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TJSP mantém penhora sobre herança apesar de cláusula de impenhorabilidade

O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, por meio da 35ª Câmara de Direito Privado, restabeleceu a penhora sobre a parte que uma devedora possui em inventário, mesmo diante da existência de cláusula de impenhorabilidade prevista em testamento. A medida havia sido revogada pelo juízo de primeira instância sob o argumento de que os bens herdados estariam protegidos por restrições de inalienabilidade e incomunicabilidade.

Segundo a advogada Ana Carolina Tedoldi, membro da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a cláusula de impenhorabilidade tem caráter protetivo, mas não pode ser utilizada para impedir o pagamento de dívidas anteriores à sua instituição.

“A cláusula de impenhorabilidade prevista em testamento – assim como as de inalienabilidade e incomunicabilidade – tem natureza protetiva e não absoluta. Ela visa resguardar o patrimônio transmitido de riscos futuros e eventuais, especialmente quando há justa causa. Entretanto, tais cláusulas não podem ser utilizadas para frustrar a satisfação de dívidas preexistentes à instituição da restrição, sob pena de caracterizar fraude contra credores”, explica.

Caso concreto

No caso analisado, uma empresa recorreu da decisão que havia blindado a penhora sobre a herança de uma mulher devedora. Inicialmente, o juízo de primeiro grau havia acolhido a tese da executada, entendendo que o testamento tornava o patrimônio impenhorável.

A credora, no entanto, sustentou que a cláusula de impenhorabilidade tem como objetivo proteger o patrimônio transmitido apenas contra dívidas futuras e eventuais, “jamais podendo ser utilizada como instrumento de blindagem para afastar a satisfação de dívidas anteriores, já líquidas, certas e exigíveis”.

Ao julgar o recurso, os desembargadores observaram que a alegação de impenhorabilidade foi apresentada tardiamente pela devedora – o que poderia caracterizar preclusão – e que a restrição não se aplicaria necessariamente à totalidade do quinhão hereditário, uma vez que a executada é herdeira necessária, e não apenas legatária.

“O herdeiro necessário – descendente, ascendente ou cônjuge/convivente – é aquele que tem direito à legítima, isto é, à metade do patrimônio do falecido, que não pode ser disposta livremente por testamento, conforme o art. 1.845 do Código Civil. Já o legatário recebe um bem ou quota específica por liberalidade testamentária, fora da legítima. Essa distinção é relevante porque as cláusulas restritivas impostas pelo testador sobre a legítima precisam de justa causa”, esclarece Ana Carolina Tedoldi.

O Tribunal também ponderou que, caso a penhora fosse suspensa e o recurso da credora posteriormente acolhido, haveria risco de ineficácia da decisão. Por essa razão, concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento, determinando que a penhora permaneça válida até o julgamento final do recurso.

Com isso, a parte da herança pertencente à devedora seguirá vinculada para garantir o pagamento da dívida em discussão no processo de execução.

Efeitos

Ana Carolina Tedoldi avalia que o entendimento adotado pelo TJSP, embora não seja novo, tende a se consolidar e ganhar força prática em decisões futuras.

“Ele reforça que as cláusulas restritivas não podem ser utilizadas como instrumentos de proteção patrimonial ilícita, especialmente diante de débitos anteriores à sucessão. Para o Direito das Sucessões, os reflexos são dois: de um lado, preserva-se a efetividade da execução e a boa-fé nas relações patrimoniais, impedindo que o testamento seja usado como ‘escudo’ para frustrar credores; de outro, assegura-se a segurança jurídica dos testamentos válidos, desde que as restrições sejam impostas com justa causa legítima e voltadas à proteção futura do herdeiro ou da família, e não à evasão de dívidas”, aponta.

Para a especialista, a decisão reafirma que “a autonomia da vontade do testador encontra limites na função social da propriedade e na boa-fé objetiva, princípios que impedem o uso de cláusulas restritivas como meio de fraudar credores”.

Processo 0054322-92.2022.8.26.0100

Fonte: site IBDFAM

TJRS mantém testamento em favor de ex-esposa mesmo após 20 anos do divórcio

Em uma ação de nulidade e anulação testamentária, a Justiça do Rio Grande do Sul manteve válido o testamento deixado por um homem em favor de sua ex-esposa, mesmo após mais de 20 anos do divórcio. A decisão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado reformou a sentença de primeira instância, que havia acolhido o pedido de anulação do documento.

Segundo os autos, a ação foi ajuizada pelo espólio, representado pelos herdeiros necessários do falecido, com o objetivo de anular o testamento público lavrado em 1992, no qual o testador destinou a parte disponível de sua herança à ex-esposa, com quem foi casado entre 1983 e 2004.

O Tribunal de origem julgou procedente o pedido, sob o fundamento de que o tempo que estiveram separados poderia indicar que a intenção de beneficiar a ex-esposa teria se extinguido com o divórcio. A decisão ainda ressaltou que o desconhecimento jurídico do falecido poderia explicar a ausência de revogação do testamento.

A defesa da ex-esposa recorreu, e a Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença e manteve válido o testamento, por unanimidade. O Tribunal explicou que, de acordo com o artigo 1.969 do Código Civil, um testamento só pode ser cancelado da mesma forma que foi feito. Como o falecido não cancelou o documento em vida e não houve prova de erro, fraude ou pressão, não havia razão legal para anulá-lo.

Liberdade do testador

A advogada Mariane Bosa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso representando a ex-esposa. “A decisão reforça a liberdade do testador, reconhecendo que o testamento, como manifestação de última vontade, só pode ser revogado conforme as situações previstas em lei”, comenta.

Para ela, o Tribunal reafirma que a vontade do testador só pode ser alterada por manifestação expressa e formal, mantendo o testamento válido mesmo após o divórcio.

“O acórdão reforça a importância do testamento público, garantindo segurança jurídica às disposições nele contidas e preservando a autonomia da vontade do testador. Dessa forma, evita-se que interpretações subjetivas ou presunções infundadas comprometam a validade de um ato juridicamente perfeito, elaborado sem vícios e em conformidade com as formalidades legais”, destaca.

Para sustentar a validade do testamento mesmo após o divórcio do casal, a defesa adotou uma série de estratégias jurídicas, tais como demonstrar que a disposição testamentária indicou a beneficiária pelo nome, sem referir-se a ela como cônjuge ou companheira. “Isso demonstra que a manutenção do vínculo conjugal não constituía requisito para a eficácia da liberalidade”, explica a advogada.

Cláusula de substituição

Segundo ela, o testador incluiu uma cláusula de substituição testamentária, determinando que, em caso de falecimento de ambos, a herança seria destinada aos filhos da beneficiária, mesmo que não fossem seus herdeiros necessários.

“Ao longo da vida, o falecido lavrou quatro testamentos em favor da mesma pessoa, inclusive antes do casamento e após a separação judicial, revogando expressamente cada instrumento anterior, o que demonstra pleno conhecimento do procedimento. Além disso, ele teve 28 anos para revogar o último testamento, mas não o fez, mesmo após ser diagnosticado com doença terminal e ao formalizar nova união estável, pontua.

A especialista destaca que o testamento só pode ser anulado em casos de erro, dolo, coação, simulação, fraude ou descumprimento de formalidade. “Nenhum desses vícios foi constatado no caso. O testador exerceu sua autonomia plena, no limite da legítima, inexistindo qualquer prova contrária à sua expressa vontade.”

Ela frisa ainda que estamento é um ato de última vontade e que a validade do documento não depende da existência de vínculo afetivo, salvo quando houver disposição expressa em sentido contrário. “Não se pode presumir o contrário, devendo a decisão judicial apoiar-se em fatos e provas, e não em meras suposições”, completa.

Rigor da lei

Mariane Bosa avalia que a decisão terá impacto em casos futuros, ao consolidar que a revogação de testamentos deve seguir rigorosamente a lei, sem se basear em presunções.

“Caso contrário, correria-se o risco de desvirtuar o instituto do testamento, abrindo espaço para interpretações subjetivas sobre a verdadeira vontade do falecido. O julgamento consolidou que o mero divórcio, por si só, não demonstra a intenção de o testador revogar o testamento, especialmente quando a liberalidade não estava condicionada ao vínculo conjugal e a beneficiária não era classificada como cônjuge”, analisa.

A advogada argumenta ainda que o casamento não é prova definitiva de afeto, assim como a ausência de vínculo conjugal não indica necessariamente sua inexistência. “Trata-se de elemento subjetivo e sem definição legal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ já assentou que: ‘não há dever de amar, mas sim obrigação de cuidar’.”

Ela ressalta ainda que a lei não exige a manutenção de vínculo afetivo com o herdeiro testamentário, salvo quando houver condição expressa. Sendo assim, “qualquer exigência nesse sentido representaria uma restrição indevida à liberdade do testador de dispor da parte disponível de seu patrimônio”.

Fonte: site IBDFAM