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Herdeiro que renunciou à herança é excluído de partilha de novos bens

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça  – STJ decidiu, de forma unânime, que a renúncia à herança é definitiva e impede que herdeiro renunciante participe de eventual sobrepartilha de bens descobertos posteriormente. O colegiado deu provimento ao recurso especial, reafirmando a natureza definitiva da renúncia e afastando a possibilidade de intervenção do herdeiro renunciante em sobrepartilha ou processos correlatos.

O caso analisado envolvia a renúncia à herança por parte de uma herdeira e, posteriormente, a descoberta de novos bens que ensejaram sobrepartilha.

O entendimento do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, integralmente acompanhado pelos demais ministros, é de que a renúncia à herança é ato irrevogável, impedindo a participação em sobrepartilha.

Segundo o relator, a renúncia é um ato jurídico puro, ou seja, não se submete a condições ou divisões. “A renúncia à herança é irrevogável e indivisível. Extingue-se o direito hereditário do renunciante como se ele nunca tivesse existido.”

O ministro ainda destacou que a sobrepartilha, prevista nos artigos 2.022 do Código Civil e 669 do Código de Processo Civil – CPC, tem por objetivo repartir bens não incluídos na partilha original, mas não tem o condão de rescindir a partilha anterior ou alterar direitos já consolidados.

Conforme o relator, a superveniência de bens não legitima a participação do herdeiro que já renunciou, nem mesmo em processos paralelos, como pedidos de habilitação de crédito em falência de empresa devedora ligada ao espólio.

Autonomia da vontade

Para o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, foi um posicionamento importante de uma das turmas do Superior Tribunal de Justiça. “Como o Direito das Famílias e Sucessões está cada vez mais contratualizado, respeitando a autonomia da vontade e a não intervenção estatal na esfera privada e liberdade, penso que pode estabelecer no pacto antenupcial, pós-nupcial ou contrato de união estável a faculdade de ‘repudiar’ a herança do cônjuge/companheiro.”

“Embora tenhamos a previsão do art. 426 do CC/2002, que proíbe contratar herança de pessoa viva, os chamados ‘pacta corvina’, defendo ser validamente renunciável o direito concorrencial na hipótese em que o cônjuge/companheiro é chamado a suceder em conjunto com descendentes ou ascendentes”, aponta.

Segundo o especialista, permitir a renúncia ao direito concorrencial não configura ato imoral, assim como não o é renunciar à meação, até mesmo porque se insere no quadro mais amplo da autonomia patrimonial da família, consentânea com a atual realidade social, muito mais complexa e mutável. “E isso pode ser feito, ressalte-se, sem a necessidade de alteração legislativa do art. 426 do Código Civil.”

O advogado acrescenta que, por outro lado, a necessidade contemporânea das famílias exige mudanças em reforço à autonomia da vontade e liberdade patrimonial. Ele cita a previsão expressa na reforma do Código Civil (PL 04/2025) em tramitação no Senado Federal, que prevê a possibilidade de renúncia prévia a direitos sucessórios por meio de pactos antenupciais ou convivenciais com a inclusão de cláusulas de renúncia prévia a direitos sucessórios, como o direito de concorrência na herança.

“Precisamos distinguir herança de possibilidade de direito concorrencial. Isso porque a vedação imposta pelo art. 426 do CC diz respeito à herança, mas não à possibilidade de concorrer a ela, de modo que pode perfeitamente renunciar ao direito concorrencial, por meio de pacto antenupcial, sem sequer afrontar os chamados pacta corvina. Tudo em prol de uma autonomia da vontade, liberdade patrimonial e não intervenção excessiva na vida privada dos cidadãos”, conclui.

Processo: REsp 1.855.689.

Fonte: site IBDFAM

STJ decide que herdeiros só respondem por dívidas até o valor real da herança

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que os pais de um homem falecido, que herdaram uma nota promissória emitida em nome do filho, só podem ser responsabilizados pelas dívidas dele até o valor que receberam de herança. 

O caso envolve uma sociedade de advogados que buscava receber honorários por um processo no qual os pais do falecido se tornaram seus sucessores. A Justiça havia determinado a penhora das contas dos pais, argumentando que eles tinham herdado um patrimônio suficiente para pagar a dívida. 

No entanto, conforme o inventário, a única herança recebida foi uma nota promissória emitida por uma empresa que agora está em falência e nunca foi resgatada.

O Tribunal estadual, ao revisar a decisão, entendeu que essa nota promissória não podia ser considerada um patrimônio real, pois representava apenas uma expectativa de crédito, com poucas chances de ser paga. 

Valor depende do mercado

No STJ, a sociedade de advogados alegou que, mesmo que o crédito herdado não fosse pago por causa da falência da empresa, os herdeiros ainda deveriam responder pela dívida considerando o valor nominal da nota promissória. 

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que, conforme entendimento do STJ, os herdeiros só são responsáveis pelas dívidas até o limite da herança que receberam. Ele também destacou que o valor de uma nota promissória pode variar e que sua real importância econômica depende do mercado, não apenas do valor indicado no inventário. 

No caso analisado, a nota promissória nunca foi negociada e só poderá ser cobrada se os herdeiros conseguirem habilitá-la no processo de falência da empresa emissora. Isso significa que o valor real da herança só será conhecido quando (e se) esse crédito for pago. 

Assim, o STJ decidiu que não é correto penhorar os bens dos herdeiros antes que a nota promissória seja efetivamente liquidada, pois isso poderia fazê-los pagar mais do que realmente herdaram.

Valor real

O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, destaca que esse recurso especial é particularmente relevante, pois expressa a realidade de um crédito que, embora representado por uma nota promissória, não possui valor real imediato. 

“Os herdeiros inventariaram o valor da nota promissória, mas não receberam o dinheiro correspondente, pois terão que se habilitar na falência, sendo incerto se receberão algum valor, e, caso recebam, quanto será”, explica Madaleno.

Em sua decisão, o STJ determinou que os herdeiros só podem ser responsabilizados pelas dívidas do falecido de acordo com a herança efetivamente recebida. Ou seja, no caso em análise, a nota promissória não representa um valor real a ser pago, mas sim uma expectativa de crédito, cujo valor depende da liquidação na falência da empresa emissora.

O especialista acrescenta que “o credor do falecido só pode receber conforme as forças da herança, e esse montante depende da liquidação do título na falência, sendo o pagamento revertido preferencialmente ao credor do espólio”.

Ele explica: “Se o bem herdado fosse uma casa luxuosa no valor de um milhão de reais, mas que foi destruída antes da morte do falecido, os herdeiros receberiam apenas o valor do terreno, e não o valor nominal da casa”.

Direitos e obrigações

A advogada Simone Tassinari Cardoso, membro da Comissão de Direito das Sucessões do IBDFAM, destaca que a decisão tem impacto direto em heranças que incluem bens de difícil liquidação, como notas promissórias e outros créditos incertos. Segundo ela, embora os títulos de crédito representem relações jurídicas comerciais, sua conversão em patrimônio efetivo depende do êxito na cobrança.

“Antes do recebimento, tem-se apenas um direito de crédito representado por um instrumento jurídico. Se este não puder ser exercitado efetivamente contra o devedor, a ponto de haver transferência patrimonial, ele não pode ser considerado parte do acervo hereditário disponível aos herdeiros”, explica.

Ela destaca ainda que a decisão do STJ reforça que direitos e obrigações compõem a herança, mas a responsabilidade dos herdeiros se restringe aos valores efetivamente recebidos.

“Débitos do falecido devem ser quitados antes da transmissão patrimonial aos sucessores, garantindo que estes não sejam obrigados a pagar dívidas superiores ao patrimônio herdado. Pretender penhorar bens individuais dos herdeiros considerando créditos que de fato ainda não foram recebidos é ultrapassar os limites da herança”, acrescenta a especialista.

Segurança jurídica dos credores

A decisão também aborda a segurança jurídica dos credores. Simone Tassinari explica que os credores mantêm a prerrogativa de cobrar suas dívidas contra o espólio e podem até ajuizar o processo de inventário caso isso não tenha sido feito pelos herdeiros. Entretanto, o reconhecimento da dívida e sua cobrança devem ser direcionados ao espólio e não diretamente aos herdeiros, a menos que estes tenham recebido bens suficientes para a quitação dos débitos.

“A herança continua sendo o limite das responsabilidades. O aumento das relações jurídicas que transitam entre os direitos empresarial, sucessório e de família exige maior atenção dos operadores do Direito. Casos como este demandam uma interpretação sistemática”, avalia a advogada.

Ela cita ainda o REsp 1.644.334, que trata do aval sem outorga conjugal, como um exemplo de decisões que exigem uma análise mais aprofundada do cenário jurídico contemporâneo.

Responsabilizações indevidas

Diante da complexidade de heranças que incluem ativos de difícil conversão em dinheiro, a advogada ressalta a importância da especialização na advocacia sucessória. Entre as medidas preventivas, ela destaca a necessidade de o espólio adotar providências para tentar receber os créditos pendentes, demonstrando boa-fé perante eventuais credores.

Uma alternativa possível, segundo ela, é o chamado Inventário Negativo, um procedimento judicial em que o juízo de inventário reconhece a inexistência de bens líquidos suficientes para cobrir dívidas do falecido.

“Essa sentença serve como prova prévia e impede a imposição de restrições, como penhora, diretamente sobre os herdeiros. Dessa forma, há um reconhecimento judicial da realidade sucessória, proporcionando mais clareza para famílias, empresas e credores”, conclui

REsp 2.168.268

Fonte: site IBDFAM