Autor: Thaisa Pellegrino

Lei Maria da Penha se aplica a maus tratos de pai contra filha menor

A presunção de hipossuficiência da mulher, implicando a necessidade de o Estado oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade, constitui-se em pressuposto de validade da Lei Maria da Penha.

Com base nesse entendimento, a 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem por maus tratos contra a filha de 12 anos. A pena é de três meses e três dias de detenção, em regime inicial aberto, concedida a suspensão pelo prazo de dois anos.

De acordo com os autos, o réu tinha a guarda da filha havia sete anos. Um dia, após suspeitar que a menina possuía um perfil secreto no Instagram para se comunicar com a mãe, o acusado acabou agredindo a filha com um cinto. Ela sofreu lesões na perna esquerda, comprovadas por perícia médica.

Em juízo, o pai disse que sua intenção era de bater com o cinto no chão, para “repreender” a filha por supostamente manter o perfil secreto. Porém, segundo o réu, ao bater com o cinto no chão, acabou atingindo a perna da filha. Ele disse que logo se arrependeu e se desculpou pelo ocorrido. A menina confirmou as agressões em juízo e disse que o pai a atingiu várias vezes com o cinto.

De início, o relator, desembargador Willian Campos, rejeitou o pedido do réu para afastar a aplicação dos preceitos da Lei Maria da Penha. “Isso porque bem caracterizada a violência de gênero exigida pela Lei Maria da Penha, uma vez que a vítima foi agredida por seu genitor no âmbito familiar”, afirmou. 

Segundo o magistrado, a vítima estava sob a guarda judicial do réu e ambos viviam sob o mesmo teto, sendo incontestável o vínculo entre a conduta criminosa e a relação familiar. E, ainda que assim não fosse, Campos disse que os elementos de prova colhidos revelam a vulnerabilidade da vítima. 

“Os maus tratos perpetrados pelo réu estão comprovados pela confissão judicial do réu, pelas declarações da vítima e testemunhas, corroboradas pelo boletim de ocorrência, pelas fotografias e pelo laudo pericial, que constatou a presença de equimoses amarelo e esverdeadas em toda a face lateral do membro inferior esquerdo da vítima, compatíveis com histórico de agressão com cinta, concluindo pela existência de lesões corporais de natureza leve”, disse Campos.

O relator também destacou que, em crimes cometidos no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima possui especial relevância, pois os delitos costumam ser cometidos longe de testemunhas, aproveitando-se o agressor do vínculo que mantém com a vítima. 

“A alegação da defesa de ausência de dolo, pois as ‘cintadas’ teriam sido direcionadas ao chão, não deve prosperar. As lesões constatadas na vítima demonstram claramente que as investidas não foram acidentais. À evidência que o réu, ao agredir violentamente a adolescente com golpes de cinta, embora com animus corrigendi, extrapolou os meios necessários para tanto, colocando em risco a integridade física da infante, tanto que lhe provocou ferimentos”, concluiu. A decisão foi unânime. 

Processo 1504114-98.2019.8.26.0564

Fonte: site CONJUR

Em divórcio litigioso, juiz exclui dívidas de empresa administrada pelo ex-marido e determina partilha de bens em 50 por cento

Na Justiça de São Paulo, um divórcio litigioso chegou ao fim com a exclusão das dívidas da empresa administrada pelo ex-marido e divisão do patrimônio em 50% para cada um dos ex-cônjuges. Eles se casaram em 2003, pelo regime da comunhão parcial de bens, tiveram dois filhos e estão separados de fato desde meados de 2019. A decisão é da 1ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo.

Em sede de contestação, a advogada Kelly Angelina de Carvalho, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, utilizou a tese de tentativa de fraude à partilha, apresentando provas da existência e propriedade dos bens que constituíam o patrimônio do casal. No processo, o homem também alegou a existência de empresa individual em seu nome e dívidas desta para compor o patrimônio a partilhar no divórcio.

A mulher esclareceu que a empresa citada era administrada exclusivamente pelo ex-cônjuge. Por isso, ela não seria responsável pelas dívidas contraídas. Acrescentou que o empreendimento deixaria de ser movimentado, já que o ex-marido abriu um segundo negócio no nome da filha com a mesma razão social, endereço e contato. A intenção, segundo a defesa, nunca foi pagar as dívidas, mas prejudicar a partilha e meação.

O juiz Eduardo Moretzsohn de Castro, responsável pelo caso, esclareceu que sob a comunhão parcial de bens, à luz do artigo 1.658 do Código Civil, comunicam-se os bens que sobrevierem na constância do casamento, salvo as exceções previstas no artigo 1.659, I a VII, do mesmo diploma legal.

“Presume-se a aquisição dos veículos, dos móveis e utensílios e do apartamento financiado, de forma equânime, independentemente do registro em nome do autor ou da ré”, sustentou. Assim, o magistrado acatou a tese da ré e determinou a partilha de 50% dos bens, móveis, imóveis e créditos indenizatórios do casal, na proporção de 50% para cada, bem como excluiu da partilha as empresas e suas dívidas.

Fraude é recorrente em processos de divórcio, diz advogada

A advogada Kelly Angelina de Carvalho explica que a tentativa de fraude não foi expressamente reconhecida pelo magistrado. “Por esta razão, não houve uma penalidade explícita para o homem, a não ser a própria inclusão na partilha dos bens outrora ocultados por este”, pontua.

“Antes de a ré contestar a ação, houve inúmeras propostas de acordo no sentido de fazê-la renunciar aos bens ora partilhados, e levar à baila dos autos os documentos que comprovavam a propriedade dos bens do casal, evidenciando a possível tentativa de fraude à partilha, sem dúvidas, corroborou para o convencimento do juiz e proferimento da sentença, na qual os bens foram partilhados em proporções iguais, em conformidade com a legislação vigente.”

As tentativas de fraude são recorrentes nos processos de divórcio, segundo Kelly. “É comum nos depararmos com casais que, durante o matrimônio, não estiveram em igualdade de condições financeiras e profissionais. Não é incomum o homem ser o provedor do lar e administrar todos bens da família, enquanto a mulher se dedica exclusivamente às atividades domésticas e, muitas vezes, nem possui conhecimento da existência dos bens do casal.”

“Desta forma, no momento da dissolução conjugal, a situação se torna propícia para uma possível ocultação de patrimônio, prejudicando a meação do cônjuge. Acredito que uma maneira de combatermos essa prática é, sempre que a identificarmos, suscitar a tese de fraude à partilha, defendendo assiduamente o direito de meação do cônjuge aos bens, levando ao juiz o conhecimento dos fatos e o convencendo a aplicar a legislação vigente. Quanto mais os operadores do Direito agirem contra essas fraudes, mais decisões judiciais teremos neste sentido, e consequentemente, o exercício da fraude será mitigado.”

Fonte: IBDFAM

A nova Resolução do CNJ e a busca de informações bancárias do falecido

Situação muito comum vivenciada por quem atua na com inventários extrajudiciais é aquela na qual as agências bancárias recusam-se a prestar informações sobre saldos em contas e aplicações financeiras da pessoa falecida para o(a) inventariante, exigindo muitas vezes uma ordem judicial, sabidamente impossível de ser obtida no Tabelionato de Notas.

Ora, mas se os valores depositados em conta bancária ou aplicações financeiras que antes pertenciam ao falecido, após o óbito do correntista passaram a fazer parte do espólio (pelo Princípio da Saisine) e este, é administrado por um inventariante, não teria razão para essa negativa de prestação de informações por parte da instituição bancária. Mas na prática era o que acontecia.

Na verdade, deveria ser considerada verdadeira obrigação das agências bancárias o fornecimento de tais informações ao inventariante. Ademais, resta impossível, sem estas informações, o cálculo do valor do espólio e, consequentemente, o valor da causa, a apuração do Imposto de Transmissão e mesmo as cotas de cada herdeiro e eventual meação de cônjuges e companheiros(as).

Apesar de em 2015 ter sido expedido o Comunicado 49 da Febraban, para que as agências bancárias fossem “orientadas no sentido de fornecer ao interessado, que comprove sua condição de herdeiro ou de representante do espólio, informações relativas a contas de depósito e de investimentos de titularidade de pessoa comprovadamente falecida, para viabilizar a lavratura de escritura pública de inventário”, a situação não havia melhorado de forma significativa. As agências bancárias persistiam com a negativa.

Agora, com a Resolução 452/2022 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ que alterou, em boa hora, a Resolução 35/2007, passou-se a prever expressamente que o inventariante nomeado em escritura pública pode representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário.

Agora é acompanhar se haverá o cumprimento da Resolução por parte das instituições bancárias.

Mudança de domicílio de filho sem consentimento do outro genitor é possível?

É comum que as pessoas mudem sua residência com alguma regularidade em algum momento de sua vida. Porém, no caso de pais separados, onde o(s) filho(s) esteja(m) sob a guarda de um dos genitores, é importante que haja um bom diálogo entre estes. Se isso não for possível, recomenda-se que se atente para a conduta de modificação de domicílio do menor, sob pena de caracterização de ato de alienação parental.

A alienação parental é a conduta promovida pelo alienador objetivando dificultar a convivência do menor com o genitor alienado. Já o artigo 2º, inciso VII da Lei da Alienação Parental (LAP) dispõe que a mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós, pode configurar ato de alienação parental.

Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.

Caso o outro genitor não dê o consentimento para a mudança de domicílio, cabe a quem pretende mudar de cidade com o filho a propositura de ação judicial para suprimento dessa outorga, em que deverão ser apresentadas as respectivas justificativas, como, por exemplo, de ordem profissional, quando o Juiz avaliará se efetivamente existe a necessidade da alteração domiciliar.

Mãe que descuidou do filho desde a gestação tem poder familiar destituído pelo TJBA

A Justiça da Bahia destituiu o poder familiar de uma mãe por descuidar do filho desde a gestação. A decisão é da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia – TJBA, que  negou por unanimidade provimento ao recurso de apelação de uma mãe. O entendimento é de que, embora gravosa, a destituição do poder familiar é plenamente justificável quando cabalmente comprovado o descaso perpetrado pela genitora e o consequente descuido para com o filho.

Após denúncia, o Ministério Público promoveu a ação de destituição do pátrio poder em desfavor da mulher, que praticava violência física contra o filho. A criança sofreu fraturas no fêmur e lesão na cabeça em setembro de 2019, quando tinha pouco mais de um mês de vida.

A mãe alegou em seu recurso que não poderia ser apenada por ato cometido isoladamente pelo ex-companheiro, pai do menino. O homem, por sua vez, abdicou do exercício do pátrio poder, alegando não ter condições de cuidar do filho. Manifestou ainda que prefere colocá-lo em família substituta.

A juíza responsável pelo caso também deferiu a guarda provisória da criança em favor de um casal que demonstrou interesse em ficar com o menino e estava previamente habilitado à adoção na comarca, como rege a ordem no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA. A apelante se opôs e sustentou que a mãe e dois tios poderiam ajudá-la a criar o menino.

Desestruturação da mãe e da família extensa

A desembargadora Telma Laura Silva Britto, relatora da apelação, destacou ser “flagrante a desestruturação da demandada e da respectiva família extensa”. Acrescentou que a recorrente não tem “a necessária aptidão para bem zelar pela educação e seguro desenvolvimento do filho, porquanto mãe de outros três, não cuida de nenhum deles”.

Sobre a família extensa, a desembargadora entendeu que avó materna e tios tinham plena ciência da situação precária à qual a criança era submetida, mas se omitiram na proteção e nos cuidados que poderiam ter prestado. Os avós, inclusive, se recusaram a cuidar do neto após alta hospitalar, motivo de seu acolhimento em uma instituição pública.

A guarda provisória ao casal que deseja adotar o menino também foi mantida. Ainda segundo o acórdão, a mãe biológica é dependente química e violou os direitos do filho ao usar drogas durante a gestação. A relatora pontuou que há, nos autos, “provas consistentes das precárias condições da apelante para exercer uma maternidade de forma responsável, sob todos os aspectos”.

Fonte: IBDFAM

Justiça de Minas Gerais autoriza interrupção de gestação após feto ser diagnosticado com anomalia e malformações

A Justiça de Minas Gerais autorizou a interrupção da gravidez de uma mulher com feto diagnosticado com megabexiga. A anomalia causa diversas consequências para a criança, como dificuldades renais e a não formação do pulmão, tornando inviável a respiração fora do útero. A decisão é da 36ª Vara Cível de Belo Horizonte.

A anomalia foi constatada em janeiro, quando o feto tinha 12 semanas de gestação. Em abril, com 22 semanas de gravidez, a mãe realizou novo ultrassom  e foi constatada a piora do quadro de saúde em diversos aspectos, como caixa torácica e pulmões com tamanho reduzido. Dez dias depois, os pais decidiram interromper a gravidez.

Com o pedido de tutela de urgência na Justiça, o Ministério Público manifestou-se contrário, argumentando que, apesar da alta probabilidade de que “o feto venha a morrer intraútero ou até mesmo nos primeiros dias de vida, existe uma possibilidade, mesmo que pequena, de que ele possa ser assistido e manejado com terapia renal substitutiva”.

Sofrimento psicológico e risco de vida

O pedido, porém, foi deferido para afastar qualquer impedimento jurídico ao procedimento médico de interrupção da gestação. O juiz responsável pelo caso avaliou o relatório médico e considerou que o desencadeamento de outras malformações, a diminuição de líquido amniótico e o desenvolvimento incompleto dos pulmões inviabilizavam até mesmo a vida intrauterina do feto.

Ao autorizar a interrupção da gravidez, o magistrado disse que é “irrefutável o sofrimento psicológico a que estaria submetida a mãe e a inutilidade da exposição ao risco de vida ou de sequelas à sua saúde, ante a perspectiva nula de sobrevida do nascituro ou, em caso de sobrevida, a mínima expectativa de vida e sofrimento causado ao ser humano”.

Fonte: IBDFAM

Brasil tem número recorde de divórcios em 2021 com 80 mil separações

O Colégio Notarial do Brasil — entidade que representa 8.580 cartórios de notas do país — divulgou levantamento que aponta que 2021 foi o ano com o maior número de divórcios do país desde o início da série histórica, em 2007.

Foram registradas 80.573 separações em 2021. O número superou o recorde anterior que havia sido batido em 2020, com 77.509 divórcios. O crescimento foi de 4%, enquanto a população brasileira vem aumentando a um ritmo bem menor, de 0,7% ano a ano.

Uma das possíveis explicações é a simplificação do processo de separação instaurado durante a crise sanitária provocada pela Covid-19 e o isolamento social que teriam potencializado os conflitos entre casais. Lançado em abril de 2020, a plataforma e-Notariado permite que as separações pudessem ser oficializadas virtualmente. O processo é realizado por videochamada e conduzido por um tabelião.

O Distrito Federal foi a unidade da federação que teve o maior aumento de divórcios em 2021, em comparação ao ano anterior com um número 40% maior. Foram de 1.854 em 2020 para 2.583 em 2021. Em seguida estiveram os estados do Amapá (33%), Acre (27%), Pernambuco (26%) e Roraima (19%).

O estado que registrou o maior número de separações foi São Paulo com 17.701 divórcios. Em seguida aparecem Paraná (9.501), Minas Gerais (8.025), Rio Grande do Sul (6.343) e Rio de Janeiro (6.039). O menor número de divórcios ficou com o Amapá que registrou apenas 100 separações em 2021.

Fonte: site CONJUR

Trisal pretende acionar Justiça de São Paulo para filho recém-nascido ter nome do pai e das duas mães no registro civil

Um bebê, filho de um trisal de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, nasceu no último sábado (16). A família pretende buscar a Justiça para manter o registro da criança com o nome do pai e das duas mães na certidão de nascimento. As informações foram divulgadas pelo portal G1 no último fim de semana.

Para realizar o sonho parental, o trisal recorreu à fertilização in vitro. Um homem e uma mulher já eram casados há 15 anos e tinham dois filhos quando se apaixonaram por outra mulher. Ele já havia feito a cirurgia que o impedia de ter filhos biológicos, por isso decidiram pela reprodução assistida.

A união entre os três existe há três anos e meio. Nas redes sociais, eles mantêm o perfil Trisal Amor ao Cubo, no Instagram, em que compartilham a rotina e falam sobre o poliamor a mais de 40 mil internautas. Desde o nascimento do primeiro filho do trisal, eles ganharam mais de 2 mil seguidores na rede social.

“De todas as vivências, de todas as experiências, de todos os aprendizados, conclui-se que realizar um sonho nunca perde o seu sabor! Não podia ser diferente agora! Chegou nosso filho amado, irmão esperado e criança que só pela existência prova o quanto é possível viver em uma família que mesmo fora dos padrões tem muito amor e respeito”, diz uma das publicações.

A Justiça brasileira permite a multiparentalidade, registro de crianças com mais de um pai ou mais de uma mãe. No entanto, o procedimento depende de um processo judicial, com avaliação do juiz e dos psicólogos, com reconhecimento de laços socioafetivos entre os pretendentes ao reconhecimento da parentalidade e a criança. Não há legislação a respeito.

Multiconjugalidade e multiparentalidade

Para o advogado Marcos Alves da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o caso expõe uma contradição existente na Justiça brasileira. Se, por um lado, admite-se a multiparentalidade, por outro, não são reconhecidos os direitos decorrentes da multiconjugalidade, ou seja, do poliamor. “Aqui, reconhece-se uma família pela metade, afinal, é perceptível a existência de uma conjugalidade e é dela que surge uma parentalidade múltipla”, comenta o especialista.

“Em certos temas, o Supremo Tribunal Federal – STF avançou muito, foi progressista, revolucionário e contemplou muitos direitos, seguindo o princípio da pluralidade das entidades familiares, consagrado pelo caput do artigo 226 da Constituição. Foi o caso do reconhecimento da multiparentalidade, em 2016. Por outro lado, há uma outra compreensão na ordem da conjugalidade”, destaca Marcos.

Em 2020, a Corte julgou negativamente os direitos das famílias simultâneas, não admitindo a possibilidade de reconhecimento de direitos nem às uniões estáveis paralelas nem à união estável paralela ao casamento, em homenagem ao princípio da monogamia. Na época, a decisão dividiu opiniões entre especialistas no Direito das Famílias.

“Nesse tema, o Supremo andou em direção contrária àquilo que é uma tendência contemporânea da compreensão da família, inscrita nos princípios constitucionais. A jurisprudência nega a existência dessas famílias poliafetivas no campo da conjugalidade, não as reconhecendo juridicamente, como se não merecessem qualquer tutela jurisdicional”, critica o advogado.

CNJ também proíbe registro de uniões poliafetivas

Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ decidiu pela proibição do registro de escrituras públicas de uniões poliafetivas. Intimado a apresentar as manifestações necessárias sobre o tema, o IBDFAM se posicionou na época pela improcedência do pedido de providências, em defesa das famílias poliafetivas.

“Obstar o reconhecimento jurídico das uniões poliafetivas afrontaria os princípios da liberdade, igualdade, não intervenção estatal na vida privada, não hierarquização das formas constituídas de família e pluralidade das formas constituídas de família”, diz um trecho da manifestação do IBDFAM apresentada ao CNJ há quatro anos.

Para Marcos Alves da Silva, falta proteção às famílias formadas pelo poliamor. “Ainda há uma discriminação daquelas famílias que não se conformam pela maneira tradicional das uniões monogâmicas. Não cabe ao Estado estabelecer um standard daquilo que é ou não é família. Essa questão está no campo da subjetividade.”

“O preconceito é o que gera esse entendimento equivocado. O que se tem feito são julgamentos com base no preconceito, e não em uma interpretação conforme a Constituição, porque está presa pela superação de todas as diferenças e discriminações”, acrescenta o especialista.

Caso pode chegar às instâncias superiores

O Provimento 63/2017 do CNJ, que permitia o registro feito em qualquer idade, diretamente em cartório, foi alterado pelo Provimento 83/2019, que permite essa situação somente quando o filho da multiparentalidade tem mais de 12 anos, idade a partir da qual o procedimento poderá ser feito, independentemente da intervenção estatal.

Assim, no caso em tela, só será possível o registro da criança recém-nascida em nome de um pai e duas mães mediante sentença judicial, autorizando e reconhecendo a multiparentalidade na realidade fática. Segundo Marcos Alves da Silva, não há como prever de que forma a Justiça de São Paulo vai recepcionar o caso da família poliafetiva.

“Caso o magistrado tenha a compreensão da família a partir dos valores constitucionais e da leitura da Constituição feita hoje pelo Supremo em relação à multiparentalidade, parece-me que não há dúvida nenhuma de que o caso poderá ser resolvido em primeiro grau. Ainda assim, pode haver recurso do Ministério Público, que, necessariamente, vai intervir no feito, podendo levar o caso às instâncias superiores.”

O advogado conclui: “A conjugalidade múltipla, expressa no poliamor, encontra respaldo jurídico nos princípios da liberdade, da pluralidade das entidades familiares, da laicidade do Estado. E o Direito se faz com conquistas. Todo direito que se firmou nasceu da luta para a superação de discriminações. Creio que essa luta continua em relação ao Direito de Família”.

Fonte: site IBDFAM

Divórcio consensual é decretado e plano de partilha é homologado com um dos cônjuges interditado

A Justiça do Distrito Federal decretou um divórcio consensual em que um dos cônjuges está interditado. O homem tem esquizofrenia e coube à filha do casal, segundo decisão judicial anterior, representá-lo em todos os atos da vida civil. A sentença é da 1ª Vara de Família e de Órfãos e Sucessões de Sobradinho.

Os autores eram casados pelo regime da comunhão parcial de bens desde 1971. Da união, nasceram seis filhos, todos maiores e capazes. Na ação de divórcio, em que o homem foi representado pela filha, judicialmente designada como sua curadora, os requerentes também pretendiam a partilha dos bens listados na petição inicial.

O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios – MPDFT discordou do rito da ação. Segundo o parquet, dada a incapacidade de um dos cônjuges, não seria possível a homologação do acordo assinado pela curadora, uma vez que a ação de divórcio teria caráter personalíssimo. Tal entendimento não foi acolhido pela magistrada responsável pelo caso.

A juíza Ana Maria Gonçalves Louzada pontuou que a Emenda Constitucional 66/2010, concebida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, conferiu nova redação ao artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, extinguindo os requisitos anteriormente previstos para dissolução do vínculo do casamento, privilegiando o desejo de uma das partes para o fim da união.

“No caso presente, as partes não possuem o interesse na manutenção do relacionamento, motivo pelo qual estão presentes os pressupostos necessários para a decretação do divórcio”, entendeu a magistrada. “Por fim, deixo de apreciar o pedido de autorização para alienação de imóvel pertencente ao divorciando incapaz, tendo que tal pleito deve ser deduzido em ação própria.”

Sentença deve transitar em julgado em abril

O advogado Guilherme Ribeiro, membro do IBDFAM, atuou no caso. Ele conta que o MPDFT já emitiu parecer no sentido de que não recorrerá da decisão judicial. Assim, a sentença transitará em julgado no início de abril. Além da decretação de divórcio, o plano de partilha também foi homologado.

“Em primeiro lugar, entendo que a decisão foi correta, ainda mais porque atendeu aos interesses de todo o núcleo familiar. No caso concreto, em que pese a incapacidade de um dos cônjuges, os requerentes, à época da propositura da ação, estavam separados de fato já há um bom tempo, bem antes de a interdição ter sido decretada judicialmente”, ressalta Guilherme.

O fato de a curadora ser filha de ambos os requerentes comprova a ausência de litigiosidade a justificar uma eventual ação de divórcio litigioso, segundo o advogado. “Presume-se, também, que, em razão dos laços estreitos tanto com a mãe quanto com o pai, ela tenha interesse de fazer o melhor negócio em prol não apenas do curatelado, mas em benefício de todo o núcleo familiar.”

Via consensual

A opção pela via consensual também teve como parâmetro aspectos financeiros, segundo Guilherme Ribeiro. “Caso fosse ajuizada ação de divórcio litigioso, ante a incapacidade de um dos cônjuges e a suposta impossibilidade de a curadora assinar os termos de acordo – teses defendidas pelo MP –, muito possivelmente seria necessária a contratação de novos advogados, tanto para representar os interesses da mãe quanto para os do cônjuge incapaz – um no polo ativo e outro no polo passivo.”

“Como é bastante perceptível, os custos para o núcleo familiar seriam mais elevados. Por que não, diante das particularidades acima narradas, optar pela via consensual? Foi exatamente com base nesses argumentos que escolhemos a via consensual.”

Ele pontua: “Com base nos princípios da liberdade de auto-organização familiar e preservação dos laços de solidariedade entre os requerentes, com vistas à pacificação dos conflitos sociais, o juízo decidiu decretar o divórcio, sem que fosse necessário o ajuizamento de ação pela via litigiosa. Ainda, o Estado deve sempre estimular a solução consensual dos conflitos, nos termos do artigo 3°, § 2°, do Código de Processo Civil – CPC, o que foi observado pelo juízo no caso em análise”.

Fonte: site IBDFAM

STJ julga possibilidade de reconhecimento de parentesco socioafetivo “post mortem”

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ vai definir se é possível o reconhecimento do parentesco socioafetivo post mortem entre “irmãos de criação”. O caso concreto trata-se de irmãos e uma mulher já falecida, criada pelos pais deles, que também já morreram. O julgamento está suspenso após pedido de vista do relator, ministro Marco Buzzi.

O pedido dos autores foi negado em primeiro e segundo grau, com o entendimento de que a “irmã de criação” e os pais não buscaram tal reconhecimento em vida. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, a parentalidade socioafetiva “não pode servir unicamente para atribuir direitos sucessórios aos autores”.

O relator no STJ, ministro Marco Buzzi, já havia votado para dar provimento ao recurso dos irmãos. No entanto, na retomada do julgamento na terça-feira (15), sinalizou que pode reajustar o seu voto e, por isso, pediu vista. Já votou o ministro Raul Araújo, para quem não é possível o reconhecimento do parentesco.

Segundo Araújo, a lei civil estabelece que a existência do parentesco colateral exige, necessariamente, o ascendente comum. Pontuou que não há prévio reconhecimento de filiação socioafetiva entre a falecida e os supostos pais, também falecidos, seguindo o mesmo entendimento das instâncias ordinárias.

O ministro divergiu do voto inicial do relator, negando provimento ao recurso. “Ainda que se tenha como possível, em abstrato, a pretensão ao reconhecimento de parentesco socioafetivo, este somente se admite a partir da existência da prévia relação entre ‘pai e filho’ e ‘filho e filha’, com base na posse do estado de filho.”

REsp 1.674.372

Tese de fraternidade socioafetiva

A tese de fraternidade socioafetiva foi apresentada pelo advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em julgamento de 2006. No caso pioneiro, três irmãs que conviveram durante 30 anos com um “irmão de criação” pediam a declaração de socioafetividade e reconhecimento de última vontade testamental.

Rodrigo lembrou do caso em entrevista concedida em 2020: “Ele era solteiro, não tinha descendentes, ascendentes e nem irmãos biológicos. Ao falecer, seus parentes mais próximos moravam fora do país, e só souberam da morte dele muito tempo depois, pois não tinham nenhum vínculo de afeto. Apesar disto, pela regra do Código Civil, eles seriam os herdeiros desse homem, que mal conheciam”.

Em testamento, o homem havia deixado todos os seus bens para as irmãs socioafetivas, mas não chegou a concluir o documento. “Nós, advogados, devemos entrar em cena para defender o justo, ainda que em detrimento da regra rígida e fria da lei. Aliás, esse é o nosso velho dilema: entre o justo e o legal, nem sempre coincidentes, é nossa posição ética ir atrás daquilo que é justo”.

Socioafetividade já está sedimentada na doutrina e jurisprudência

Segundo o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, a possibilidade de reconhecimento post mortem de irmandade socioafetiva ainda é uma questão nova sob o ponto de vista jurisprudencial. A conclusão dos ministros do STJ deverá ter grande utilidade para a comunidade jurídica, de acordo com o especialista.

“O reconhecimento de vínculo socioafetivo como passível de estabelecer um parentesco já é algo sedimentado na doutrina e na jurisprudência brasileira há mais de três décadas. Os vínculos mais conhecidos e reiterados certamente são os de paternidade, que deram impulso a essa temática. Também se tornaram mais comuns os casos de maternidade socioafetiva. Usualmente, temos as referências doutrinárias e jurisprudenciais mais atrelados aos laços filiais”, comenta Calderón.

Recentemente, decisões que procuram declarar judicialmente outros vínculos socioafetivos, para além da filiação, têm-se tornado recorrentes. Em janeiro, uma mulher teve reconhecida, na Justiça de Minas Gerais, a avosidade socioafetiva estabelecida com neta biológica de seu marido.

“O consolidado reconhecimento da afetividade como um princípio do Direito de Família brasileiro demonstra que, em abstrato, é possível a postulação de outras espécies de vínculos de parentesco lastreados no mesmo elo, como é o caso de uma irmandade socioafetiva. A doutrina especializada já defende isso e percebemos, agora, que os casos vêm chegando com mais frequência aos tribunais.”

Contornos fáticos da situação sub judice

Merece relevo, no caso concreto em análise pelo STJ, os contornos fáticos dessa situação sub judice. “Em tese, parece que não existem óbices jurídicos para um reconhecimento de outros laços parentais para além da filiação, mas é necessário analisar o caso concreto para que se verifique se a dada situação justifica uma declaração judicial dessa magnitude”, destaca Ricardo Calderón.

“O pedido de reconhecimento post mortem é uma peculiaridade que não pode ser ignorada, de acordo com o advogado. Além disso, há um litígio quanto à declaração desse vínculo, o que também precisa ser observado. Por fim, ao que me parece, não há uma demonstração ou prova clara e contundente da relação declarada nos autos entre os supostos irmãos socioafetivos, nem mesmo da filiação socioafetiva desses irmãos com o pais da falecida.”

O advogado acrescenta: “Essas delineações demonstram a importância da prova fática e da existência dos elementos necessários para o reconhecimento dos vínculos socioafetivos. Esse aspecto é central em casos do estilo em Direito de Família. Ao que se noticia, o STJ está se debruçando sobre as provas e elementos fáticos para dar a deliberação final”.

Há uma preocupação para que a pretensão não tenha como objetivo único e exclusivo a questão patrimonial. “A consolidação dos laços socioafetivos, consagrada no Direito brasileiro, não pode ser utilizada de modo abusivo, distorcido ou apenas a conferir direitos patrimoniais indevidos ou descabidos. Esse pano de fundo noticiado nos contornos dessa causa pode também tensionar a decisão para um lado ou outro.”

“Essa discussão também traz essa temática de uma pretensão patrimonial sucessória, um dos escopos da demanda. O interesse patrimonial também será levado em conta pelos julgadores para verificar a adequação ou inadequação do pleito apresentado. Há uma atenção para se evitar uma patrimonialização excessiva da declaração de vínculos afetivos. O contexto fático vai orientar os ministros no encontro da melhor solução.”

STJ deve dar sinalização importante sobre o tema

O especialista lembra que a possibilidade de reconhecer uma irmandade socioafetiva post mortem vai além desse caso em análise. “Não podemos perder de vista que o STJ julga casos concretos e também fica vinculado à situação que é posta e, em especial, às provas que são ou não apresentadas nos casos sob julgamento”, ressalta Ricardo Calderón.

“A postulação de uma irmandade socioafetiva é certamente inovadora. Traz, a reboque, diversas questões jurídicas profundas que demandam certa reflexão, lembrando que os aspectos fáticos também permeiam o entendimento final sobre essa causa. Tanto é assim que os ministros estão analisando minuciosamente a demanda.”

O pedido de vista apresentado pelo relator, ministro Marco Buzzi, indicando possível mudança de entendimento, demonstra a riqueza do tema. “Em breve, deveremos ter uma sinalização importante sobre um tema novo e que pode servir de orientação para outras causas do estilo.”

Fonte: site IBDFAM