Categoria: Família

Juiz deve fundamentar tempo de prisão do devedor de alimentos, decide STJ

Ao ordenar a prisão do devedor de pensão alimentícia, o juiz deve fundamentar o período de reclusão civil decorrente do não pagamento da dívida alimentar. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ fixou no mínimo legal de um mês de tempo de prisão de um devedor de alimentos.

Na decisão original, o juízo se limitou a indicar o prazo de três meses, sem, contudo, apresentar justificativa específica para esse período. O STJ concluiu que a fundamentação, necessária em qualquer medida que envolva coerção à pessoa, evita que o período de restrição da liberdade seja fixado de maneira indiscriminada.

O decreto prisional foi mantido em segundo grau, sob o entendimento de que não há ilegalidade se a decisão respeita o prazo máximo de três meses previsto no Código de Processo Civil – CPC.

O ministro Raul Araújo, relator do recurso especial, lembrou que, conforme previsto na Constituição Federal, a motivação das decisões judiciais é fundamental para a proteção e garantia da liberdade, além de servir como ferramenta de limitação do próprio poder do Estado.

“Visando dar concretude aos ditames constitucionais é que o Código de Processo Civil de 2015 dispôs, de forma expressa, sobre o dever de fundamentação analítica e adequada de todas as decisões judiciais (art. 489, § 1º), em substituição ao livre convencimento e em repulsa às interpretações arbitrárias e solipsistas”, completou o ministro.

Apesar dessas premissas, Raul Araújo apontou que tem havido divergência nos tribunais brasileiros a respeito da necessidade de motivação do decreto de prisão civil no tocante ao tempo de encarceramento, ou seja, se é necessário haver uma espécie de “dosimetria” ou se o período está inserido na discricionariedade do juízo.

O relator comentou que a prisão civil é um instrumento legal para coagir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação de forma mais rápida. Como qualquer medida coercitiva, apontou o ministro, é necessário haver uma justificativa adequada para sua imposição, especialmente porque envolve direitos fundamentais da pessoa executada.

“Nessa perspectiva, deve prevalecer o dever de fundamentação analítica e adequada de toda decisão determinante de prisão civil do devedor de alimentos, seja quanto ao preenchimento dos requisitos, seja quanto à definição do tempo de constrição de liberdade entre o mínimo e o máximo (um a três meses) estabelecidos pela legislação”, detalhou.

O processo tramita em segredo de Justiça.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Ceará concede retificação de registro civil “post mortem” à artista plástica trans

A 1ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte, do Poder Judiciário do Estado do Ceará, concedeu a retificação de registro civil post mortem à artista plástica transgênero Márcia Maia Mendonça, que faleceu em 1998, aos 49 anos, solteira, sem filhos e sem ascendentes vivos. A decisão autorizou a mudança dos registros civis das certidões de nascimento e óbito da artista, que agora passam a ter o nome com o qual ela se identificava em vida.

De acordo com a sentença, o processo foi ajuizado pelos três irmãos da artista. No pedido, eles sustentaram que “o direito à memória não se restringe à pessoa morta, mas alcança a coletividade”.  Sendo assim, a procedência do pedido seria uma forma de reparar as dificuldades vivenciadas por ela quando viva.

Na sentença, a juíza responsável pelo caso destacou que a documentação anterior “não refletia a identidade da falecida e que tal situação, portanto, feria o seu direito de personalidade”.

A magistrada também considerou a vontade da própria mulher, que foi expressa em uma biografia, bem como confirmada por familiares e testemunhas.

“A proteção aos direitos da personalidade não cessa com o fim da vida, pois permanece na memória. Tendo em vista que os registros no estado em que se encontram representam a continuidade de uma lesão, e que a memória da falecida pertence aos que desejam cessar com essa violação, é pertinente reconhecer a vontade de Márcia Maia Mendonça como legítima”, diz um trecho da decisão.

A sentença ainda contempla a correção da idade apresentada no registro de óbito, que havia sido erroneamente grafada. Na documentação verificada passará a constar que a artista plástica faleceu aos 49 anos, diferente dos 68 que constava anteriormente.

Decisão histórica

Para a advogada Gabriela Nascimento Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Ceará – IBDFAM-CE, que atuou no caso junto com os advogados Liane Mary Brito Mendonça e Alexandre França Magalhães, também membros da diretoria do IBDFAM-CE, trata-se de uma decisão vanguardista e histórica para a Justiça brasileira.

“A sentença foi dada mesmo diante de um parecer do Ministério Público que foi contrário ao pedido dos autores da ação. O MP, de forma muito conservadora e legalista, entendeu que os direitos da personalidade são intransmissíveis. Dessa forma, defendeu que os autores da ação, na condição tão somente de herdeiros de Márcia Maia Mendonça, seriam partes ilegítimas para entrar com o processo”, aponta.

“A decisão foi contrária a esse entendimento e fundamentada com base na vontade da artista, conforme prova apresentada nos autos, relativizando o dispositivo da lei e privilegiando a vontade da pessoa humana, sua subjetividade e individualidade”, esclarece. 

Ela chama a atenção para a fundamentação da decisão que visou reparar a violência vivida pela artista plástica, garantindo o reconhecimento da vontade dela e honrando sua memória.

“Com essa decisão, a magistrada alcançou dois objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas, que prevê a inclusão social da falecida, inclusive de todos os seus familiares que a reconheciam como a sua vontade se manifestava, reconhecendo, após a morte da artista, o direito ao reconhecimento de sua identidade pessoal”, afirma.

Gabriela espera que a decisão sirva de parâmetro para outros casos semelhantes, reconhecendo que “o direito da personalidade deve ter sua amplitude respeitada mesmo após a morte”. 

Processo 0200471-33.2023.8.06.0115

Fonte: site IBDFAM