade humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar.

Os chamados direitos indisponíveis, como a dispensa na prestação de alimentos (art. 1.707 do CC) ou a renúncia à participação na herança pelo cônjuge supérstite (art. 426 do CC), tampouco podem ser objeto do pacto.

Para o especialista, a decisão da juíza de Minas Gerais representa um marco no âmbito do direito de família, uma vez que reconhece o direito à intimidade e à autonomia do casal no âmbito de seu relacionamento e limita a intervenção estatal nesse sentido. “A decisão ratifica a amplitude de direitos que podem ser dispostos por meio dessa ferramenta”, afirma Paolini.

“A regulamentação dessa e de outras questões relativas a direitos disponíveis das partes, por meio da celebração do respectivo pacto, não só pode evitar o surgimento de conflitos entre as partes, como também contribuir para a preservação do patrimônio comum e dos laços afetivos entre elas”, diz.

No entanto, para que a utilização mais ampla do pacto seja de fato benéfica para os envolvidos, é importante que o documento seja redigido de forma adequada, não somente para retratar fielmente os receios de cada qual das partes, como para assegurar que as avenças serão, de fato, exequíveis.

Fonte: site Conjur

Justiça de Minas Gerais anula casamento entre mulher de 36 anos e homem de 92

A Justiça de Minas Gerais anulou o casamento entre uma mulher, de 36 anos, e um idoso, de 92, por entender que se tratava de uma fraude. A decisão é do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, que modificou a sentença da primeira instância.

De acordo com o Tribunal, o casamento aconteceu em 2016, no município vizinho onde os dois moravam, e a intenção da mulher seria receber benefícios previdenciários e assistência de saúde do Instituto de Previdência dos Servidores Militares do Estado de Minas Gerais – IPSM.

Segundo a denúncia do Ministério Público – MP, ela preencheu documento público com informação falsa, ao declarar que morava no município onde se casou.

O MP entrou com um pedido para que o casamento fosse anulado, devido à mulher ter um relacionamento com o neto do idoso, com quem tinha três filhos. O órgão também pediu que a mulher pagasse indenização por danos morais coletivos.

Ela se defendeu e negou haver fraude. A mulher apresentou testemunhas, o que convenceu o juiz da comarca.

As instituições recorreram. O relator modificou a decisão sob o fundamento de que ficou claro que a mulher tinha um relacionamento com o neto do policial reformado, e que dessa união estável nasceram três filhos.

O magistrado concluiu que a mulher se casou com o avô do companheiro para ter acesso a benefícios previdenciários e à assistência de saúde de forma fraudulenta. Entretanto, o juiz convocado como desembargador negou às instituições o pedido de indenização por danos morais coletivos.

Comissão da Câmara aprova PL que permite a maior de 70 anos escolha do regime de bens

A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa aprovou proposta que permite à pessoa maior de 70 anos optar pelo regime de bens a ser adotado no casamento.

Atualmente, o Código Civil obriga a adoção do regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos.

A proposta do relator, deputado Marcos Tavares (PDT-RJ), unifica seis propostas (Projetos de Lei 189/20156305/20194428/2021362/2024494/2024 e 594/2024).

De acordo com o texto, aqueles que se casaram antes de sua promulgação poderão optar pela alteração do regime de bens.

A proposta ainda será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: site IBDFAM

Família multiespécie: guarda compartilhada de cães firmada em cartório impede busca e apreensão

De forma unânime, a 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC entendeu que a guarda compartilhada de cães firmada em cartório por um ex-casal impede busca e apreensão. O entendimento é de que não é possível deferir a medida cautelar com base em vínculo afetivo, se as partes estabeleceram o regime de guarda em contrato particular.

No caso, o ex-casal firmou um contrato de guarda compartilhada de dois cachorros após a dissolução da união estável. O contrato estipulou que os animais ficariam sob os cuidados do homem, com permanência alternada em favor da mulher.

A ação

Conforme consta nos autos, o autor afirmou que a ex-companheira não devolveu os animais na data combinada. Argumentou que foi até a residência da mulher e conseguiu “resgatar” o cachorro macho, mas ela teria se recusado a devolver a fêmea.

Em resposta à citação, a mulher justificou que os animais foram dados a ela pelos pais – a fêmea teria, inclusive, sido um presente de aniversário da própria mãe. Alegou ainda ser ela quem cuidava e dava carinho aos cães, os quais ficaram residindo com ela na casa do casal após a dissolução da união estável.

Ainda segundo a mulher, o ex-companheiro deixou de pagar as contas básicas da casa, o que a obrigou a voltar a residir com sua mãe. Foi nessa época que o homem teria buscado os animais sem o seu consentimento e efetuado o registro de guarda unilateral.

Por fim, a mulher explicou que foi realizado um contrato de guarda compartilhada. O ex-companheiro, no entanto, teria ido até a sua casa antes do prazo estipulado para buscar os cães, ocasião na qual conseguiu levar apenas um.

O pedido do autor foi indeferido em primeiro grau. No recurso ao TJSC, o homem justificou que o vínculo afetivo com os animais não foi levado em conta.

Segundo ele, a sentença de origem tratou os animais como meros objetos, motivo pelo qual requereu o provimento do recurso para a reforma da sentença.  Ao avaliar o recurso, porém, a relatora concluiu que cada cão deve permanecer na residência do guardião responsável por seus cuidados.

“Não obstante, o acórdão tenha considerado a priorização do vínculo afetivo estabelecido entre o ser humano e o animal e reformado o entendimento firmado pela magistrada de que a partilha dos animais deveria se dar pelo prisma do direito de propriedade, restou determinada a manutenção do compartilhamento da guarda e o direito de visitas nos termos do acordo realizado entre as partes, com a ressalva de que cada cão permanece na residência daquele guardião que exerce os seus cuidados”, registrou.

Processo: 0301188-08.2018.8.24.0057.

Acordo

“Alguns casais estipulam em contrato o que sucederá com seu animal de estimação em caso de rompimento da relação. Em havendo um contrato, estes devem respeitar o acordo. Caso contrário, um pedido poderá ser feito ao juiz para que seja respeitado.” É o que explica a advogada Tereza Rodrigues Vieira, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

Segundo a especialista, o animal de estimação é um ser vivo senciente e, portanto, não pode continuar a ser considerado propriedade. “Apesar de nenhum texto legal atual prever disposição especial concernente ao animal de estimação, em caso de separação do casal, este animal deverá ser tratado de maneira especial, considerando suas peculiaridades.”

Se o ex-casal não chegar a um acordo, este poderá solicitar um mediador para ajudá-los a encontrar um ponto em comum. Assim, os ex-cônjuges/ex-companheiros poderão determinar quem cuidará do animal, quem cobrirá as despesas relacionadas ao animal e em que proporção”, esclarece.

A advogada afirma que as partes também podem organizar um cronograma de guarda compartilhada ou até de “direitos de acesso” para passear com o cachorro alguns dias da semana.

Caso o acordo não seja possível, acrescenta Tereza, pode-se recorrer ao Judiciário. “O juiz poderá determinar o cumprimento do contrato que prevê como será compartilhada a guarda do animal em caso de rescisão.”

Ela exemplifica: “Se o animal tiver sido adotado para o filho do casal, o magistrado poderá decidir que ele siga o filho. Este poderá ser o caso se a presença do animal ajudar a melhorar a saúde da criança, como um cão de serviço ou outro animal adquirido por motivos terapêuticos. Poderá o juiz, inclusive, ordenar que as despesas de manutenção do animal sejam divididas entre os ex-cônjuges/companheiros”.

Vínculo

Tereza Rodrigues Vieira explica que os animais ainda são legalmente considerados semoventes, ou seja, propriedade – “embora já se lute há muito tempo para que a sensibilidade e a senciência dos animais de estimação sejam reconhecidas pelo Direito, uma vez que o vínculo entre os animais e os seres humanos tem-se fortalecido e assumido grande importância nas famílias.”

“Felizmente, a jurisprudência e a doutrina brasileira já reconhecem a afetividade nas relações da família multiespécie como bem ressaltamos na nossa obra ‘Família Multiespécie: animais de estimação e Direito’”, lembra.

De acordo com a especialista, quem adotou o animal, antes de iniciar a relação, terá a guarda após a separação. No entanto, ela destaca: “As pessoas devem encontrar uma solução amigável, posicionando-se consoante o bem-estar do animal e não visando o seu próprio interesse”.

“Pode-se dizer que, quando a residência habitual dos filhos é fixada com um dos pais, é comum que o juiz de família confira a guarda do animal a esse progenitor, pois os laços de apego das crianças ao animal também são considerados”, pontua a advogada.

Guarda

Tereza reconhece que a guarda alternada do animal é uma possibilidade. “Os ex-cônjuges são livres para se organizarem entre si, de forma amigável.”

“Em geral, em caso de separação, quem fica com a guarda do animal arca naturalmente com as custas. Contudo, amigavelmente, os ex-cônjuges podem fornecer uma quantia mensal paga para a sua manutenção, vacinas e custos veterinários. O juiz também poderá determinar sobre a manutenção e tratamento”, comenta.

Ainda segundo a especialista, a maioria das decisões nesta seara tem considerado vários critérios, entre eles, o bem-estar do animal, vínculos de afeto e apego, o tamanho do alojamento, condições de vida do animal e capacidade de cuidar do animal.

“O solicitante da guarda deve comprovar que pode cuidar do animal no dia a dia, caminhar com ele e levá-lo ao veterinário. Isso envolve não deixar o animal sozinho por muito tempo, estar disponível e saber cuidar dele”, frisa.

Desafios

Para a advogada, a separação de um casal, com ou sem animais de estimação, é sempre conflitante. O diálogo, segundo ela, é essencial para “minimizar conflitos e tensões relacionados à guarda conjunta de animais de estimação, sem mágoas ou sentimentos de vingança”.

“O cuidado conjunto de animais de estimação pode ser uma opção viável, mas deve ser abordado com cuidado, uma vez que pode levar o animal ao sofrimento. O bem-estar animal deve conduzir a decisão”, observa.

Tereza sugere que consultar um advogado ou mediador é importante para que o acordo funcione para ambas as partes, e para o próprio animal. “Ao se ponderar sobre a guarda conjunta, há que se considerar as necessidades e sentimentos do animal, bem como a adaptação do animal a dois espaços de convivência.”

“É possível que, na prática, a guarda conjunta não seja a melhor opção para alguns ex-casais, podendo os mesmos refletirem sobre outras soluções, tais como: cuidados apenas nas férias escolares, cuidados quando o outro está impossibilitado em decorrência de doença, viagem, exames. Em todos os casos, é importante colocar em primeiro lugar as necessidades do animal e ter em conta o seu bem-estar e conforto”, conclui a especialista.

Por Débora Anunciação

Fonte: site IBDFAM

Juíza permite paternidade biológica e socioafetiva em registro

Criança poderá ter dupla paternidade em registro – a biológica e a socioafetivo. Decisão da juíza de Direito Fernanda Mendes Gonçalves, da vara Única de Nova Granada/SP, determinou o reconhecimento da dupla paternidade ao ressaltar que não há prejuízo à criança constar no registro a dupla paternidade.

A ação foi proposta para investigar a paternidade de uma criança, com o objetivo de reconhecer tanto a paternidade biológica quanto a socioafetiva. A mãe da criança teve um relacionamento com o pai biológico durante a gestação, mas estabeleceu um relacionamento estável com um segundo homem, que registrou a criança como seu filho e formou um vínculo afetivo com ela desde o nascimento.

A juíza ressaltou que a paternidade não é apenas um fato biológico, mas também um fato cultural e afetivo. A decisão destacou a jurisprudência do STJ e do STF, que reconhecem a importância da parentalidade socioafetiva.

Segundo a magistrada, para configurar a paternidade socioafetiva, é necessário comprovar a posse do estado de filho, que se manifesta no tratamento entre aqueles que se consideram pai e filho, e o reconhecimento dessa relação perante a sociedade.

“Não há prejuízo à criança constar no registro dupla paternidade – biológica e socioafetiva. Ao contrário, a multiparentalidade contempla preceito constitucional que protege a família como base para a formação e o crescimento de crianças e adolescentes.”

No caso, foi constatado que o pai socioafetivo e a criança mantinham uma relação afetiva genuína, sendo reconhecidos como pai e filho em seu ambiente de convivência. Além disso, o laudo pericial confirmou a paternidade biológica com 99,999% de probabilidade, o que juridicamente é considerado prova certa da paternidade.

A sentença julgou procedentes os pedidos, reconhecendo a paternidade socioafetiva do pai registral e a paternidade biológica do pai biológico em relação à criança. A decisão determinou a retificação da certidão de nascimento da criança para incluir o nome do pai biológico, mantendo o nome do pai socioafetivo.

Além disso, foi determinado o acréscimo dos sobrenomes paternos, conforme solicitado na petição inicial.

A advogada Marcella Ismael Ribeiro, do Ismal & Ribeiro Advogados, atua no caso.

Processo: 1001830-75.2023.8.26.0390
O processo tramita em segredo judicial.

Fonte: site Migalhas