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TJSP: casamento em regime de separação de bens não exclui cônjuge da herança

Em decisão recente, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP confirmou que o casamento em regime de separação de bens não exclui o cônjuge da herança. Com base neste entendimento, o colegiado negou o pedido de abertura de inventário de irmãos e sobrinhos de homem que faleceu sem ter pais, avós e filhos vivos nem deixar testamento ou documento de transferência de bens.

O TJSP manteve a decisão da Vara da Família e das Sucessões de Indaiatuba e reconheceu que a cônjuge sobrevivente, casada com o falecido sob o regime de separação obrigatória de bens, é a única herdeira, afastando a legitimidade dos colaterais.

De acordo com o relator do recurso, não havendo descendentes nem ascendentes do autor, a sucessão legítima defere-se por inteiro ao cônjuge sobrevivente, uma vez que o Código Civil não faz nenhuma distinção em relação ao regime de bens do casamento em casos de falecimento.

O desembargador também pontuou as diferenças entre o regime de bens no casamento e o direito sucessório. “O regime de bens, seja ele qual for, regula as relações patrimoniais entre os cônjuges durante a vigência do matrimônio, disciplinando a propriedade, administração e disponibilidade dos bens, bem como a responsabilidade por dívidas.”

“Por outro lado, o direito sucessório regula a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte. A vocação hereditária, estabelecida no artigo 1.829 do Código Civil, determina a ordem de chamamento dos herdeiros para suceder o falecido. O artigo 1.829, III, do Código Civil, é expresso ao estabelecer que, na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente herda a totalidade do patrimônio do falecido, sem qualquer condicionante relacionada ao regime de bens adotado”, complementou o magistrado.

Apelação: 1010433-44.2024.8.26.0248.

Regra sucessória

A advogada, professora e parecerista Fabiana Domingues Cardoso, diretora estadual do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção São Paulo – IBDFAM-SP, entende que a decisão é correta e não surpreende, “tampouco revela matéria polêmica para aqueles que militam na área especializada, em que pese abordar um debate interessante e até revelar uma tese inovadora dos apelantes, a qual intenta interpretar a extensão dos efeitos do  regime da separação obrigatória de bens para além dos limites impostos pela regra sucessória”.

“Entretanto, é comum ao leigo a identificação como sendo válida e ‘justa’ a não comunicação de bens no regime da separação obrigatória de bens, seja em vida ou em morte, mas o Código Civil de 2002 e o ordenamento como um todo não prevêem esse alcance. Isso porque as regras que disciplinam a discussão do caso concreto são claras e traduzem a combinação do artigo 1. 829, III, e o artigo 1.838, sem margem a dubiedade”, afirma.

A relevância da decisão, destaca a advogada, é “desmistificar a confusão que até mesmo colegas fazem entre regime de bens (Direito de Família) e herança (Direito das Sucessões) e  reforçar a aplicação da regra sucessória prevista nos artigos 1.838 e 1.829, III, como têm sido interpretados pela doutrina e jurisprudência,  desde os primórdios do Código Civil vigente”.

“A distinção está adequada e foi importante, na medida em que são institutos jurídicos distintos, mas que se entrelaçam, especialmente após o advento do Código Civil 2002, que trouxe como novidade o cônjuge como herdeiro necessário e atrelando o regime de bens a algumas hipóteses de concorrência com os descendentes. Entretanto, não há esse atrelamento quando a pessoa falecida não deixa descendente ou ascendente, como também  há o entendimento de que não existe o atrelamento do regime de bens quando o cônjuge concorre com os ascendentes”, conclui Fabiana Domingues Cardoso.

Fonte: site IBDFAM

Justiça reconhece vínculo afetivo com pet e garante convivência após separação no sertão de PE

Uma decisão judicial no sertão de Pernambuco reconheceu o vínculo socioafetivo entre uma tutora e os animais de estimação criados em conjunto durante o relacionamento com a ex-companheira. O caso trata da dissolução de uma união estável entre duas mulheres que conviveram durante quase sete anos com cinco animais de estimação – dois gatos e três cães.

A advogada Emília Juliana Santos da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no processo, lembra que dois dos cães já pertenciam individualmente a cada uma das partes antes do relacionamento. Após oito meses de união, o casal oficializou a relação e adotou os outros animais em conjunto.

Em janeiro deste ano, após o término da relação, uma das tutoras deixou o lar levando apenas a cadela que já era sua anteriormente, pois a ex-companheira teria impedido qualquer forma de convívio com os outros pets.

Segundo a advogada, as tentativas extrajudiciais de restabelecer o contato com os pets foram infrutíferas. Neste contexto, o Judiciário pernambucano foi acionado, com pedido de tutela de urgência para regulamentação da convivência familiar e guarda a partir do reconhecimento de vínculo socioafetivo entre a autora e o pet que era da ex-companheira antes do início do relacionamento.

Ainda segundo a advogada, após a separação, a cadela de 15 anos de idade passou a sofrer de quadros graves de depressão, com constantes internações veterinárias, em virtude da ausência de convivência com os irmãos caninos e felinos com os quais estava habituada há 7 anos, o que ensejou a concessão da tutela de urgência no restabelecimento da convivência familiar. 

A decisão também considerou que todas as despesas e cuidados com os animais eram  suportados exclusivamente pela autora na constância da união, e que o outro cão e os felinos haviam sido adotados por ambas as tutoras já na constância do casamento.

Família multiespécie

Emília da Silva afirma que o Direito das Famílias está em constante transformação, acompanhando as mudanças sociais e culturais que redefinem os modelos tradicionais de convivência.

Uma dessas transformações, segundo ela, refere-se à inclusão de animais de estimação como membros das famílias multiespécies, “reconhecendo o papel significativo que desempenham nas relações afetivas”.

“A concessão de guarda e convivência familiar com pets, como visto em casos judiciais recentes, marca um  passo essencial nessa evolução jurídica.  A inclusão de animais no âmbito do Direito das Famílias reflete uma mudança no entendimento jurídico acerca dos pets, que deixam de ser tratados apenas como propriedade. O reconhecimento desses animais como sujeitos de direitos  demonstra que eles são detentores de amor, cuidado e vínculo afetivo”, pondera.

Para a advogada, essa perspectiva valoriza o impacto emocional e psicológico que os animais de estimação exercem sobre os humanos, considerando-os parte imprescindível do núcleo familiar. “A concessão de guarda e convivência com pets é especialmente inovadora em regiões onde predomina uma visão conservadora sobre famílias.”

“Decisões como essas não apenas reconhecem os novos arranjos familiares, mas também criam precedentes que podem inspirar mudanças legislativas e judiciais em direção a uma maior proteção dos animais no contexto familiar. Além disso, fortalecem o conceito de família multiespécie no Direito, promovendo igualdade e inclusão”, observa.

Avanço

Emília acrescenta que o fato de a decisão ter sido proferida no sertão de Pernambuco, “onde a cultura das famílias multiespécies é fortemente rechaçada em detrimento do modelo tradicional de família e conservadora da região, demonstra o avanço do Judiciário em perceber os novos modelos familiares, reconhecendo, ainda, os animais não humanos como sujeitos de direitos e detentores do amor e cuidado humano”.

“A concessão de guarda e convivência familiar com animais de estimação representa um avanço crucial para o Direito das Famílias. Ao reconhecer os  vínculos socioafetivos entre humanos e pets, o Judiciário não só protege os direitos dos animais como também reflete a realidade de muitas famílias modernas. Esses casos estabelecem precedentes que reforçam a importância de tratar os animais como membros integrais da família, promovendo o respeito, o cuidado e a inclusão no âmbito jurídico”, frisa.

De acordo com a advogada, também foi estabelecido multa diária e regras claras para convivência dos animais, com intuito de amenizar o sofrimento de ambos causado pela  separação abrupta. “Deste modo, a decisão garantiu o bem-estar dos animais  acima dos interesses pessoais das tutoras envolvidas em claro reconhecimento  do Direito Animal”, conclui.

Fonte: site IBDFAM