Uma mulher que foi criada pela avó já falecida desde a infância conseguiu na Justiça de Santa Catarina o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A decisão foi proferida pela 1ª Vara da Família de Joinville.
De acordo com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC, a autora alegou, na ação, que buscava formalizar na certidão de nascimento um vínculo materno estabelecido pela convivência e pelo afeto.
Ao avaliar a questão, o juiz responsável pelo caso destacou que o direito à filiação está fundamentado em valores constitucionais, como o respeito à dignidade humana. Além disso, pontuou que a filiação não se limita à relação biológica.
O magistrado também destacou que o vínculo com a mãe biológica não inviabiliza o reconhecimento da maternidade socioafetiva, já que ambos os tipos de filiação podem coexistir sem hierarquia. A questão, segundo ele, limita-se à ordem do direito privado e personalíssimo, de forma que inexiste proibição legal no caso concreto.
O juiz ressaltou ainda que questões relacionadas à herança devem ser discutidas em uma ação específica, já que a Vara da Família tem competência apenas para o reconhecimento da filiação.
Assim, foi determinada a averbação do nome da avó como mãe na certidão de nascimento da autora. O processo tramitou em segredo de justiça.
Parentesco consolidado
O advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que o reconhecimento da filiação socioafetiva está consolidado no Direito das Famílias brasileiro há muitos anos, inclusive nas relações materno-filiais.
“Em regra, para tais reconhecimentos, a Justiça exige a presença dos requisitos inerentes à posse do estado de filho, bem como a manifestação de vontade expressa do pretenso ascendente no sentido de admitir a referida filiação. Esse reconhecimento representa uma concretização do princípio da afetividade na filiação. Para que o vínculo seja reconhecido, é usual demonstrar a existência de um relacionamento filial socioafetivo, público, duradouro e amplamente reconhecido socialmente”, afirma.
Ele acrescenta que já foi admitida no Direito das Famílias brasileiro a possibilidade de reconhecimento de tais relações em grau de multiparentalidade, especificamente em casos de multimaternidade. Ou seja, nessas hipóteses, mantém-se a condição da mãe biológica – muitas vezes já registrada – com a inclusão de uma outra mãe socioafetiva que tenha demonstrado a presença dos requisitos necessários ao seu reconhecimento.
“A multiparentalidade também já tem respaldo nos tribunais superiores, sendo reiterado que tal relação deve receber os mesmos direitos e atribuições relativos a qualquer filiação”, pontua.
No que se refere à possibilidade de reconhecimento de uma maternidade socioafetiva em face de uma avó biológica, ele afirma que o caso deve ser analisado com atenção.
“Em regra, os avós permanecem no papel de avós, e os pais, no papel de pais. Entretanto, existem situações excepcionais, muito singulares, em que, com base nos aspectos fáticos, tem sido reconhecida pontualmente a possibilidade de estabelecer a filiação socioafetiva em face de uma avó biológica, como no caso concreto”, observa.
E conclui: “Ainda que existam precedentes, inclusive no Superior Tribunal de Justiça – STJ e em alguns tribunais estaduais, essa situação exige uma análise detalhada dos elementos fáticos. É fundamental compreender o contexto em que tais deliberações são tomadas, considerando que se trata de casos excepcionais, não usuais, que demandam atenção e cautela”.
Fonte: site IBDFAM