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STJ reconhece filiação socioafetiva póstuma mesmo após convívio com mãe biológica

Assim como a adoção, a filiação socioafetiva pode ser reconhecida mesmo após a morte do pai socioafetivo, desde que o filho desfrutasse dessa condição de forma pública e contínua. A posterior retomada do contato e da convivência com a família biológica na idade adulta não interfere no pertencimento à família socioafetiva.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu nesta terça-feira (11/2) a paternidade socioafetiva entre um homem e um ex-casal, mesmo após a separação, a morte do pai e a mudança do autor da ação para a casa de sua mãe biológica.

O homem, hoje com 46 anos, foi entregue à adoção aos dois anos de idade e acolhido por um casal que se comprometeu a formalizar o procedimento, o que nunca ocorreu. Ele cresceu com o casal até a separação tumultuosa, quando passou a morar com suas irmãs socioafetivas na casa de uma tia paterna.

Aos 16 anos, ele procurou sua família biológica e, aos 17, passou a morar com sua mãe biológica. Mesmo assim, na idade adulta, convivia diariamente com o pai socioafetivo, que cogitou formalizar a adoção do filho apenas em seu nome, mas não levou a ideia adiante por acreditar que isso causaria a “perda do poder familiar” da mãe biológica.

Somente após a morte do pai socioafetivo, em 2014, o filho descobriu que nunca houve um processo de adoção em nome do ex-casal. Ele fez um acordo com a mãe socioafetiva para reconhecer esse status. Em seguida, ambos acionaram a Justiça para pedir a homologação do acordo e o reconhecimento da paternidade socioafetiva com relação ao pai, já morto.

Efeitos econômicos

O pedido foi aceito em primeira e segunda instâncias, mas as irmãs socioafetivas recorreram ao STJ. Elas alegaram que, embora seu pai tenha criado o autor por alguns anos, nunca demonstrou vontade inequívoca de adotá-lo. Também disseram que o autor buscava “os efeitos econômicos de uma eventual herança”.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, explicou que a filiação socioafetiva é diferente da adoção, pois busca o reconhecimento de uma situação já vivenciada, baseada na relação de afeto. “O reconhecimento de vínculo de socioafetividade implica em reconhecer a real identidade do filho, expressão de seu próprio direito de personalidade”, assinalou ela.

Por outro lado, os efeitos são similares. Tanto a adoção quanto a filiação socioafetiva constituem um vínculo de parentesco. A magistrada ressaltou que, conforme a Constituição, “vínculos de parentesco devem receber tratamento igualitário”.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite que a adoção seja reconhecida mesmo se o adotante morrer antes de uma decisão. Dessa forma, o mesmo pode acontecer com a filiação socioafetiva, como já decidiu a 3ª Turma do STJ (REsp 1.328.380).

Para Andrighi, o fato de o autor ter morado com a mãe biológica na fase adulta não altera sua relação com a família socioafetiva, “que lhe acolheu desde tenra idade, lhe prestando todo o carinho, afeto e educação de uma verdadeira família”.

Além disso, depoimentos colhidos ao longo do processo mostraram que as próprias irmãs socioafetivas reconheciam o autor como seu irmão, mas passaram a contestar a ideia depois que ele moveu a ação.

REsp 2.075.230

Fonte: site CONJUR

Justiça do Pará reconhece maternidade socioafetiva “post mortem”

Uma mulher obteve na Justiça do Pará o reconhecimento do vínculo materno-filial estabelecido entre ela e sua tia materna, que morreu em 2020. A 3ª Vara de Família de Belém garantiu a inclusão da maternidade socioafetiva no assento de nascimento, sem exclusão da maternidade biológica,  configurando hipótese de multiparentalidade materna.

A autora foi criada pela tia materna desde seu nascimento, em 1979, pois a mãe biológica não tinha condições para assumir plenamente os encargos da maternidade. Desde então, a genitora mantinha um contato limitado com a autora, e a tia, impossibilitada de gerar filhos biológicos, assumiu integralmente a função materna em sua plenitude.

O cerne probatório da ação incluiu documentos de comunicações entre ambas, acervo fotográfico cronológico e depoimentos  testemunhais que evidenciaram a tríade caracterizadora da posse do estado de filiação: tractatus (tratamento como filha), fama (reconhecimento social  do vínculo) e nominatio (ainda que relativizado pela coincidência do  sobrenome familiar).

Irmãos e irmãs da falecida contestaram o pedido, sob o argumento de que a mulher nunca registrou a sobrinha como filha. Sustentaram ainda que a irmã tratava a autora como  tratava os outros sobrinhos, e que o pedido possuía motivação exclusivamente patrimonial-sucessória.

Ao decidir, o juiz responsável pelo caso considerou o artigo 1.593 do Código Civil, segundo o qual o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem, além de precedentes do STF sobre  multiparentalidade (Tema 622 de repercussão geral) e do STJ sobre paternidade socioafetiva (REsp 1.500.999/RJ), bem como o princípio  constitucional da igualdade entre filhos (art. 227, § 6º, CF).

Com base neste entendimento, o magistrado julgou procedente o pedido e declarou a autora como filha socioafetiva e, consequentemente, herdeira da falecida.

Jurisprudência

O caso contou com a atuação do advogado Inaldo Leão Ferreira. Segundo ele, a decisão, embora alinhada à atual tendência jurisprudencial dos Tribunais Superiores, apresenta particularidades juridicamente relevantes que a destacam no cenário judicante nacional.

“Trata-se de reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem, hipótese substancialmente menos frequente na  jurisprudência pátria em comparação aos casos de paternidade  socioafetiva. A sentença demonstra a aplicação isonômica dos princípios  jurídicos independentemente do gênero parental, reafirmando a  interpretação teleológica do art. 1.593 do Código Civil”, observa.

Além disso, acrescenta o advogado, a decisão reconhece a multiparentalidade materna, implementando concretamente a tese firmada pelo Supremo Tribunal  Federal – STF no RE 898.060/SC (Tema 622): “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do  vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os  efeitos jurídicos próprios”.

“Ademais, a decisão reconhece a formação de vínculo socioafetivo  parental entre parentes consanguíneos colaterais (tia e sobrinha), evidenciando que o parentesco biológico preexistente não obsta a  configuração de nova modalidade parental quando há efetivo exercício da  parentalidade no plano fático. Esta interpretação amplia a compreensão  do instituto da socioafetividade além das hipóteses tradicionalmente reconhecidas (padrastos/madrastas ou ‘pais de criação’ sem vínculo  biológico)”, afirma Inaldo.

Ele pontua ainda que a sentença também consolidou o entendimento de que a filiação  socioafetiva demanda dois requisitos essenciais: “a) vontade clara e  inequívoca do pretenso genitor socioafetivo; b) configuração da  denominada “posse de estado de filho”, compreendida como o tratamento dispensado pelos pais (afeto, segurança, dependência econômica) e o  reconhecimento social do vínculo”.

“Assim, embora não represente ruptura paradigmática, a decisão refina a aplicação dos institutos jurídicos já estabelecidos, potencializando sua eficácia em configurações familiares ainda pouco exploradas pela  jurisprudência”, comenta.

Vínculos afetivos

De acordo com Inaldo Leão Ferreira, a efetivação judicial dos vínculos parentais socioafetivos ainda enfrenta significativos óbices jurídico-processuais e hermenêuticos, como o ônus probatório qualificado, interpretação restritiva dos requisitos legais e a presunção de intuito patrimonial. Ele cita ainda a insuficiência normativa, a operacionalização da multiparentalidade, a natureza jurídica controvertida, a ponderação entre estabilidade jurídica e afetividade e os critérios de aferição temporal.

“Decisões dessa natureza transcendem o caso concreto e exercem função paradigmática na construção do Direito das Famílias  contemporâneo, por diversas razões”, explica o advogado.

Segundo o especialista, o julgado materializa a “transição do paradigma institucionalista para o  eudemonista no Direito de Família, consagrando a afetividade como  princípio jurídico implícito de matriz constitucional, capaz de  constituir vínculos familiares juridicamente tutelados”.

Processo: 0825049-81.2021.8.14.0301

Fonte: site IBDFAM