Autor: Thaisa Pellegrino

STJ reconhece possibilidade de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que é possível reconhecer legalmente uma relação de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade, desde que essa relação vá além da convivência comum, caracterizando um vínculo parental.

O caso julgado envolveu um neto que pediu para ser reconhecido como filho socioafetivo dos avós maternos, mas sem alterar o nome da mãe biológica no registro civil. Ele queria que ambos os vínculos fossem reconhecidos oficialmente.

Nas instâncias anteriores, o processo foi encerrado sem análise do pedido porque os tribunais entenderam que se aplicaria a regra do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que proíbe avós de adotarem seus próprios netos.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do STJ, destacou que o caso não se trata de adoção, mas sim de reconhecimento de filiação socioafetiva, que tem base em vínculos reais e significativos.

“Trata-se, em verdade, do reconhecimento de uma situação fática já vivenciada, que demanda o pronunciamento do Poder Judiciário acerca da existência de um vínculo já consolidado”, completou.

A ministra enfatizou que o reconhecimento da filiação socioafetiva é admitido mesmo que o filho tenha a paternidade ou a maternidade regularmente registrada no assento de nascimento, tendo em vista a possibilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal – STF.

Sobre o interesse processual do pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva avoenga, Andrighi apontou que deve ser verificado segundo a teoria da asserção, ou seja, a partir das afirmações do autor na petição inicial. Assim, basta que o pedido inicial apresente informações suficientes sobre a possível existência de laços de socioafetividade entre as pessoas, cujo vínculo parental se busca reconhecer para autorizar o regular processamento da ação.

Fonte: site IBDFAM

Mesmo na separação obrigatória de bens, prêmio de loteria da viúva pode ser incluído na herança do falecido

Resumo em texto simplificado 

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o prêmio de loteria ganho por uma viúva – recebido quando o marido estava vivo – seja reconhecido como patrimônio comum do casal e incluído na partilha da herança do falecido, ainda que o casamento tenha sido celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens.  

Ao reafirmar a jurisprudência segundo a qual é desnecessário investigar a participação de cada cônjuge para a obtenção de bem adquirido por fato eventual, justamente porque se trata de patrimônio comum, o colegiado deu provimento ao recurso dos filhos do falecido para que eles tenham direito à partilha do prêmio de R$ 28,7 milhões recebido pela esposa do pai.

O casal esteve em união estável, com comunhão parcial de bens, por 20 anos, e formalizou o matrimônio em 2002, no regime de separação obrigatória de bens, devido à idade, conforme determinação do artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916.

Após a morte do pai, seus herdeiros ajuizaram ação contra a viúva para receber parte do valor da loteria, o que foi negado nas instâncias ordinárias, que concluíram pela incomunicabilidade do patrimônio adquirido por fato aleatório, ao fundamento de que a norma do artigo 1.660, II, do Código Civil de 2002 somente incidiria no regime da comunhão parcial de bens.

Prêmio de loteria é bem comum do casal 

O relator do caso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que a Quarta Turma, em julgamento sobre o mesmo tema, firmou o entendimento de que, mesmo na hipótese de separação obrigatória, “o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de ‘bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior’ (artigo 271, II, do CC/1916; artigo 1.660, II, do CC/2002)”.

“Ou seja, na interpretação desta corte superior, tratando-se de bem adquirido por fato eventual, o exame sobre a participação de ambos os cônjuges para sua obtenção (esforço comum) é desnecessário”, destacou o ministro.

Código Civil impõe separação total de bens ao idoso

Segundo o relator, a previsão legal que impõe a separação de bens ao idoso (artigo 258, parágrafo único, II, do CC/1916; artigo 1.641, inciso II, do CC/2002) objetiva a preservação de seu patrimônio em vista de casamentos realizados por exclusivo interesse financeiro.

O ministro observou que essa previsão já recebeu diversas críticas da doutrina, uma vez que afasta a autonomia privada e induz presunção de incapacidade do cônjuge sexagenário – atualmente, septuagenário – para decidir sobre o regime de bens de seu casamento e o destino de seu patrimônio. Por esse motivo, ressaltou, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.236 da repercussão geral, fixou a tese de que essa norma pode ser afastada por vontade das partes. 

No caso em análise, o ministro observou que o casamento aconteceu após longo relacionamento em união estável. Para o relator, deve ser aplicado o artigo 1.660, II, do CC/2002, uma vez que não é razoável que a formalização do vínculo matrimonial torne mais rigoroso o regime de bens existente entre os cônjuges – os quais não manifestaram de forma expressa o interesse em disciplinar regime diverso da comunhão parcial de bens.

Da mesma forma, destacou o ministro, é o entendimento firmado por juristas presentes na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e consolidado no Enunciado 261.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Terceira Turma permite que mãe entregue filho para adoção sem conhecimento da família extensa

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção – um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017, que inseriu o artigo 19-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – pode ser aplicado também em relação ao suposto pai e à família extensa do recém-nascido. Com esse entendimento, os ministros deram provimento ao recurso de uma mãe para permitir que seu filho seja encaminhado para adoção, conforme sua vontade, sem consulta prévia aos parentes que, eventualmente, poderiam manifestar interesse em ficar com ele.

O colegiado entendeu que o direito da mãe biológica ao sigilo é fundamental para garantir sua segurança e tranquilidade desde o pré-natal até o parto, protegendo o melhor interesse do recém-nascido e assegurando o respeito à vida e à convivência familiar afetiva.

Em primeiro grau, o juízo homologou a renúncia da mãe ao seu poder familiar e encaminhou o filho recém-nascido para adoção, já que ela não queria que seus parentes fossem consultados sobre o interesse em ficar com a criança, preferindo que tudo permanecesse em sigilo. O Ministério Público recorreu, afirmando que, embora a mãe biológica tenha pedido o sigilo, a família extensa deveria ser consultada antes de qualquer decisão, em respeito ao direito do menor de conhecer e conviver com seus parentes.

Ao revogar a decisão do juízo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou que, antes do encaminhamento da criança para adoção, fossem esgotadas todas as possibilidades de sua inserção na família natural. Invocando os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta previstos na Constituição Federal e no ECA, o tribunal entendeu que a adoção – medida excepcional e irrevogável – só deve ocorrer quando não há alternativas dentro da família extensa.

Em nome da mãe do recém-nascido, a Defensoria Pública recorreu ao STJ alegando que o direito ao sigilo deveria ser estendido a todos os membros da família biológica e ao pai, conforme sua vontade. Segundo o recurso, apenas quando não há solicitação de sigilo é que a família extensa deve ser consultada sobre o interesse de ficar com a criança.

Sigilo oferece alternativa mais segura e humanizada

O ministro Moura Ribeiro, relator, destacou que a Lei 13.509/2017 introduziu no ECA o instituto da “entrega voluntária”, previsto no artigo 19-A, permitindo que a gestante ou parturiente, antes ou logo após o parto, opte por entregar judicialmente o filho para adoção, sem exercer os direitos parentais.

De acordo com o relator, essa nova abordagem oferece uma alternativa mais segura e humanizada, voltada para a proteção da vida digna do recém-nascido e para evitar práticas como o aborto clandestino e o abandono irregular de crianças. O ministro destacou que, antes dessa inovação no ECA, o ordenamento jurídico exigia procedimentos complexos para a entrega de crianças para adoção, como a identificação completa dos pais e o reconhecimento de paternidade, o que muitas vezes levava ao abandono ilegal para evitar constrangimentos ou até responsabilização criminal.

“O instituto agrega, ao mesmo tempo, o indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade do recém-nascido, assim como o direito de liberdade da mãe”, disse Moura Ribeiro. Para ele, a entrega da criança às autoridades e instituições competentes lhe dará a chance de conviver com uma família substituta, e a genitora “terá a liberdade de dispor do filho sem ser prejulgada, discriminada ou responsabilizada na esfera criminal”.

Princípio do melhor interesse da criança pode ser interpretado de diferentes formas

O ministro afirmou que o direito da criança à convivência familiar, preferencialmente com a família natural, não entra em conflito com a entrega voluntária para adoção, quando a mãe opta pelo sigilo do nascimento. Ele ressaltou que, embora a adoção só deva ocorrer depois de frustradas as tentativas de manter a criança na família natural, essa solução nem sempre atende ao seu melhor interesse, pois, muitas vezes, o menor enfrenta situações de abandono, agressões e abusos no ambiente familiar em que nasceu, sendo necessária uma intervenção imediata para garantir o seu bem-estar.

Na opinião do relator, o operador do direito deve sempre ter em mente que a adoção visa assegurar o direito fundamental à convivência familiar e comunitária, como estabelecido na Constituição e no ECA. Dessa forma, segundo ele, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, por ser indeterminado, pode ser interpretado de diferentes formas, dependendo da situação concreta.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: site STJ

Justiça determina aumento expressivo de pensão alimentícia em São Paulo: De meio salário para nove salários mínimos

Em uma decisão histórica que reafirma o compromisso com o bem-estar infantil, o TJ/SP proferiu uma sentença que elevou significativamente o valor da pensão alimentícia devida por um pai a suas filhas. A decisão, emitida pela 2ª vara da família e sucessões do foro regional VI – Penha de França, em São Paulo, no dia 2 de setembro de 2024, representa um marco na proteção dos direitos das crianças.

Aumento Substancial

O ponto mais notável desta decisão é o aumento expressivo no valor da pensão alimentícia. Anteriormente, as crianças recebiam o equivalente a meio salário mínimo, além de algumas despesas pagas in natura pelo pai. Com a nova sentença, o valor foi majorado para impressionantes 9 salários mínimos federais, um aumento de 1700% em relação ao valor monetário anterior.

Justificativa da Decisão

A juíza responsável pelo caso fundamentou sua decisão no binômio necessidade-possibilidade, princípio fundamental no direito de família. Ela observou que, embora as despesas alegadas para as crianças fossem elevadas, era necessário encontrar um equilíbrio justo entre as necessidades das menores e as possibilidades financeiras do genitor.

Simplificação do Pagamento

Um aspecto importante da sentença foi a consolidação de todas as obrigações anteriores em um único valor monetário. Antes, o pai era obrigado a arcar com diversas despesas in natura, como aluguel, mensalidades escolares e plano de saúde. A nova decisão simplifica o cumprimento da obrigação, garantindo maior estabilidade financeira para as crianças.

Cláusula de Proteção

A magistrada também estabeleceu uma cláusula de proteção, determinando que, mesmo em caso de emprego formal do pai, o valor mínimo de 9 salários mínimos deve ser respeitado. Esta medida visa assegurar um padrão de vida adequado para as menores, independentemente da situação empregatícia do genitor.

Impacto da Decisão

Esta sentença não apenas melhora significativamente a qualidade de vida das crianças envolvidas, mas também estabelece um importante precedente para casos similares. Ela destaca a importância de revisões periódicas de acordos de pensão alimentícia para assegurar que continuem atendendo às necessidades em constante evolução dos menores.

Fonte: site Migalhas!

TJSP mantém condenação de homem por estelionato sentimental

De forma unânime, a 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a condenação de um homem por estelionato sentimental contra a ex-companheira. Foi fixada pena em quatro anos de reclusão, em regime inicial aberto, além de reparação mínima de R$ 116 mil à vítima.

No caso dos autos, o homem aproveitou-se de um momento de fragilidade emocional da então namorada e pediu dinheiro emprestado, supostamente para pagar um agiota. Em razão disso, a mulher solicitou empréstimos de mais de R$ 100 mil e realizou pagamento de boletos em benefício da empresa do réu.

Após terminar o relacionamento, poucos meses depois, a mulher descobriu que o ex-namorado tinha passagens na polícia por estelionato e falsificação de cheque.

Ao avaliar o recurso no TJSP, a relatora destacou que no estelionato sentimental o agente inicia um relacionamento com o objetivo de obter vantagem patrimonial e se aproveita da fragilidade emocional do parceiro.

“No caso em questão, a vítima, diante de uma falsa percepção da realidade, contraía empréstimos e dispunha de seu patrimônio pessoal, temendo que os supostos agiotas fizessem algo com o réu ou com suas filhas, de modo que se tem a conduta descrita no artigo 171, ‘caput’, do Código Penal. Logo, era mesmo de rigor a condenação”, registrou a magistrada.

Apelação: 1521975-82.2022.8.26.0050.

Reparação

A advogada Fernanda Las Casas, presidente da Comissão de Pesquisa do IBDFAM, comenta que, no caso dos autos, a vítima ainda pode buscar reparação cível sobre os juros bancários e danos morais sofridos pelo estelionato sentimental.

Segundo a especialista, os Tribunais têm agido, cada vez mais, com rigor em casos de estelionato sentimental. “Antes não era frequente a punição criminal, e até a reparação era baixa. Agora temos visto a punição criminal com a restrição de liberdade, somado à multa, reparação financeira, que pode se somar à reparação cível.”

“O recado da Justiça é claro: não serão mais admitidos golpistas atuando livremente na sociedade. Não tive acesso total aos autos, apenas a decisão, contudo, certamente pelo rigor da decisão parece ter-se provado que o agente do golpe atuou com a intenção de enganar a confiança da vítima para levá-la a acreditar que viviam uma relação afetiva verdadeira e, assim, extorquir valores altos, causando-lhe prejuízos financeiros e psicológicos”, explica.

Pós-modernidade

De acordo com Fernanda Las Casas, a sociedade pós-modernidade vive um novo momento nas formas de se relacionar e é comum as pessoas se conhecerem por meio de aplicativos de relacionamento, porém, esta nova tecnologia não retira o dever de agir de forma honesta, ética, nas relações afetivas.

“A utopia criada nas redes sociais, em que todos são belos, verdadeiros e honestos, também transmite a falsa sensação aos usuários de estarem em um ambiente totalmente seguro com pessoas validadas pela plataforma”, pondera.

Para a especialista, a ilusão de uma suposta segurança leva à busca pelo “par perfeito”, o que torna propício o golpe do estelionato sentimental. Contudo, ela ressalta: “Não importa se estamos em um ambiente digital ou não, o indivíduo deve agir em qualquer relação afetiva e principalmente familiar, com um comportamento ético, coerente, não criando indevidas expectativas e esperanças no(s) outro(s), é o dever legal da boa-fé nas relações”.

Ela acrescenta: “Na medida em que constatamos punições cada vez mais severas aos golpistas que agiram contrariamente ao verdadeiro dever jurídico e à boa-fé esperada, temos a certeza de que o Estado está agindo na proteção da entidade familiar como um todo, pois a proteção se estende além do patrimônio familiar e alcança a dignidade da pessoa humana.

“Caso contrário, estaríamos todos condenados a viver um paradoxo da pós-modernidade, em que todos tenderiam a ficar cada vez mais conectados, porém, vivendo cada vez mais solitários”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

STJ impede adoção avoenga proibida pelo ECA; “o fato de ter sido o adotando cuidado pelos avós não é suficiente”, diz especialista

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou a adoção de um neto pelo avô, pai da mãe biológica da criança. O Tribunal considerou que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA proíbe a adoção de netos pelos avós.

No caso em questão, a criança, gerada por inseminação artificial, vive com a mãe e com o avô, que é visto como figura paterna. Apesar do vínculo afetivo entre os dois, o STJ avaliou que a mãe está plenamente presente e exerce sua função sem impedimentos.

Ao avaliar a questão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, esclareceu que o STJ já abriu algumas exceções à regra postulada pelo ECA, porém em casos raros e com exigências específicas.

Essas exceções só são permitidas, segundo a ministra, quando o avô ou avó assume, “de fato e exclusivamente, o papel de pai ou mãe desde o nascimento da criança, e quando existem laços afetivos muito fortes que justifiquem a adoção como forma de proteger o bem-estar do menor”.

Além disso, devem ser atendidos outros critérios, como: a criança precisa ser menor de idade, a relação familiar deve ser harmoniosa, e a adoção deve ser vantajosa para o adotando.

Como o avô não atende aos requisitos excepcionais, a adoção foi negada.

O caso tramita em segredo de Justiça.

Excepcionalidade

A advogada e professora Patricia Novais Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia que o STJ tem sido claro em seus posicionamentos a respeito da viabilidade de adoção por ascendentes apenas em situações muito excepcionais. “A coexistência do laço afetivo originário no papel intrafamiliar de pai ou mãe tem sido um ponto central para a não admissão da adoção avoenga”, comenta.

Entretanto, ela reconhece que as famílias são dinâmicas e diversas. “A abertura proporcionada pelo STJ deveria permitir a análise caso a caso, considerando contextos específicos que podem oferecer maior dignidade e sentimento de pertencimento aos envolvidos nesse núcleo familiar. Em minha visão, essa postura do STJ é positiva, pois permite olhar além da letra fria da lei, mas deveria ir além, para viabilizar o reconhecimento também de outras situações em que o direito à dignidade e à afetividade necessitam prevalecer”, acrescenta.

Entre as situações excepcionais em que o Tribunal permitiu a flexibilização da lei, a especialista destaca um caso de 2014 em que o neto foi concebido após a mãe sofrer abuso sexual, os avós assumiram integralmente os cuidados da criança. O mesmo ocorreu em 2018, quando o STJ decidiu favoravelmente pela adoção avoenga, também em razão de abuso sexual sofrido pela mãe biológica.

“Nesses casos, o papel intrafamiliar e social exercido pelo adotando era de filho (dos avós) e irmão (da mãe biológica), tratando-se de um nítido caso de parentalidade socioafetiva previamente constituída desde tenra idade, que gerava nítida colisão entre a regra prevista no art. 42, § 1º, do ECA e o princípio do melhor interesse da criança. Por isso, com razão, o STJ, ao definir que o ‘princípio do interesse superior do menor, ou melhor interesse, tem assim, a possibilidade de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação concreta onde se analisa’. Entretanto, nem todos os casos com vínculos afetivos fortes entre avós e netos têm recebido o mesmo tratamento”, analisa.

Segundo Patricia Novais Calmon, ao não admitir a adoção por ascendente no caso em que o avô materno coabita a residência com mãe e filho, que foi gerado por inseminação artificial, “o STJ reconheceu que há, entre mãe e filho, uma família monoparental, que tem proteção constitucional, não sendo suficiente que a criança reconheça o avô como pai para superar o expresso óbice legal do art. 42, § 1º no ECA”.

E acrescenta: “Como se vê, realmente as hipóteses julgadas pelo STJ que admitiram a flexibilização da lei são claramente excepcionalíssimas, inclusive com uma impossibilidade de atuação parental conjunta com os pais biológicos. Apenas o fato de ter sido o adotando cuidado pelos avós, em conjunto ou em apoio aos pais, não é o suficiente para a adoção por ascendentes”.

Histórico

Ao analisar o histórico da proibição legal da adoção por ascendentes, a advogada observa que a restrição é relativamente recente no ordenamento jurídico, introduzida apenas com o ECA, em 1990.

“Em contraste e buscando raízes mais profundas, no Direito Romano, era plenamente permitido que avós adotassem seus netos. Isso sugere que a proibição expressa no art. 42, § 1º, do ECA, pode vir a ser revisada no futuro, caso haja vontade política para tal mudança”, afirma.

Segundo ela, a vedação atende a três finalidades principais: “evitar a confusão de papéis na estrutura familiar; evidenciar a falta de necessidade prática e afetiva dessa medida, pois o adotando já integra o núcleo familiar; e impedir possíveis fraudes ao sistema fiscal, previdenciário e sucessório”.

“Contudo, em situações específicas em que não haja confusão de papéis na estrutura familiar; a adoção se mostre adequada para garantir a dignidade e um senso de pertencimento ao núcleo familiar, sem descompasso com as normas sociais estabelecidas; e a adoção não tenha como finalidade fraudes, seria razoável — e talvez até recomendável — que o legislador considere regulamentar tais casos de adoção por ascendente, garantindo, com isso, maior segurança jurídica aos envolvidos e, quem sabe, até mesmo a possibilidade de extrajudicialização da medida”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

STJ reconhece fraude e permite penhora de imóvel usado pela família como moradia

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou provimento ao recurso especial de devedores que visavam evitar a penhora de um imóvel usado pela família para moradia e que foi dado como garantia de um empréstimo.

O caso envolve dois contratos de mútuo firmados com particulares, em que a garantia real do negócio consistiu em imóveis, inclusive aquele usado para moradia da família.

Ficou acertado que caberia aos devedores registrar a hipoteca na matrícula do imóvel, de modo a esclarecer para futuros compradores que o bem tinha essa restrição.

Os devedores não fizeram o registro e, ao ficarem inadimplentes, venderam o imóvel para um amigo da família, que tinha ciência das dívidas e fez a compra para permitir que eles continuassem morando no local.

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS reconheceu a ocorrência de fraude contra credores e afastou a impenhorabilidade do bem. Os devedores recorreram ao STJ.

Fraude

Para a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, a fraude contra os devedores se configura porque, antes mesmo da venda do imóvel e apesar de ele seguir como moradia da família, o bem já era considerado penhorável.

Ela esclareceu que a Lei 8.009/1990, que trata da proteção ao bem de família, diz que ele é penhorável para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

Assim, o fato de eles não terem registrado a hipoteca na matrícula do imóvel não pode mudar essa conclusão, sob pena de permitir que eles se beneficiem da própria torpeza, inclusive porque confessaram que agiram dolosamente.

Fonte: site IBDFAM

Filha deve prestar contas de financeiro de mãe falecida a sucessores

Uma disputa judicial envolvendo a administração dos bens de senhora falecida levou a Justiça a determinar que uma das herdeiras preste contas das movimentações financeiras realizadas enquanto geria o patrimônio da mãe. O processo foi movido por uma das filhas, que alegou que a irmã extrapolou os poderes do mandato, utilizando os recursos em benefício próprio ao longo de vários anos. Decisão é do juiz de Direito Frederico dos Santos Messias, da 4ª vara Cível de Santos/SP.

A autora do processo, filha da falecida, buscava que a irmã fosse condenada a apresentar todas as contas referentes ao período em que atuou como mandatária, alegando irregularidades nas movimentações financeiras. A ré, por sua vez, admitiu a relação de mandato, mas defendeu-se afirmando que sempre geriu as finanças com zelo e já havia prestado as contas solicitadas.

Na sentença, o juiz destacou que a relação de mandato impõe o dever de prestar contas, o que inclui a possibilidade de que os herdeiros do mandante, no caso, a autora da ação, exijam essa prestação de contas após a morte da mãe.

“A condição de mandatário impõe o dever de prestar contas ao mandante ou aos seus herdeiros. No caso em questão, a prestação de contas decorre da incontroversa celebração de contrato de mandato, daí nascendo, portanto, o dever legal de dar as contas reclamadas em relação aos valores recebidos e gastos, pertencentes à mandante já falecida”, asseverou o juiz.

Com a decisão, a ré terá 15 dias para apresentar as contas de forma adequada, sob pena de, caso não o faça, perder o direito de impugnar os valores apresentados. A Justiça também ofereceu a possibilidade de a ré ter o prazo estendido para 30 dias, caso opte por renunciar ao direito de recorrer da decisão. 

Processo: 1020343-26.2024.8.26.0562

Fonte: site Migalhas

Mãe não biológica terá seu nome no registro civil da filha gerada com sêmen de doador

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que há presunção de maternidade da mãe não biológica de uma criança gerada por inseminação artificial heteróloga, no curso de união estável homoafetiva. No acórdão, o colegiado reconheceu às duas mães o direito de terem seus nomes no registro de nascimento da filha.

De acordo com o processo, duas mulheres que vivem em união estável, registrada em cartório desde 2018, fizeram inseminação artificial caseira heteróloga — ou seja, com a utilização de sêmen doado por um terceiro e injetado em uma delas.

O recurso chegou ao STJ após o juízo e o Tribunal de Justiça de São Paulo não reconhecerem a dupla maternidade, sob o fundamento de que o método adotado pelo casal não tem regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro e contraria o previsto na Resolução 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina (CFM) e no Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça.

Custo da inseminação

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 7º, e o Código Civil, no artigo 1.565, parágrafo 2º, reconhecem que o planejamento familiar é de livre decisão do casal e impõem ao Estado a obrigação de proporcionar o exercício desse direito, sendo vedado qualquer tipo de coerção das instituições públicas ou privadas.

A ministra ressaltou que a falta de disciplina legal para o registro de criança gerada por inseminação heteróloga caseira, no âmbito de uma união homoafetiva, não pode impedir a proteção do Estado aos direitos da criança e do adolescente — assegurados expressamente em lei. “Deve o melhor interesse da criança nortear a interpretação do texto legal”, enfatizou.

Nancy Andrighi reconheceu que os custos elevados das técnicas de reprodução assistida em clínica podem tornar inviável a realização do sonho de várias famílias, e o Poder Judiciário não pode ratificar essa desigualdade social.

“Negar o reconhecimento da filiação gerada de forma caseira seria negar o reconhecimento de famílias que não possuem condições financeiras de arcar com os altos custos dos procedimentos médicos”, completou.

Inseminação heteróloga

A relatora destacou que a equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões heteroafetivas — estabelecida em julgamentos do Supremo Tribunal Federal — inclui suas prerrogativas. Sob essa perspectiva, ela apontou a viabilidade da aplicação análoga do artigo 1.597, inciso V, do Código Civil, aos casais homoafetivos que concebem filho por inseminação artificial heteróloga no curso de convivência pública, contínua e duradoura, com intenção de constituição de família.

Segundo a ministra, embora o acompanhamento médico e de clínicas especializadas seja de extrema relevância para o planejamento da concepção por meio das técnicas de reprodução assistida, é cada vez mais comum a inseminação heteróloga caseira, sem acompanhamento médico.

Com relação ao reconhecimento da dupla maternidade, a relatora ressaltou que “se a gestação realizada por meio de técnica de inseminação artificial heteróloga foi planejada no curso da união estável homoafetiva, presentes os requisitos previstos no artigo 1.597, inciso V, do Código Civil, deve, pois, ser reconhecida a filiação”. Ainda ressaltou que “a presunção da maternidade ou paternidade do cônjuge ou companheiro(a) é absoluta, sem possibilidade, em regra, de retratação ou impugnação”.

Por fim, a ministra concluiu que a interpretação da matéria à luz dos princípios que norteiam o livre planejamento familiar e o melhor interesse da criança indica que a inseminação artificial caseira é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O número do processo não é divulgado em razão de segredo judicial. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Fonte: site Conjur

Morte de recém-nascido não afasta pagamento de pensão aos pais

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o fato de a pessoa que morre em consequência de erro médico ser recém-nascida não impede a fixação de pensão. O colegiado entende que é possível presumir que o recém-nascido passaria a contribuir para as despesas familiares quando atingisse 14 anos de idade.

O entendimento tem orientado o STJ em processos ajuizados por pais que responsabilizam hospitais e planos de saúde pelas mortes dos filhos em decorrência de erros na gestação ou no parto.

No REsp 2.121.056, julgado em maio deste ano, a ministra relatora Nancy Andrighi explicou que, se é possível fixar pensão pela morte de uma criança ou adolescente que não exercia atividade remunerada, o mesmo vale para um recém-nascido. No caso em questão, uma grávida que procurou atendimento médico devido a dores nas costas foi encaminhada ao hospital, onde passou por cesariana. A criança morreu dias depois, por erro médico, porque não foram feitos os exames necessários previamente ao parto.

Ao julgar o REsp 2.134.655, no mês passado, a Terceira Turma adotou a mesma razão de decidir, mas identificou um fator de distinção relevante que a levou a afastar a pensão. O caso concreto é o de uma mulher que descobriu, apenas uma semana antes do nascimento, que o feto era portador de cardiopatia congênita complexa e precisaria passar pelo parto em local com suporte de UTI neonatal. O bebê nasceu e morreu 22 dias depois.

A Justiça estadual de Goiás concluiu pela falha na prestação dos serviços oferecidos pelo plano de saúde, mas afastou a pensão por não existir prejuízo patrimonial a ser reivindicado pelos pais. Isso porque a criança nasceu com múltiplas malformações e patologias graves, o que tornou incerto que ela contribuiria, no futuro, para a renda da família. A interpretação foi referendada pelo STJ, por unanimidade de votos.

Também relatora do caso, Nancy Andrighi sustentou que a circunstância do nascimento com múltiplas malformações e patologias, as quais se incluem entre as causas de sua morte, afasta o nexo de causalidade entre a conduta do plano de saúde e o dano. Assim, é possível que o diagnóstico tardio tenha contribuído para a morte do bebê, mas não é possível afirmar que essa foi a causa direta e imediata.

“O contexto fático-probatório delineado não induz à conclusão segura de que a morte do recém-nascido é efeito necessário da falha na prestação do serviço de assistência à saúde apta a ensejar a sua condenação à indenização por danos materiais”, concluiu.

REsp 2.121.056
REsp 2.134.655

Fonte: site IBDFAM