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Imóvel de família com alto valor de mercado é impenhorável

Um imóvel de alto padrão ou de luxo é impenhorável se for o único bem e servir de moradia para a família do devedor, conforme a previsão do artigo 1º da Lei 8.009/1990.

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que reformou um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que havia autorizado a penhora de um imóvel na Barra da Tijuca, na capital fluminense.

O TJ-RJ entendeu que a lei tem como objetivo garantir a dignidade da pessoa humana, e não fazer do patrimônio de elevadíssimo valor do devedor algo intocável pelo credor.

“A Lei 8.009/1990 não tem como foco a inviolabilidade de imóvel de alto padrão, mas, sim, a garantia de que o seu proprietário, em virtude de dívida, permaneça residindo em local adequado a suprir as suas necessidades habituais de forma digna”, disse o acórdão.

Por considerar que o imóvel está em um dos locais mais valorizados do Brasil, o TJ-RJ autorizou a penhora e mandou garantir uma reserva suficiente para que o devedor possa comprar outro apartamento em local menos valorizado.

Sem distinção

Essa interpretação foi refutada por unanimidade de votos pela 3ª Turma do STJ. Relator do recurso especial ajuizado pelo devedor, o ministro Moura Ribeiro entendeu que a tese do TJ-RJ não encontra amparo na lei.

Em seu voto, ele destacou que, se o legislador quisesse, teria estabelecido critérios de valor, localização ou suntuosidade para autorizar a penhora de imóveis de devedores. Na lei não há qualquer distinção nesse sentido, no entanto.

“Permitir a penhora do bem de família com base em seu valor econômico seria introduzir um critério subjetivo e de grande insegurança jurídica, contrário ao espírito da lei”, concluiu o magistrado.

Moura Ribeiro destacou ainda que a solução intermediária do TJ-RJ de permitir a penhora, mas reservar um valor para o devedor comprar outro imóvel, afrontou diretamente o texto da lei e divergiu da jurisprudência do STJ.

REsp 2.163.788

Fonte: Site Conjur.

TJSP mantém penhora sobre herança apesar de cláusula de impenhorabilidade

O Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, por meio da 35ª Câmara de Direito Privado, restabeleceu a penhora sobre a parte que uma devedora possui em inventário, mesmo diante da existência de cláusula de impenhorabilidade prevista em testamento. A medida havia sido revogada pelo juízo de primeira instância sob o argumento de que os bens herdados estariam protegidos por restrições de inalienabilidade e incomunicabilidade.

Segundo a advogada Ana Carolina Tedoldi, membro da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a cláusula de impenhorabilidade tem caráter protetivo, mas não pode ser utilizada para impedir o pagamento de dívidas anteriores à sua instituição.

“A cláusula de impenhorabilidade prevista em testamento – assim como as de inalienabilidade e incomunicabilidade – tem natureza protetiva e não absoluta. Ela visa resguardar o patrimônio transmitido de riscos futuros e eventuais, especialmente quando há justa causa. Entretanto, tais cláusulas não podem ser utilizadas para frustrar a satisfação de dívidas preexistentes à instituição da restrição, sob pena de caracterizar fraude contra credores”, explica.

Caso concreto

No caso analisado, uma empresa recorreu da decisão que havia blindado a penhora sobre a herança de uma mulher devedora. Inicialmente, o juízo de primeiro grau havia acolhido a tese da executada, entendendo que o testamento tornava o patrimônio impenhorável.

A credora, no entanto, sustentou que a cláusula de impenhorabilidade tem como objetivo proteger o patrimônio transmitido apenas contra dívidas futuras e eventuais, “jamais podendo ser utilizada como instrumento de blindagem para afastar a satisfação de dívidas anteriores, já líquidas, certas e exigíveis”.

Ao julgar o recurso, os desembargadores observaram que a alegação de impenhorabilidade foi apresentada tardiamente pela devedora – o que poderia caracterizar preclusão – e que a restrição não se aplicaria necessariamente à totalidade do quinhão hereditário, uma vez que a executada é herdeira necessária, e não apenas legatária.

“O herdeiro necessário – descendente, ascendente ou cônjuge/convivente – é aquele que tem direito à legítima, isto é, à metade do patrimônio do falecido, que não pode ser disposta livremente por testamento, conforme o art. 1.845 do Código Civil. Já o legatário recebe um bem ou quota específica por liberalidade testamentária, fora da legítima. Essa distinção é relevante porque as cláusulas restritivas impostas pelo testador sobre a legítima precisam de justa causa”, esclarece Ana Carolina Tedoldi.

O Tribunal também ponderou que, caso a penhora fosse suspensa e o recurso da credora posteriormente acolhido, haveria risco de ineficácia da decisão. Por essa razão, concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento, determinando que a penhora permaneça válida até o julgamento final do recurso.

Com isso, a parte da herança pertencente à devedora seguirá vinculada para garantir o pagamento da dívida em discussão no processo de execução.

Efeitos

Ana Carolina Tedoldi avalia que o entendimento adotado pelo TJSP, embora não seja novo, tende a se consolidar e ganhar força prática em decisões futuras.

“Ele reforça que as cláusulas restritivas não podem ser utilizadas como instrumentos de proteção patrimonial ilícita, especialmente diante de débitos anteriores à sucessão. Para o Direito das Sucessões, os reflexos são dois: de um lado, preserva-se a efetividade da execução e a boa-fé nas relações patrimoniais, impedindo que o testamento seja usado como ‘escudo’ para frustrar credores; de outro, assegura-se a segurança jurídica dos testamentos válidos, desde que as restrições sejam impostas com justa causa legítima e voltadas à proteção futura do herdeiro ou da família, e não à evasão de dívidas”, aponta.

Para a especialista, a decisão reafirma que “a autonomia da vontade do testador encontra limites na função social da propriedade e na boa-fé objetiva, princípios que impedem o uso de cláusulas restritivas como meio de fraudar credores”.

Processo 0054322-92.2022.8.26.0100

Fonte: site IBDFAM