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Justiça do Mato Grosso do Sul reconhece paternidade socioafetiva e permite exclusão de sobrenome paterno

A Justiça de Mato Grosso do Sul reconheceu a paternidade socioafetiva de um adolescente e autorizou a exclusão do sobrenome do pai biológico, ausente desde o nascimento. A decisão é da 2ª Vara da Comarca de Bonito, que atendeu ao pedido da mãe do jovem e de seu companheiro, responsável por exercer, na prática, a função paterna ao longo dos anos.

De acordo com os autos, o genitor apenas registrou o menino, mas nunca manteve qualquer contato ou vínculo afetivo com ele. Por outro lado, desde o primeiro ano de vida do adolescente, quem assumiu integralmente os cuidados e a criação foi o padrasto, que compartilha a vida familiar com a mãe do jovem.

O pedido foi fundamentado em provas documentais e fotográficas que demonstram a convivência, o afeto e a atuação contínua da figura paterna socioafetiva.

Com a decisão, o adolescente terá o registro civil retificado: o sobrenome herdado do genitor será suprimido, e o sobrenome do padrasto será incluído.

A Justiça sul-matogrossense reconheceu que, apesar da regra de imutabilidade dos registros civis, a jurisprudência admite a retirada do sobrenome em casos de abandono afetivo, como forma de proteger a dignidade e identidade da pessoa.

No entanto, o juiz manteve o nome do pai biológico no registro de nascimento, argumentando que o estado de filiação, por se tratar de dado jurídico e social relevante, não pode ser excluído apenas pela vontade das partes.

Diante disso, a defesa da família informou que irá recorrer parcialmente da decisão, buscando a exclusão completa do nome do pai registral.

Avanço

Para a advogada Marla Diniz Brandão Dias, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão representa um avanço importante.

“Esse caso é especialmente significativo porque o adolescente jamais teve qualquer contato com o pai biológico – alguém que apenas o registrou e nunca mais participou de sua vida. Durante todos esses anos, ele carregou o sobrenome de um homem com quem não mantém qualquer vínculo afetivo”, avalia.

“Conviver diariamente com esse nome, símbolo de uma ausência, era uma fonte constante de dor. Agora, essa realidade vai mudar: ele passará a levar o sobrenome de quem realmente esteve ao seu lado, cuidando, amando e exercendo a verdadeira paternidade – seu padrasto”, afirma.

Ela considera uma conquista o reconhecimento do direito de retirar o sobrenome do genitor, embora a família ainda precise recorrer para obter a exclusão total do nome do pai biológico.

“O reconhecimento do direito de retirar o sobrenome do pai biológico é, sobretudo, louvável, já que esse tipo de situação só recentemente passou a ser admitida pela Justiça. Vamos recorrer parcialmente da decisão, pois ainda buscamos a exclusão completa do nome do pai biológico, para que conste apenas o sobrenome do pai socioafetivo. De qualquer forma, essa já é uma grande vitória para essa família”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça de Goiás reconhece maternidade socioafetiva de avó biológica que cria neta desde o nascimento

A Justiça de Goiás reconheceu a filiação socioafetiva de uma avó que cria a neta desde que ela nasceu. A decisão da 1ª Vara de Família da Comarca de Goiânia também determinou a retificação do registro civil da criança para incluir o nome da avó como mãe, sem retirar os nomes dos pais biológicos.

Segundo os autos, a mãe biológica, sem condições emocionais e financeiras de assumir os cuidados da filha recém-nascida, entregou a criança ainda na maternidade para que fosse criada pela avó materna. Desde então, a avó assumiu integralmente o papel de mãe, oferecendo afeto, sustento, educação e cuidados diários. A criança a reconhece como mãe, vínculo reforçado pela convivência contínua e pela guarda judicial já estabelecida anteriormente.

Ao avaliar o caso, a Justiça goiana destacou que a filiação socioafetiva não substitui a filiação biológica, mas a complementa, reconhecendo juridicamente uma realidade afetiva consolidada. A decisão mostra que tanto o pai quanto a mãe biológicos concordaram expressamente com o pedido.

A magistrada responsável entendeu que a medida está em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e, principalmente, com o melhor interesse da criança.

A sentença permite que a nova certidão de nascimento inclua a avó como mãe socioafetiva, ao lado dos pais biológicos, reforçando a segurança jurídica e os laços familiares já existentes na prática.

Avanço

A advogada Karla Ribeiro, que atuou no caso, afirma que a sentença representa um avanço no Direito das Famílias brasileiro ao formalizar, ainda na infância, um vínculo afetivo consolidado desde o nascimento.

“A avó cria a neta como filha desde que ela nasceu, e já possuía a guarda da criança. A neta chama a avó de mãe, e a reconhece como figura materna. Os pais biológicos residem no exterior e concordaram com a inclusão da avó no registro de nascimento da criança, como mãe”, explica.

Para ela, o caso torna-se ainda mais relevante por se tratar do reconhecimento de socioafetividade em favor de uma criança, uma vez que decisões similares da Justiça brasileira envolviam netos já adultos.

“O reconhecimento jurídico da relação materno-filial construída no seio familiar amplia a proteção da criança e assegura direitos civis plenos, incluindo os direitos sucessórios, permitindo que a criança seja herdeira da mãe socioafetiva”, comenta.

Além disso, a advogada acredita na repercussão social de um caso como esse, já que, segundo ela, milhares de crianças brasileiras são criadas por avós como filhos, em vínculos marcados por afeto, cuidado e responsabilidade. 

“Com este precedente, avós que de fato desempenham o papel materno ou paterno poderão ter seus nomes incluídos no registro civil dos netos, assegurando segurança jurídica, reconhecimento oficial e pleno acesso a direitos patrimoniais”, avalia.

E conclui: “Fundamentada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e do melhor interesse da criança, a sentença reforça o entendimento de que a parentalidade vai além dos laços biológicos – ela se constrói no afeto, na presença e no cotidiano da convivência”.

Fonte: site IBDFAM

STJ reconhece filiação socioafetiva póstuma mesmo após convívio com mãe biológica

Assim como a adoção, a filiação socioafetiva pode ser reconhecida mesmo após a morte do pai socioafetivo, desde que o filho desfrutasse dessa condição de forma pública e contínua. A posterior retomada do contato e da convivência com a família biológica na idade adulta não interfere no pertencimento à família socioafetiva.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu nesta terça-feira (11/2) a paternidade socioafetiva entre um homem e um ex-casal, mesmo após a separação, a morte do pai e a mudança do autor da ação para a casa de sua mãe biológica.

O homem, hoje com 46 anos, foi entregue à adoção aos dois anos de idade e acolhido por um casal que se comprometeu a formalizar o procedimento, o que nunca ocorreu. Ele cresceu com o casal até a separação tumultuosa, quando passou a morar com suas irmãs socioafetivas na casa de uma tia paterna.

Aos 16 anos, ele procurou sua família biológica e, aos 17, passou a morar com sua mãe biológica. Mesmo assim, na idade adulta, convivia diariamente com o pai socioafetivo, que cogitou formalizar a adoção do filho apenas em seu nome, mas não levou a ideia adiante por acreditar que isso causaria a “perda do poder familiar” da mãe biológica.

Somente após a morte do pai socioafetivo, em 2014, o filho descobriu que nunca houve um processo de adoção em nome do ex-casal. Ele fez um acordo com a mãe socioafetiva para reconhecer esse status. Em seguida, ambos acionaram a Justiça para pedir a homologação do acordo e o reconhecimento da paternidade socioafetiva com relação ao pai, já morto.

Efeitos econômicos

O pedido foi aceito em primeira e segunda instâncias, mas as irmãs socioafetivas recorreram ao STJ. Elas alegaram que, embora seu pai tenha criado o autor por alguns anos, nunca demonstrou vontade inequívoca de adotá-lo. Também disseram que o autor buscava “os efeitos econômicos de uma eventual herança”.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, explicou que a filiação socioafetiva é diferente da adoção, pois busca o reconhecimento de uma situação já vivenciada, baseada na relação de afeto. “O reconhecimento de vínculo de socioafetividade implica em reconhecer a real identidade do filho, expressão de seu próprio direito de personalidade”, assinalou ela.

Por outro lado, os efeitos são similares. Tanto a adoção quanto a filiação socioafetiva constituem um vínculo de parentesco. A magistrada ressaltou que, conforme a Constituição, “vínculos de parentesco devem receber tratamento igualitário”.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite que a adoção seja reconhecida mesmo se o adotante morrer antes de uma decisão. Dessa forma, o mesmo pode acontecer com a filiação socioafetiva, como já decidiu a 3ª Turma do STJ (REsp 1.328.380).

Para Andrighi, o fato de o autor ter morado com a mãe biológica na fase adulta não altera sua relação com a família socioafetiva, “que lhe acolheu desde tenra idade, lhe prestando todo o carinho, afeto e educação de uma verdadeira família”.

Além disso, depoimentos colhidos ao longo do processo mostraram que as próprias irmãs socioafetivas reconheciam o autor como seu irmão, mas passaram a contestar a ideia depois que ele moveu a ação.

REsp 2.075.230

Fonte: site CONJUR

Justiça do Pará reconhece maternidade socioafetiva “post mortem”

Uma mulher obteve na Justiça do Pará o reconhecimento do vínculo materno-filial estabelecido entre ela e sua tia materna, que morreu em 2020. A 3ª Vara de Família de Belém garantiu a inclusão da maternidade socioafetiva no assento de nascimento, sem exclusão da maternidade biológica,  configurando hipótese de multiparentalidade materna.

A autora foi criada pela tia materna desde seu nascimento, em 1979, pois a mãe biológica não tinha condições para assumir plenamente os encargos da maternidade. Desde então, a genitora mantinha um contato limitado com a autora, e a tia, impossibilitada de gerar filhos biológicos, assumiu integralmente a função materna em sua plenitude.

O cerne probatório da ação incluiu documentos de comunicações entre ambas, acervo fotográfico cronológico e depoimentos  testemunhais que evidenciaram a tríade caracterizadora da posse do estado de filiação: tractatus (tratamento como filha), fama (reconhecimento social  do vínculo) e nominatio (ainda que relativizado pela coincidência do  sobrenome familiar).

Irmãos e irmãs da falecida contestaram o pedido, sob o argumento de que a mulher nunca registrou a sobrinha como filha. Sustentaram ainda que a irmã tratava a autora como  tratava os outros sobrinhos, e que o pedido possuía motivação exclusivamente patrimonial-sucessória.

Ao decidir, o juiz responsável pelo caso considerou o artigo 1.593 do Código Civil, segundo o qual o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem, além de precedentes do STF sobre  multiparentalidade (Tema 622 de repercussão geral) e do STJ sobre paternidade socioafetiva (REsp 1.500.999/RJ), bem como o princípio  constitucional da igualdade entre filhos (art. 227, § 6º, CF).

Com base neste entendimento, o magistrado julgou procedente o pedido e declarou a autora como filha socioafetiva e, consequentemente, herdeira da falecida.

Jurisprudência

O caso contou com a atuação do advogado Inaldo Leão Ferreira. Segundo ele, a decisão, embora alinhada à atual tendência jurisprudencial dos Tribunais Superiores, apresenta particularidades juridicamente relevantes que a destacam no cenário judicante nacional.

“Trata-se de reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem, hipótese substancialmente menos frequente na  jurisprudência pátria em comparação aos casos de paternidade  socioafetiva. A sentença demonstra a aplicação isonômica dos princípios  jurídicos independentemente do gênero parental, reafirmando a  interpretação teleológica do art. 1.593 do Código Civil”, observa.

Além disso, acrescenta o advogado, a decisão reconhece a multiparentalidade materna, implementando concretamente a tese firmada pelo Supremo Tribunal  Federal – STF no RE 898.060/SC (Tema 622): “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do  vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os  efeitos jurídicos próprios”.

“Ademais, a decisão reconhece a formação de vínculo socioafetivo  parental entre parentes consanguíneos colaterais (tia e sobrinha), evidenciando que o parentesco biológico preexistente não obsta a  configuração de nova modalidade parental quando há efetivo exercício da  parentalidade no plano fático. Esta interpretação amplia a compreensão  do instituto da socioafetividade além das hipóteses tradicionalmente reconhecidas (padrastos/madrastas ou ‘pais de criação’ sem vínculo  biológico)”, afirma Inaldo.

Ele pontua ainda que a sentença também consolidou o entendimento de que a filiação  socioafetiva demanda dois requisitos essenciais: “a) vontade clara e  inequívoca do pretenso genitor socioafetivo; b) configuração da  denominada “posse de estado de filho”, compreendida como o tratamento dispensado pelos pais (afeto, segurança, dependência econômica) e o  reconhecimento social do vínculo”.

“Assim, embora não represente ruptura paradigmática, a decisão refina a aplicação dos institutos jurídicos já estabelecidos, potencializando sua eficácia em configurações familiares ainda pouco exploradas pela  jurisprudência”, comenta.

Vínculos afetivos

De acordo com Inaldo Leão Ferreira, a efetivação judicial dos vínculos parentais socioafetivos ainda enfrenta significativos óbices jurídico-processuais e hermenêuticos, como o ônus probatório qualificado, interpretação restritiva dos requisitos legais e a presunção de intuito patrimonial. Ele cita ainda a insuficiência normativa, a operacionalização da multiparentalidade, a natureza jurídica controvertida, a ponderação entre estabilidade jurídica e afetividade e os critérios de aferição temporal.

“Decisões dessa natureza transcendem o caso concreto e exercem função paradigmática na construção do Direito das Famílias  contemporâneo, por diversas razões”, explica o advogado.

Segundo o especialista, o julgado materializa a “transição do paradigma institucionalista para o  eudemonista no Direito de Família, consagrando a afetividade como  princípio jurídico implícito de matriz constitucional, capaz de  constituir vínculos familiares juridicamente tutelados”.

Processo: 0825049-81.2021.8.14.0301

Fonte: site IBDFAM