Autor: Thaisa Pellegrino

Prisão civil não se justifica se for ineficaz para fazer devedor quitar pensão, diz STJ

A prisão civil do devedor de pensão alimentícia não é uma punição, mas uma forma de convencê-lo a quitar a obrigação. Logo, ela não é justificável se for ineficaz para compelir ao pagamento da dívida, inclusive nos casos em que o débito se avolumou de forma significativa.

Com esse entendimento, e por maioria de votos, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a um recurso em Habeas Corpus para soltar um homem que, por dificuldades financeiras, hoje deve R$ 42,8 mil em pensão.

A prisão civil foi pedida pela filha, representada pela mãe, para obrigá-lo a quitar a dívida. No Habeas Corpus, o pai alegou que passou por períodos de desemprego, nos quais não conseguiu honrar a dívida. Neles, fazia pagamentos parciais de acordo com suas possibilidades financeiras.

Em janeiro do ano passado, o alvo do pedido de prisão conseguiu emprego com carteira assinada e uma decisão liminar para reduzir o valor da pensão. Ele passou a receber R$ 1,8 mil por mês e a pagar R$ 496,85, descontados direto da folha de pagamento.

Relator da matéria, o ministro Raul Araujo identificou que o calote não foi voluntário e inescusável, pois ficou comprovada a incapacidade financeira do pai de arcar com a pensão da filha em sua totalidade. Atualmente, a obrigação vem sendo regularmente cumprida.

“No contexto, a manutenção de sua prisão civil, no atual momento, além de não se mostrar legítima, também não parece ser o melhor caminho, inclusive para a própria alimentada, ante a possibilidade de nova interrupção do pagamento, comprometendo o equilíbrio finalmente alcançado entre as partes”, afirmou o ministro.

Em sua análise, não há risco para a filha, nem urgência na percepção da dívida acumulada. Isso, porém, não significa negar a existência do valor, que ainda precisa ser pago. “Pode a cobrança prosseguir por meio mais adequado, restrito à disponibilidade patrimonial do devedor.”

Votaram com o relator os ministros Isabel Gallotti, Marco Buzzi e João Otávio de Noronha. Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Antonio Carlos Ferreira, para quem não há no Habeas Corpus provas robustas da incapacidade financeira do pai a justificar o afastamento da prisão civil.

Fonte: CONJUR

Idosa terá posse de imóvel até julgamento de união estável, decide TJSP

A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP reconheceu o direito real de habitação de uma idosa e garantiu a posse de um imóvel até o julgamento de união estável. O entendimento é de que a medida evita eventuais prejuízos.

A autora buscou o reconhecimento post mortem da união estável e o direito real de habitação do imóvel do casal. O pedido foi reconhecido em liminar, mas restou prejudicado em razão de sentença que julgou improcedente a ação.

Ao analisar o recurso, o relator considerou que “o efeito suspensivo ao recurso de apelação pode ser concedido em caso de se verificar relevância da fundamentação da apelação e haver risco de dano grave ou de difícil reparação ao recorrente”.

De acordo com o magistrado, no caso, há divergências nos relatos de testemunhas e das partes, a ponto de poder caracterizar união estável. O relator destacou que “os requeridos já ajuizaram ação de imissão de posse, que pode importar em liminar para imediata retirada da recorrente do imóvel, ferindo eventual direito real de habitação dela e dificultando seus resultados práticos”.

Direito à moradia

Para o advogado Igor Florence Cintra, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão foi acertada e demonstrou sensibilidade.

“Além de aplicar o Direito ao caso concreto, constatando a relevância na fundamentação da apelação e o risco de dano grave ou difícil reparação à recorrente, a 3ª Câmara de Direito Privado humanizou a decisão, impedindo que uma senhora de mais de 60 anos de idade fosse retirada de sua residência e ficasse sem um lar”, afirma o especialista.

Segundo o advogado, “permitir que uma senhora idosa continue residindo no imóvel que viveu nos últimos 10 anos até o julgamento do recurso de apelação é no mínimo respeitar seu direito à moradia e sua dignidade”.

“Tal entendimento demonstra não somente a aplicação da lei, como apresenta a possibilidade de fazê-lo de forma humana, tratando com sensibilidade a condição das partes durante o processo judicial; o que é indispensável ao Direito das Famílias”, conclui Igor Florence Cintra.

Fonte: IBDFAM

STJ reconhece filiação socioafetiva post mortem entre tio e sobrinha

Uma mulher que foi criada como filha pelo tio desde os dois anos de idade conquistou o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem. A decisão é do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao negar recurso especial que visava extinguir a decisão do tribunal de origem.

De acordo com a decisão, a mulher passou a morar com o tio quando sua mãe biológica mudou para a casa dele. Na época, ela tinha dois anos e, desde então, o homem cuidou dela como filha, pagando as despesas educacionais, comprando roupas e a ensinando a trabalhar.

O tribunal de origem reconheceu, após análise de provas, que a autora sempre esteve ao lado do falecido durante toda infância, adolescência e fase adulta. Ela chegou a trabalhar diretamente no negócio da família, em cargo de confiança.

“Neste contexto, se atualmente a filiação socioafetiva se reconhece post mortem com a prática comum de ‘adoção à brasileira’, muito mais se é de reconhecer em relação à sobrinha e seu tio, com laços de afeto originários tanto de um vínculo biológico quanto de um ato de acolhimento da mesma”, diz um trecho da decisão.

Segundo os autos, o registro da filiação não foi formalizado por conta de preconceitos. De acordo com o raciocínio do falecido, a adoção poderia afetar a honra de sua família, uma vez que a autora é filha de sua irmã, o que não o impediu de tratá-la como filha.

Avanço

Para Maria Berenice Dias, advogada do caso e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão é um passo importante no avanço da valorização do vínculo de filiação socioafetiva no meio jurídico brasileiro, causa defendida pelo Instituto há muitos anos.

“Como se trata do caso em que um tio criou a sobrinha, filha de sua irmã, não havia como ocorrer o reconhecimento da paternidade porque, se o nome dele fosse para a certidão de nascimento dela, seria uma relação incestuosa entre dois irmãos”, afirma.

Ela destaca a diferença entre adoção póstuma, destacada até no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) ,  e a ação de declaração post mortem de filiação socioafetiva.

“O reconhecimento da filiação prevê a posse do estado de filho e não é necessária a manifestação expressa da vontade de um vínculo. Ela nasce com um fato jurídico, e isso torna a decisão em questão tão emblemática. Em vida, o tio não pensou em adotar a sobrinha em nenhum momento, porque de fato não teria como. Contudo, isso não impede a filiação socioafetiva post mortem entre eles”, explica.

Tendência

Segundo o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, o reconhecimento de uma filiação socioafetiva post mortem demonstra a magnitude da afetividade na definição dos laços familiares contemporâneos, o que está refletido no Direito das Famílias.

“No caso dos autos, a decisão constatou a presença dos requisitos inerentes ao reconhecimento da socioafetividade e reitera que os elementos da chamada posse de estado de filiação estão devidamente comprovados”, analisa.

Ele chama a atenção para o fato de que a deliberação indica que é possível o reconhecimento do vínculo mesmo sem que o falecido pai socioafetivo tenha deixado um registro escrito expressando a vontade de formalizar a filiação.

“Este julgado confirma que a força fática advinda da relação paterno-filial socioafetiva é suficiente para, posteriormente, ainda que após a morte, consolidar o reconhecimento jurídico de uma filiação. Ao afirmar que não é necessária uma manifestação escrita do pai, o tribunal mostra que a notoriedade do vínculo filial, ou seja, o conhecimento público da relação, é suficiente para efetivar a filiação”, aponta.

Decisão inovadora

Ricardo Calderón observa que a busca pelo reconhecimento de filiação entre tio e sobrinha não é comum na justiça brasileira. Neste caso, o que houve foi uma relação paterno-filial devido às circunstâncias fáticas.

“Trata-se de uma relação peculiar que muitas vezes não está presente em outras famílias. No caso dos autos, houve uma robusta comprovação demonstrando que, efetivamente, o pai socioafetivo exerceu a função paterna por aproximadamente quarenta e cinco anos de maneira pública e inequívoca”, aponta.

Segundo ele, somente diante das provas apresentadas foi possível diferenciar a situação do caso em questão de outras relações entre tios e sobrinhas.

“Não é tão corriqueira a relação de tio e sobrinha vir a se transformar e ser reconhecida judicialmente por meio de um vínculo de filiação. No entanto, a força construtiva dos fatos sociais e a robusta prova demonstrada permitiram que o tribunal concedesse tal decisão que, sem dúvida, é singular, mas pode vir a servir de orientação para outras situações que tenham uma certa similaridade com o caso concreto”, observa.

Fonte: IBDFAM

Palavra da mãe sobre suposto abuso do pai justifica concessão de protetiva

Os relatos da mãe são suficientes para deferir a concessão de medidas cautelares de proteção de crianças em caso de acusação de abuso sexual por parte do pai.

Por isso, um homem, sob suspeita de abusar sexualmente dos filhos, um menino de 11 anos e uma menina de oito, foi obrigado a manter raio mínimo de distância de 100 metros das crianças e da mãe deles.

A Justiça paulista também determinou que o pai apague as fotos dos filhos de suas redes sociais.

De acordo com o processo, o homem teria feito diversas postagens em seus perfis do Facebook, Instagram e “stories” do WhatsApp com fotos das crianças, “com clara intenção de expô-las e comover seus seguidores após o deferimento das medidas protetivas e suspensão das visitas”, segundo a advogada da mãe, Najla Ferraz de Oliveira.

A juíza Ilona Marcia Bittencourt Cruz, da Comarca de Ribeirão Preto, afirmou na decisão que os relatos da mãe “são suficientes ao deferimento de medidas cautelares a assegurar a integridade das ofendidas”.

De acordo com a mãe das crianças, uma delas teria dito que o pai havia tocado suas partes íntimas, “enfiando a mão dentro da calcinha em região próxima da vagina, dizendo que iria ‘fazer carinho no bumbum’ e a outra criança narrou que o genitor lhe pedia para abaixar a calça para ele ‘ver o seu piu-piu’ e ‘acariciava seu bumbum'”.

“Outrossim, antes de narrarem os fatos à genitora, os infantes passaram a manifestar desejo de não verem mais o pai, e questionados, apresentaram os fatos a apurar, que neste momento, em sede de plantão judiciário, indicam a necessidade da concessão, em caráter cautelar, das seguintes medidas protetivas”, afirmou a juíza.

As medidas incluem suspensão das visitas do pai às crianças, proibição de contato com as crianças por telefone ou qualquer meio de comunicação, manter raio de distância de 100 metros e apagar as fotos dos filhos das redes sociais.

Fonte: CONJUR

Mulher que sofreu violência psicológica e patrimonial deve ser indenizada pelo ex-companheiro

Um homem que praticou violência psicológica e patrimonial contra a ex-companheira durante a união estável deverá indenizá-la em R$ 20 mil por danos morais. A decisão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP foi unânime.

O juízo de primeiro grau deu procedência à ação de reconhecimento e dissolução de união estável, mas negou o pedido de indenização. O dano moral foi reconhecido na apelação.

Conforme consta no processo, gravações de áudio e mensagens de texto registraram os insultos proferidos pelo réu. Ainda conforme as provas apresentadas, o homem controlava o uso dos recursos do casal e ameaçava se desfazer de objetos da mulher caso ela não lhe entregasse todo o salário.

Na ação, a vítima alegou que precisou se submeter a tratamento psicológico após o término. Para a relatora do caso, foram comprovados pela autora os prejuízos em sua esfera emocional decorrentes da conduta ilícita.

Segundo a desembargadora, a possibilidade de arbitramento de indenizações em casos de violência doméstica é pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ. A magistrada pontuou que, no processo, estão presentes os elementos do dano e do nexo causal.

“Dos fatos narrados e comprovados pela autora, percebe-se que a separação do casal foi permeada por intensa violência de cunho doméstico, o que, por si só, revela a gravidade do ocorrido e o sofrimento psíquico a que foi a mesma submetida, insultada, humilhada gravemente em sua honra e controlada financeiramente”, concluiu a relatora.

Perspectiva de gênero

Alice Birchal, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, considera interessante a perspectiva da decisão, “que inova na interpretação da violência nas relações interpessoais”.

Segundo a desembargadora, o parâmetro utilizado na condenação deve se basear no dano causado. Ela explica que a violência patrimonial, cuja sanção é prevista pela Lei Maria da Penha (11.340/2006), “ultrapassa a questão material, atingindo a psique da vítima, atingindo-a moralmente e reduzindo sua autoestima”.

“Desde que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi implantado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 2021, as decisões judiciais devem se pautar por devolver à vítima, presumidamente hipossuficiente na relação amorosa que a subjuga, a mesma condição de igualdade que lhe assegura a CR/88, forte nos direitos humanos, pelo princípio da dignidade”, lembra a especialista.

Alice Birchal avalia que o julgamento é um exemplo a ser seguido por toda a magistratura brasileira.

Responsabilidade civil

O advogado Mário Delgado, diretor nacional do IBDFAM, entende que a decisão do TJSP está correta do ponto de vista da responsabilidade civil. “Afinal, todo aquele que, por ato ou omissão, negligência ou imprudência violar direito e causar dano comete ato ilícito e deve indenizar a vítima do prejuízo.”

O especialista observa que além dos insultos proferidos contra a mulher, o homem controlava o uso dos recursos do casal e ameaçava se desfazer de objetos da vítima. Isso significa que, além de crimes contra a honra (injúria ou difamação) o réu praticou possíveis crimes de extorsão e dano.

“Logo, a indenização por ato ilícito era perfeitamente cabível. O único reparo que eu faria à decisão é que ela se restringiu ao âmbito cível, da responsabilização civil, quando também deveria ter oficiado ao Ministério Público para apuração do fato na seara criminal”, comenta Delgado.

Para o advogado, a decisão “foi tímida e deveria ter ido mais além”.

Invisibilidade

Apesar da “timidez”, o diretor nacional do IBDFAM pondera que a decisão contribui para reduzir a esfera de invisibilidade da violência patrimonial no âmbito dos litígios de família.

De acordo com Mário Delgado, nos processos de divórcio com partilha de bens e de alimentos são abundantes os crimes praticados contra a mulher e que passam despercebidos pelos advogados não militantes na advocacia criminal.

“Especialmente crimes de ordem patrimonial, praticados em decorrência de uma relação assimétrica de poder contra quem se encontra em desvantagem e em situação de hipossuficiência, justamente por ser mulher”, complementa o advogado.

O especialista conclui: “A  violência patrimonial é uma espécie do gênero violência doméstica e familiar e precisa ser combatida, tanto quanto as demais formas de violência doméstica”.

Fonte: IBDFAM

TJTO majora alimentos provisórios com base na teoria da aparência

“A possibilidade do alimentante aparentemente se mostra maior do que a evidenciada na origem, por se tratar de figura pública que ostenta alto padrão de vida em redes sociais”. Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins – TJTO concedeu o agravo de instrumento, com efeito suspensivo, interposto em face de decisão que fixou alimentos provisórios no valor de R$ 1.000,06. O tribunal reformou a decisão de origem, majorando os alimentos provisórios para o valor de seis salários mínimos.

De acordo com a decisão, a requerente, genitora e representante do alimentado, defendeu que a fixação de alimentos feita pelo juízo de origem não observou “o binômio necessidade/possibilidade, pois o alimentante tem condição financeira que permite a prestação de alimentos em valor maior que o estipulado”.

Ao conceder o agravo de instrumento, o desembargador-relator observou que “embora as provas produzidas pela recorrente tenham caráter unilateral, elas constituem indícios sobre a capacidade financeira do agravado, por indicar sinais exteriores de riqueza”.

E finaliza para a concessão da liminar que: “Em sede apreciação perfunctória aponta que o valor fixado a título de alimentos na instância singular, deve ser adequado, pois está aquém das possibilidades do genitor da criança”.

Dessa forma, foi reconhecido que o valor dos alimentos fixado na instância singular está aquém das possibilidades do genitor da criança.

Padrão de vida do alimentante

O advogado Bruno Campos de Freitas, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a decisão do TJTO está de acordo com a premissa de que o valor da pensão alimentícia também deve levar em conta o padrão de vida do alimentante.

“O termo de alimentos deve assegurar não apenas as despesas comuns mensais, mas também garantir ao filho o mesmo padrão de vida que os pais desfrutam”, aponta.

“No caso em questão, o pai é uma figura pública notória que ostenta uma vida com um alto padrão financeiro com carros e viagens de luxo. Nada mais justo que o valor dos alimentos também seja compatível e permita que o filho goze de um padrão de vida e status social similar ao do genitor”, defende.

Para ele, a decisão reafirma a importância da teoria da aparência nos casos de alimentos, usada como indício da maneira como um sujeito devedor se apresenta à sociedade, permitindo presumir sua capacidade em prestar alimentos de acordo com os sinais econômicos exteriorizados.

“Muitos pais adotam manobras evasivas para não pagarem um valor de alimentos compatível com a sua condição financeira e os indícios exteriores de riqueza, ainda mais quando publicados pela própria parte nas redes sociais, constituem uma prova importante para o convencimento do julgador nesse tipo de caso”, explica o advogado.

Bruno destaca a importância do conteúdo publicado na internet, seja por meio de fotos ou vídeos, que cada vez mais têm sido usados em processos judiciais.

“No caso de alimentos, tais ferramentas são de suma importância, uma vez que não é fácil para a parte alimentada conseguir informações e provas para instruir o processo, ainda mais quando a outra parte utiliza subterfúgios para ocultar sua condição financeira”, aponta.

Fonte: IBDFAM

Plano de saúde deve custear cirurgia de redesignação sexual em homem trans

Cabe ao médico, e não à operadora do plano de saúde, definir o tratamento para doenças cobertas pelo contrato. O entendimento é da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao determinar que uma operadora de plano de saúde custeie uma cirurgia transexualizadora em um homem transexual.

O procedimento faz parte da transição de gênero e consiste em readequar os órgãos genitais ao gênero pelo qual o paciente se identifica. O autor já mudou seu registro civil, passou por hormonioterapia e mastectomia, possui acompanhamento médico e psicológico e recebeu prescrição médica para a cirurgia transexualizadora, que foi negada pelo plano de saúde.

Ao recusar a cobertura, a operadora alegou que a cirurgia teria caráter estético e, portanto, não haveria obrigação de custear o procedimento. Além disso, afirmou que a operação tem cobertura pelo SUS e que não cometeu ato ilícito ao rejeitar o procedimento. No entanto, o plano acabou condenado pela Justiça paulista a custear a cirurgia.

O relator, desembargador Fernando Reverendo Vidal Akaoui, manteve a sentença e disse que, em casos semelhantes, o TJ-SP tem considerado ilegítima a recusa dos planos, com base na Súmula 102 da corte, que diz que, “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.

Além disso, o relator disse que a cirurgia consta como procedimento de cobertura obrigatória no rol da ANS. “A ANS reconhece igualmente que os transtornos da identidade sexual diagnosticados possuem tratamento com cobertura contratual e nesse sentido cabe ao médico assistente e não à operadora definir o tratamento da patologia coberta pelo contrato”, afirmou o desembargador.

Akaoui também solicitou nota técnica ao NatJus-SP para verificar se a cirurgia pleiteada seria efetivamente imprescindível, nas circunstâncias clínicas do autor, e recebeu parecer favorável ao procedimento, o que também justificou a ordem para realização da cirurgia. A decisão se deu por unanimidade.

Fonte: CONJUR

Construtora deve indenizar por vazamento de dados para empresa de móveis

A falha de segurança na guarda e preservação de dados pessoais viola direitos da personalidade previstos na Constituição Federal. Com esse entendimento, a 1ª Turma Cível do Colégio Recursal de Osasco (SP) confirmou a condenação de uma construtora pelo vazamento de dados de um consumidor. A indenização por danos morais foi calculada em R$ 4 mil.

Atuando em causa própria, o advogado Gabriel Leôncio Lima alegou que, após comprar da construtora um imóvel na planta, teve seus dados pessoais vazados, sem autorização, para uma empresa de móveis planejados. Ao manter a sentença, a juíza Juliana Nishina de Azevedo, relatora do caso, disse que ficou provado o vazamento dos dados do cliente pela construtora ré.

“Está provado que houve o vazamento de dados, ante o e-mail em que a ré reconhece o vazamento e se dispõe a apurá-lo internamente e com a autoridade policial. A ilicitude está provada pelos contatos que o autor recebeu de empresa de móveis planejados. A prova, cuja veracidade não foi impugnada, demonstrou que foi a parte ré quem compartilhou o contato e nome do autor, já que a fornecedora de móveis cita o empreendimento em que o autor adquiriu um imóvel.”

Conforme a magistrada, caberia à construtora provar que o conteúdo dos documentos é falso, o que não aconteceu. Ela destacou que a ilicitude está na divulgação não autorizada de dados do autor, pois uma eventual relação entre as empresas não pode ser estendida ao consumidor, “na medida em que se trata de relação entre fornecedores, sobre a qual não teve o autor qualquer ingerência”.

Azevedo afirmou que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trata com maior especificidade da proteção de dados no ambiente virtual, sendo que o artigo 46 prevê a adoção de medidas para proteger as informações dos consumidores.

“A LGPD estabeleceu o regramento de proteção de dados pessoais nas relações jurídicas, possibilitando ao indivíduo resolver e escolher quais dados, quem poderá usá-los e o prazo dessa utilização (artigo 2º, II). A responsabilidade surge do exercício da atividade de proteção de dados que viole as legislações que são várias: Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Proteção ao Dados, dentre outras”, disse.

No caso dos autos, segundo a relatora, o vazamento de dados só ocorreu por falhas de segurança da construtora: “A desídia da recorrente em guardar os dados do autor configurou ato ilícito, daí se concluir pela responsabilidade civil da ré. Importante ressaltar que, pela lei consumerista, a ré responde pelo defeito na prestação do seu serviço, independentemente da existência de culpa.”

A magistrada ainda afirmou que, dentre outros direitos básicos do consumidor, está a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, conforme disposto no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.

“Desta maneira, o serviço foi defeituoso, nos termos do §1º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, pois a ré não forneceu a segurança que o consumidor dela esperava, permitindo a ocorrência de danos, em razão das circunstâncias, não existindo medidas para o fim de evitar prejuízos, como o ocorrido.”

A juíza concluiu que o vício de segurança na guarda e preservação de dados pessoais do cliente violou direitos da personalidade previstos na Constituição Federal, “concernente à norma que determina que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. A decisão foi unânime.

Fonte: CONJUR

Hospital é condenado a pagar R$ 200 mil por morte de bebê

Após litígio de mais de dez anos, o Superior Tribunal de Justiça condenou o Hospital Rede D’Or São Luiz ao pagamento de R$ 200 mil em indenização por dano moral e material aos pais de um bebê de seis meses que morreu por erro médico.

De acordo com o processo, a criança chegou ao hospital com quadro de meningite, mas houve negligência médica na realização do diagnóstico, o que causou demora no tratamento adequado.

A criança foi medicada para febre e enviada para casa por duas vezes antes de voltar ao hospital e ser internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) às pressas, já com quadro grave da doença. Só então foi feito o exame de meningite e foi constatado o diagnóstico. Três dias depois, o bebê morreu. O caso aconteceu em maio de 2011.

O laudo pericial atestou de forma conclusiva a “falha do atendimento em relação aos meios empregados para realização de diagnóstico, com omissão à investigação de diagnóstico frente aos sintomas apresentados, omissão que atuou, no mínimo, como concausa ao agravamento do estado de saúde da paciente e subsequente óbito.”

O hospital recorreu por uma década, alegando principalmente a inexistência de nexo causal entre a morte do bebê e o atendimento médico prestado. A instituição também afirmava que o valor da indenização era desproporcional.

Em decisão anterior, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que “a prestação de serviços hospital foi defeituosa no que concerne à investigação de causas possíveis dos sintomas apresentados pela criança, ainda que não e possa concluir ser a causa única do óbito, o defeito na prestação do serviço atuou, no mínimo, como concausa para a ocorrência da morte, pela perda da chance de ministrar o melhor e mais rápido tratamento, do que depende o sucesso do combate à meningite. Não foi viabilizado o tratamento célere que pudesse impedir o agravamento do quadro que evoluiu para o óbito.”

O STJ manteve a condenação. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso disse que o “valor da indenização estabelecida em primeiro grau revela-se adequado e coerente às circunstâncias do caso concreto, considerando a repercussão da ofensa, aqui ponderados a natureza traumática do evento e sua irreversibilidade, a intensidade da dor provocada pela perda de criança em tenra idade, a capacidade econômica das partes, sendo a ré empresa de razoável porte econômico”.

Fonte: CONJUR

Justiça de São Paulo concede pensão alimentícia a mulher que se dedicou ao lar durante 15 anos

A Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP determinou que uma mulher que se dedicou exclusivamente aos cuidados do lar e à educação da filha tem direito a pensão alimentícia após o divórcio.

O Tribunal condenou o ex-marido a pagar 1,5 salário mínimo para a mulher durante o período de dois anos com base no entendimento de que a pensão entre ex-cônjuges se justifica quando uma das partes não tem bens suficientes nem pode se manter por meio de seu trabalho, e se a outra parte tiver condições de pagar sem prejuízo ao seu próprio sustento.

No caso concreto, a mulher ficou mais de 15 anos dedicada aos cuidados do lar e à educação da filha do casal enquanto o ex-marido se dedicava à atividade empresarial.

No recurso, o ex-marido alega que a pensão é descabida já que sua ex-mulher abandonou o lar há mais de cinco anos, deixando a filha do casal, então menor de idade, aos seus cuidados. Também sustentou que ela possui capacidade laborativa para se manter.

Ao analisar o caso, o relator apontou que os elementos presentes nos autos deixam claro que a autora gozava de padrão de vida mais elevado quando vivia com seu ex-marido. Ele também entendeu que a alegação de que ela teria abandonado o lar não é suficiente para a interrupção do pagamento da pensão.

O magistrado explicou que o ex-marido possui condições de proporcionar à ex-mulher um padrão de vida mais condizente com aquele que gozava durante o casamento até que ela possa retomá-lo por força dos seus próprios recursos. Por fim, ele definiu que o prazo de dois anos é suficiente para auxiliar a mulher a retornar ao mercado de trabalho. A decisão foi unânime.

Alimentos compensatórios humanitários

Segundo o jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, trata-se de um caso típico de alimentos compensatórios humanitários. “É aquela situação bastante frequente em que a mulher se sacrifica deixando de exercer sua profissão – ou a exercendo em menor escala – e, por consequência, não alavanca a atividade profissional porque está dedicada à casa, aos filhos e às vezes até mesmo à profissão do marido”, afirma. 

Para ele, a decisão é correta e clara ao conceder os alimentos compensatórios e, por isso, carrega um caráter indenizatório e não alimentar. Tal determinação pode ser fixada por tempo determinado ou indeterminado. No caso em questão, o juiz decidiu fixar um prazo para o pagamento da pensão, uma vez que houve uma separação iniciada pela saída da mulher de casa.

“Mas isso não interessa, porque os alimentos compensatórios não têm nenhuma correlação com a culpa pela separação. A função deles é indenizar o sacrifício de quem não pôde se dedicar à profissão ou que se dedicou muito pouco enquanto a outra parte do casal não só se dedicou como enriqueceu e evoluiu”, explica.

O jurista ressalta que tal doutrina já é utilizada há pelo menos quinze anos. No entanto, nesse período, surgiram diferenciações entre alimentos compensatórios que fizeram com que surgissem, além dos humanitários, os patrimoniais, criados para aqueles casais que têm bens comuns que serão divididos com o fim do casamento, mas cujos bens que geram renda serão administrados e embolsados por somente um dos cônjuges.

Fonte: IBDFAM