Autor: Thaisa Pellegrino

STJ reconhece união estável de forma incidental para viabilizar adoção póstuma

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ autorizou um pedido de adoção póstuma e reconheceu, exclusivamente para fins do processo, a união estável dos adotantes, que viveram juntos por mais de 30 anos. O caso trata de uma criança entregue voluntariamente pela mãe biológica.

Segundo informações do STJ, ao entrar na Justiça com o pedido de adoção e destituição do poder familiar, o casal contou que a criança foi entregue a eles quando ainda era bebê. O juiz negou o pedido por considerar que a mãe biológica se arrependeu e que houve tentativa de burlar o cadastro de adoção. Mesmo assim, eles recorreram da decisão.

Antes do julgamento do recurso, um dos pretensos adotantes faleceu. Ao final, o Tribunal de segunda instância decretou a perda do poder familiar da genitora, que novamente teria “desistido” da criança, e deferiu o pedido de adoção ao casal.

No STJ, herdeiros do adotante falecido interpuseram recursos sustentando, entre outras questões, a falta de provas da união estável para autorizar a adoção conjunta, além do desrespeito ao cadastro nacional.

Ambiente familiar estável

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, explicou que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA exige, para a adoção conjunta, que haja casamento civil ou união estável, além da comprovação de um ambiente familiar estável. Estes requisitos são verificados ao longo do processo por meio de documentos, entrevistas e estudo psicossocial. O objetivo é garantir que a criança seja acolhida em um lar seguro e afetuoso – o que, segundo o ministro, ficou comprovado nesse caso.

Ele destacou ainda que, mesmo sem decisão definitiva sobre a união estável, esse reconhecimento pode ser feito de forma incidental dentro da própria ação de adoção, apenas para esse fim. Como os adotantes declararam viver em união estável, e isso foi confirmado pelo estudo social e pelas testemunhas, o Tribunal entendeu que havia estabilidade familiar suficiente para autorizar a adoção conjunta.

Quanto à adoção póstuma, Villas Bôas Cueva considerou que havia manifestação clara da intenção do falecido em adotar a criança, o que autoriza a adoção após a morte do adotante, prevista no ECA.

No caso, embora a ordem do Cadastro Nacional de Adoção não tenha sido seguida, a criança já vivia com a família há mais de 13 anos. Para o relator, retirá-la desse ambiente causaria grande prejuízo, sendo mais importante garantir seu melhor interesse.

Assim, o STJ manteve a adoção válida, inclusive em relação ao adotante falecido, e rejeitou os recursos dos herdeiros.

Fonte: site IBDFAM

STJ analisa acesso a bens digitais no inventário e nomeação de “inventariante digital”; entenda

O acesso a bens digitais durante o processo de inventário ganhou destaque recentemente no Superior Tribunal de Justiça – STJ, quando a Terceira Turma começou a analisar um pedido de autorização judicial para uma inventariante acessar o computador de uma mulher já falecida. A relatora, ministra Nancy Andrighi, apresentou seu voto, mas a análise foi suspensa após pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

A questão teve origem em um caso marcado pela morte simultânea de seis membros de uma mesma família – marido, esposa, filhos e respectivos cônjuges – em um acidente aéreo.

Ao analisar o caso, Nancy Andrighi destacou que o tema é inédito no Direito brasileiro e carece de regulamentação específica. Segundo a ministra, a inventariante pediu acesso ao computador a fim de identificar bens de valor econômico ou afetivo.

Direito da personalidade

A relatora alertou que a abertura irrestrita do dispositivo pode expor informações íntimas e intransmissíveis, protegidas pelo direito da personalidade, como registros de relacionamentos privados.

Ela propôs, então, a criação de um incidente processual de identificação de bens digitais, com nomeação de um “inventariante digital”, profissional habilitado para acessar o equipamento, manter sigilo e listar o conteúdo encontrado.

Segundo a ministra, o juiz, com base nessa listagem, decide quais bens são transmissíveis e quais devem ser preservados. Segundo a ministra, essa classificação é ato jurisdicional indelegável.

Nancy Andrighi também defendeu que o “inventariante digital” possa administrar temporariamente alguns bens até o fim do inventário, ressaltando que a falta de lei específica tem levado à perda de patrimônio digital no país. Ela votou por dar parcial provimento ao recurso, determinando o retorno do processo ao 1º grau para seguir o procedimento sugerido.

Reflexos no futuro

Diante da suspensão do julgamento, o vice-presidente da Comissão Nacional de Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, advogado e professor Marcos Ehrhardt Jr. comenta quais reflexos a decisão futura pode ter sobre o tratamento dos bens digitais em inventários no Brasil.

“O papel do STJ é unificar a aplicação do Direito federal infraconstitucional em nosso país. Logo, um precedente que apresente uma solução para questões que ainda carecem de regulamentação contribui para conferir maior visibilidade ao assunto, fomentar o debate acadêmico e profissional sobre o tema e ainda ajuda a conferir um pouco mais de previsibilidade para futuras decisões judiciais relacionadas ao assunto”, observa.

Ele destaca que o Judiciário deve oferecer soluções para casos concretos, mesmo na ausência de leis específicas sobre o tema. “A velocidade das transformações nas relações privadas decorrentes de novas tecnologias tem sido um fator preponderante na dificuldade de os órgãos legislativos apresentarem regulação tempestiva, suficiente e adequada para esta nova realidade”, avalia.

“Inventariante digital”

Ele destaca que a principal particularidade do caso analisado pelo STJ é o fato de o pedido de acesso aos bens digitais ter sido feito durante o inventário. Por isso, a ministra Nancy Andrighi sugeriu a inclusão do “inventariante digital”, cuja função é distinta do inventariante tradicional.

“Pode-se entender a figura do ‘inventariante digital’ como um auxiliar eventual da Justiça, que se equipara a um perito nomeado ad hoc pelo magistrado. Isto é, ele não ocupa cargo na administração da Justiça e atua por conta de seu conhecimento técnico ou científico. Sua nomeação encontra fundamento no disposto nos arts. 156 e 464 do Código de Processo Civil – CPC e não deve ser confundida com a figura do inventariante tradicional, que segue preservada”, pontua.

Segundo ele, o “inventariante digital” deve ser nomeado quando o juiz considerar necessário contar com conhecimento especializado para identificar ativos digitais passíveis de transmissão aos herdeiros e avaliar seu valor, com objetivo de evitar uma partilha desigual.

“Uma vez nomeado, o ‘inventariante digital’ deverá observar o dever de confidencialidade em relação aos bens a que tiver acesso, sendo passível de responsabilização civil e criminal em razão da violação de seu múnus no CPC”, afirma.

Segredo de Justiça

Marcos Ehrhardt Jr. acrescenta que, caso existam bens digitais de natureza pessoal, os autos do processo devem tramitar em segredo de Justiça para proteger os direitos da personalidade do falecido ou de terceiros.

“Sou favorável à designação de tal auxiliar, quando o caso concreto assim o exigir, atento à consideração de que é preciso que o Poder Judiciário assegure eficiência na prestação jurisdicional, com estrita observância ao ecossistema regulatório atualmente em vigor, em especial a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD”, pondera.

Ele esclarece ainda que a classificação dos bens digitais é controversa, já que as propostas legislativas para regulamentação do tema ainda estão em tramitação. Os bens digitais existenciais, segundo ele, são aqueles ligados à esfera íntima e pessoal, ou seja, direitos da personalidade exercidos em ambiente eletrônico, como a imagem e conversas privadas.

“Alguns bens digitais não se enquadram exclusivamente como patrimoniais ou existenciais, especialmente quando são divulgados com fins econômicos. Nesses casos, pode ser necessário recorrer ao Judiciário para definir quais ativos podem ser transmitidos causa mortis”, pontua.

Fonte: Site IBDFAM

STJ discute anulação de paternidade por suposto erro em registro

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ começou a julgar ação que discute a anulação de um registro de paternidade, ajuizada após a morte do pai registral. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Raul Araújo.

No caso dos autos, após o falecimento do pai registral, a filha buscou desconstituir a paternidade de outro filho registrado, alegando que não havia vínculo biológico nem socioafetivo entre eles. No processo, os herdeiros alegam que o vínculo foi reconhecido com base em erro, sem qualquer relação biológica ou socioafetiva entre o pai e o filho registrado.

O relator votou pela manutenção da certidão, mas houve divergência reconhecendo a possibilidade de anulação quando comprovados erros no registro e ausência de relação socioafetiva.

No julgamento, o ministro Antonio Carlos Ferreira observou que o pai registral já havia ajuizado ações anteriores, uma anulatória e outra negatória de paternidade, ambas extintas, a primeira por decadência e a segunda em razão da coisa julgada. Segundo o relator, diante disso, a atual demanda, apresentada sob a forma de ação declaratória de nulidade, seria uma tentativa de contornar esses obstáculos processuais. O ministro destacou que a controvérsia girava em torno da existência, ou não, de erro na lavratura do registro.

Antonio Carlos Ferreira concluiu que não havia vício na certidão, já que o registro foi realizado pela mãe da criança e não pelo pai. Assim, eventual equívoco do pai não teria repercussão no ato formal, que foi regularmente praticado.

Além disso, o relator ressaltou que não havia elementos que indicassem má-fé da mãe no momento da declaração, admitindo-se inclusive que ela própria pudesse ter sido induzida em erro. Dessa forma, entendeu que o registro civil não apresentava nulidade. O ministro Marco Buzzi acompanhou o relator.

O ministro João Otávio de Noronha divergiu do relator por considerar que o artigo 1.604 do Código Civil permite que qualquer interessado com legitimidade, e não apenas o pai registral, busque a anulação, desde que demonstrados dois requisitos indispensáveis: prova robusta de erro ou coação no reconhecimento da paternidade e ausência de vínculo socioafetivo entre pai e filho.

Noronha destacou que, no caso concreto, esses requisitos estariam presentes. Segundo ele, o pai registral acreditava, de forma equivocada, ser o pai biológico, tendo sido induzido em erro no momento do registro. Mais tarde, ao descobrir a verdade, ajuizou diversas ações tentando anular a paternidade, o que reforçaria sua intenção de não manter o vínculo jurídico.

O ministro também afirmou que as provas produzidas nos autos indicariam inexistência de relação socioafetiva, pois não havia registros de convivência, demonstrações de afeto ou reconhecimento público de filiação. Acrescentou ainda que a divergência entre paternidade biológica e registral, por si só, não basta para a anulação, mas quando somada à ausência de afeto e ao erro comprovado, justifica a medida.

Assim, concluiu que não seria possível manter o vínculo de filiação em desacordo com a realidade fática e biológica, votando pelo não provimento do recurso especial e, portanto, pela manutenção da decisão que anulou o registro.

fonte: site IBDFAM

TJSC reconhece direito de herdeiros e retira posse de ocupantes de imóvel

Em decisão recente, a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC afastou a posse de ocupantes de um imóvel e reconheceu o direito de herdeiros do antigo dono. O entendimento é de que os residentes eram meros detentores, não proprietários.

O colegiado reformou sentença que havia assegurado a posse de um imóvel a ocupantes no oeste do Estado por considerar que ficou comprovado que a ocupação se deu em caráter precário, sem a chamada intenção de agir como dono (animus domini), requisito essencial para a proteção possessória.

Os ocupantes ajuizaram a ação com o objetivo de manter a posse e impedir que os herdeiros do antigo proprietário praticassem atos de esbulho ou turbação. Eles afirmaram viver no imóvel desde 1998 e ter adquirido o bem por contrato de compra e venda firmado em 2011. A 1ª Vara da comarca de Capinzal concedeu liminar e, depois, sentença favorável à posse.

Os herdeiros apelaram da decisão sob o argumento de que a posse dos autores era clandestina e de má-fé, o que foi atestado inclusive pelas provas testemunhais, e que não praticaram esbulho.

Ao avaliar o caso, o relator concordou que não houve posse qualificada. Conforme provas dos autos, ao longo de quase 20 anos, os autores foram meros detentores do imóvel, pois conservaram a posse em nome do proprietário e sob suas ordens.

O relatório também constatou que, embora tenha havido contrato de compra e venda celebrado com o proprietário poucos anos antes de seu falecimento, a obrigação de quitar o valor não foi cumprida.

De acordo com o relator, ao celebrarem o contrato, os apelados/autores manifestaram de forma inequívoca o reconhecimento dos promitentes vendedores como legítimos proprietários do imóvel, recebendo deles a posse de maneira precária e assumindo o compromisso de pagar o valor acordado para que, posteriormente, lhes fosse transferida a propriedade do bem, o que, contudo, não foi cumprido.

Em grau recursal, os próprios autores admitiram que sua pretensão havia sido esvaziada após a decisão na ação de imissão. Ainda conforme o relatório, diante da ausência dos requisitos do artigo 561 do Código de Processo Civil – CPC, não se justifica a concessão da proteção possessória.

Os demais integrantes da Câmara seguiram por unanimidade o voto do relator, para reformar a sentença e inverter os ônus sucumbenciais em desfavor da parte autora.

Fonte: site IBDFAM

TJRS mantém testamento em favor de ex-esposa mesmo após 20 anos do divórcio

Em uma ação de nulidade e anulação testamentária, a Justiça do Rio Grande do Sul manteve válido o testamento deixado por um homem em favor de sua ex-esposa, mesmo após mais de 20 anos do divórcio. A decisão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado reformou a sentença de primeira instância, que havia acolhido o pedido de anulação do documento.

Segundo os autos, a ação foi ajuizada pelo espólio, representado pelos herdeiros necessários do falecido, com o objetivo de anular o testamento público lavrado em 1992, no qual o testador destinou a parte disponível de sua herança à ex-esposa, com quem foi casado entre 1983 e 2004.

O Tribunal de origem julgou procedente o pedido, sob o fundamento de que o tempo que estiveram separados poderia indicar que a intenção de beneficiar a ex-esposa teria se extinguido com o divórcio. A decisão ainda ressaltou que o desconhecimento jurídico do falecido poderia explicar a ausência de revogação do testamento.

A defesa da ex-esposa recorreu, e a Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença e manteve válido o testamento, por unanimidade. O Tribunal explicou que, de acordo com o artigo 1.969 do Código Civil, um testamento só pode ser cancelado da mesma forma que foi feito. Como o falecido não cancelou o documento em vida e não houve prova de erro, fraude ou pressão, não havia razão legal para anulá-lo.

Liberdade do testador

A advogada Mariane Bosa, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso representando a ex-esposa. “A decisão reforça a liberdade do testador, reconhecendo que o testamento, como manifestação de última vontade, só pode ser revogado conforme as situações previstas em lei”, comenta.

Para ela, o Tribunal reafirma que a vontade do testador só pode ser alterada por manifestação expressa e formal, mantendo o testamento válido mesmo após o divórcio.

“O acórdão reforça a importância do testamento público, garantindo segurança jurídica às disposições nele contidas e preservando a autonomia da vontade do testador. Dessa forma, evita-se que interpretações subjetivas ou presunções infundadas comprometam a validade de um ato juridicamente perfeito, elaborado sem vícios e em conformidade com as formalidades legais”, destaca.

Para sustentar a validade do testamento mesmo após o divórcio do casal, a defesa adotou uma série de estratégias jurídicas, tais como demonstrar que a disposição testamentária indicou a beneficiária pelo nome, sem referir-se a ela como cônjuge ou companheira. “Isso demonstra que a manutenção do vínculo conjugal não constituía requisito para a eficácia da liberalidade”, explica a advogada.

Cláusula de substituição

Segundo ela, o testador incluiu uma cláusula de substituição testamentária, determinando que, em caso de falecimento de ambos, a herança seria destinada aos filhos da beneficiária, mesmo que não fossem seus herdeiros necessários.

“Ao longo da vida, o falecido lavrou quatro testamentos em favor da mesma pessoa, inclusive antes do casamento e após a separação judicial, revogando expressamente cada instrumento anterior, o que demonstra pleno conhecimento do procedimento. Além disso, ele teve 28 anos para revogar o último testamento, mas não o fez, mesmo após ser diagnosticado com doença terminal e ao formalizar nova união estável, pontua.

A especialista destaca que o testamento só pode ser anulado em casos de erro, dolo, coação, simulação, fraude ou descumprimento de formalidade. “Nenhum desses vícios foi constatado no caso. O testador exerceu sua autonomia plena, no limite da legítima, inexistindo qualquer prova contrária à sua expressa vontade.”

Ela frisa ainda que estamento é um ato de última vontade e que a validade do documento não depende da existência de vínculo afetivo, salvo quando houver disposição expressa em sentido contrário. “Não se pode presumir o contrário, devendo a decisão judicial apoiar-se em fatos e provas, e não em meras suposições”, completa.

Rigor da lei

Mariane Bosa avalia que a decisão terá impacto em casos futuros, ao consolidar que a revogação de testamentos deve seguir rigorosamente a lei, sem se basear em presunções.

“Caso contrário, correria-se o risco de desvirtuar o instituto do testamento, abrindo espaço para interpretações subjetivas sobre a verdadeira vontade do falecido. O julgamento consolidou que o mero divórcio, por si só, não demonstra a intenção de o testador revogar o testamento, especialmente quando a liberalidade não estava condicionada ao vínculo conjugal e a beneficiária não era classificada como cônjuge”, analisa.

A advogada argumenta ainda que o casamento não é prova definitiva de afeto, assim como a ausência de vínculo conjugal não indica necessariamente sua inexistência. “Trata-se de elemento subjetivo e sem definição legal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ já assentou que: ‘não há dever de amar, mas sim obrigação de cuidar’.”

Ela ressalta ainda que a lei não exige a manutenção de vínculo afetivo com o herdeiro testamentário, salvo quando houver condição expressa. Sendo assim, “qualquer exigência nesse sentido representaria uma restrição indevida à liberdade do testador de dispor da parte disponível de seu patrimônio”.

Fonte: site IBDFAM

TJPR reconhece cuidado materno invisível e nega redução de pensão paterna

Um homem que buscava reduzir o valor pago de pensão às duas filhas teve o pedido negado pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR. O colegiado aplicou a teoria do cuidado para reconhecer a contribuição materna como elemento essencial da corresponsabilidade parental no sustento das duas filhas e manteve o valor em 30% dos rendimentos líquidos.

De acordo com o acórdão, a mãe das crianças não possui vínculo de emprego formal, atua como estagiária e reside com as filhas na casa da avó materna. Apesar das limitações econômicas, ela “contribui com o sustento das filhas por meio da prestação direta de cuidados, assumindo integralmente as responsabilidades diárias de moradia, alimentação, acompanhamento escolar, transporte e demais atividades vinculadas à convivência e ao cuidado materno”.

No recurso, o homem havia solicitado a redução do valor sob a alegação de dificuldades financeiras decorrentes da formação de nova família e outras despesas. Ao avaliar o caso, o TJPR entendeu que o genitor tem condições de arcar com a obrigação e que o montante é adequado para garantir o sustento das filhas.

A decisão teve como base a teoria do cuidado, que destaca o reconhecimento das tarefas historicamente atribuídas às mulheres como formas de contribuição invisível, não remunerada nem juridicamente compensada.

Segundo a relatora, a fixação dos alimentos deve seguir o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, reconhecendo o cuidado direto da genitora como capital invisível que compõe a corresponsabilidade parental. “Desconsiderar esse aporte equivale a reforçar os estereótipos de gênero que relegam à figura paterna o papel exclusivo de provedor financeiro, e à figura materna o cuidado silencioso e naturalizado”.

Ainda conforme a decisão, ignorar o tempo dedicado ao cuidado, o desgaste emocional e a limitação de inserção no mercado de trabalho impõem às mulheres um duplo encargo: sustentar in natura e suprir a ausência de uma contribuição proporcional do outro genitor.

Para a relatora, “não se trata de privilegiar a figura materna, mas de aplicar o princípio da proporcionalidade com base em elementos concretos, respeitando a corresponsabilidade parental”.

O processo tramita sob segredo de Justiça.

Trabalho invisível

A advogada Cecília Nunes Barros, membro da diretoria executiva do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, explica que o dever de cuidado é de ambos os pais. Contudo, alerta que a mulher é quem se ocupa da criação dos filhos com exclusividade na maioria dos casos.

Não considerar o tempo de cuidado, a energia emocional e as limitações decorrentes da função de cuidadora, segundo Cecília Barros, impõe à mulher um duplo encargo: “manter o sustento in natura e compensar a ausência de contribuição proporcional do outro genitor”.

“O reconhecimento do valor do cuidado exclusivo com os filhos corrige uma injustiça reiterada que onera não só as mães, mas também as crianças, cujo pai não participa ostensivamente dos seus cuidados e não contribui financeiramente de forma suficiente”, observa.

Ela acrescenta: “Se decisões como essa se tornarem comuns, atribuindo valor ao cuidado exclusivo, estaremos a caminho de superar o paradigma do trabalho de cuidado feminino não remunerado e a melhor dividir as responsabilidades com os filhos, contribuindo para a parentalidade responsável”.

Contemporaneidade

Cecília Nunes Barros entende que a decisão está alinhada ao Direito de Família contemporâneo, “que não pode mais dispensar a perspectiva de gênero”. O entendimento também contempla, segundo ela, a definição da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho de cuidado, que pode ou não ser remunerado, envolvendo atividades diretas, como alimentar um bebê ou cuidar de um doente, e as indiretas, como cozinhar ou limpar o ambiente.

“A inovação que podemos apontar é o reconhecimento de que o cuidado é um trabalho que possui uma forte dimensão emocional, se desenvolve na intimidade, mas não deixa de ser uma atividade econômica”, pontua

A advogada frisa que os impactos econômicos do cuidado exercido de forma exclusiva pelas mães são inegáveis. “A sobrecarga as impede, muitas vezes, de investir em sua educação e profissionalização, e de aceitar melhores empregos longe de sua eventual rede de apoio, vulnerabilizando ainda mais as famílias lideradas por mães solo. Isso porque, segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2017, a taxa de pobreza por família é maior entre as famílias compostas por mulheres sem cônjuge e com filhos.”

“É preciso que se consolide a compreensão de que o dever de cuidado com os filhos possui valor jurídico e econômico para estimular o equilíbrio do exercício da parentalidade entre pais e mães, diminuindo, assim, as assimetrias estruturais da sociedade, proporcionando um ambiente mais propício para o desenvolvimento das nossas crianças”, conclui a especialista.

Fonte: site IBDFAM.

TJSP autoriza venda de imóvel e fixa compensação a irmão que não usufruiu do bem

Em decisão unânime, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP autorizou a venda de imóvel usado por dois irmãos e determinou que o terceiro, que não usufrui do bem, receba indenização mensal de R$ 755,55. O colegiado manteve a sentença de origem por entender que a posse exclusiva gera dever de compensar financeiramente o coproprietário.

No caso dos autos, o autor entrou na Justiça para encerrar o condomínio e receber um valor mensal por estar impedido de usar um imóvel. Segundo ele, por decisão anterior, o bem pertence igualmente aos três irmãos, mas apenas os outros dois vivem no local e se recusavam a vendê-lo ou a pagar qualquer compensação.

Os irmãos contestaram sob o argumento de que não foram avisados da intenção de venda. Também questionaram os documentos apresentados para calcular o aluguel, alegando ausência de validade técnica e dados incorretos sobre um corretor de imóveis.

Ao avaliar a questão, a 6ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro aceitou o pedido para encerrar a divisão do imóvel, autorizou a venda e fixou o pagamento mensal de R$ 755,55, desde a citação, até que o imóvel seja vendido. O valor corresponde a 1/3 da média de aluguéis na região, segundo avaliações juntadas ao processo.

No julgamento do recurso, o relator destacou que os documentos apresentados foram suficientes para embasar a decisão e que não houve pedido fundamentado para realização de nova perícia. “A parte autora apresentou três avaliações realizadas por corretores e imobiliárias da região, apontando o valor médio de R$ 2.266,66 para imóveis semelhantes, sendo fixada a indenização mensal em R$ 755,55, correspondente à quota de 1/3 do autor.”

Ainda conforme o relator, nesses casos, o coproprietário que não utiliza o imóvel tem direito a ser compensado.”O direito à extinção do condomínio é potestativo, ou seja, não depende da concordância da parte contrária.”

Por fim, o desembargador acrescentou que o imóvel era indivisível e que os dois irmãos não demonstraram interesse em adquirir a parte do terceiro. “No caso concreto, o imóvel objeto da lide é indivisível, de tal sorte que, havendo discordância entre os condôminos quanto à sua destinação, impõe-se a sua alienação judicial, como corretamente determinado na sentença.”

Quanto ao valor da indenização, foi afastada a tese de que seria excessivo. “Não há elemento técnico ou fático que justifique a alteração do montante arbitrado, que se mostra razoável e proporcional, considerando os valores de mercado apresentados.”

Os honorários foram majorados para 20% sobre o valor da condenação, respeitada a gratuidade de Justiça concedida aos recorrentes.

Processo: 1038685-53.2023.8.26.0002.

Fonte: site IBDFAM.

Criança autista que caiu em vão de brinquedo inflável será indenizada

Mãe e filho autista serão indenizados em R$ 3 mil cada após a criança ficar pendurada de cabeça para baixo em vão de brinquedo inflável em shopping. A decisão é da juíza de Direito Renata Meirelles Pedreno, da 1ª vara Cível de Cotia/SP, que reconheceu falha na segurança e condenou solidariamente a empresa organizadora do evento, uma seguradora e o estabelecimento comercial.

O caso ocorreu quando o menino brincava no equipamento durante um evento. Segundo os autos, o brinquedo desinflou repentinamente, deixando a criança de cabeça para baixo em um vão sem proteção, situação que perdurou por cerca de seis minutos e exigiu atendimento hospitalar. A mãe também alegou ter sofrido abalo emocional ao presenciar a cena.

Criança autista que ficou pendurada de cabeça para baixo em brinquedo inflável e sua mãe serão indenizadas.
As empresas alegaram ilegitimidade passiva e ausência de responsabilidade, mas a magistrada aplicou o CDC, reconhecendo a responsabilidade objetiva do shopping e da empresa organizadora.

Para a juíza, “houve falha de segurança aos usuários do espaço infantil, fato que, por si só, configura defeituosa prestação dos serviços”. Ressaltou que havia um vão, ainda que pequeno, sem proteção, o que evidencia ausência de vistoria preventiva capaz de evitar o acidente.

A magistrada também reconheceu o dano moral em ricochete à mãe, destacando que a condição de neurodivergência do filho agravou o sofrimento.

“A angústia gerada na genitora ao ver seu filho preso no brinquedo inflável […] tem-se certeiro o sofrimento emocional a que também foi ela submetida em tal evento.”

Dessa forma, determinou que o shopping, a empresa organizadora do evento e a seguradora arcassem, de forma solidária, com o pagamento de R$ 3 mil a título de indenização por danos morais para cada vítima, acrescido de correção monetária e juros de mora conforme as regras dos arts. 389 e 406 do CC.

Processo:  1006884-91.2022.8.26.0152

Fonte: Migalhas.

STJ valida inclusão de crédito previdenciário na partilha e fixa pensão alimentícia para ex-esposa

Em uma ação de divórcio, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ determinou que devem ser incluídos os créditos de previdência pública recebidos pelo ex-marido durante o casamento e até a separação de fato, mesmo que a ex-esposa tenha feito esse pedido depois de já ter apresentado contestação no processo. A Corte também fixou pensão alimentícia em favor da mulher.

Segundo informações do STJ, os dois foram casados sob o regime de comunhão universal de bens por mais de 20 anos. O ex-marido ajuizou ação de divórcio com o pedido genérico de partilha do patrimônio. Logo após a audiência de instrução e julgamento, a ex-esposa requereu a inclusão de valores referentes ao pagamento atrasado de aposentadoria especial, reconhecida em ação previdenciária julgada procedente durante o divórcio.

O juízo decretou o divórcio e determinou a partilha dos bens do casal, condenando o autor ao pagamento de pensão alimentícia para a ex-mulher pelo prazo de dois anos. O Tribunal de segunda instância, porém, entendeu que o pedido de inclusão de valores referentes à aposentadoria especial do ex-marido na partilha não foi feito dentro do prazo e, além disso, não viu excepcionalidade que justificasse a pensão alimentícia.

No STJ, a ex-esposa sustentou que os créditos referentes à previdência foram concedidos durante o processo de divórcio e que o pedido de partilha foi feito na primeira oportunidade que teve de se manifestar. Ela afirmou, ainda, que existiriam motivos para o recebimento da pensão.

Voto da relatora

Ao analisar o caso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade do pedido genérico de partilha, pois “é possível que as partes não tenham acesso a todas as informações e documentos relativos a todos os bens individualmente considerados quando do ajuizamento da demanda”.

No entanto, ela advertiu que o pedido genérico é admitido apenas temporariamente e a quantificação dos bens deve ser feita em algum momento. Nesse sentido, enfatizou que o julgador deverá considerar os bens pertencentes ao patrimônio comum em todo o curso da demanda, não estando limitado aos bens listados na petição inicial.

A ministra observou que a legislação processual autoriza a inclusão de novos documentos. No entanto, apontou que a expressão “a qualquer tempo” do dispositivo não permite a juntada indiscriminada de documentos em qualquer fase e grau de jurisdição. Segundo afirmou a relatora, isso deve ser feito na “primeira oportunidade em que se puder falar do fato novo, desde que a prova esteja disponível à parte, ou no primeiro instante em que se possa opor às alegações da parte contrária”.

Para Andrighi, além de demonstrada a boa-fé da ex-esposa, não haveria razão para uma sobrepartilha, já que ainda não foi finalizado o próprio processo de divórcio. A relatora enfatizou também que a jurisprudência do STJ considera comunicáveis os créditos oriundos de previdência pública, ainda que recebidos após o divórcio, desde que concedidos na vigência do casamento.

Em relação aos alimentos entre ex-cônjuges, a ministra apontou que devem ser fixados por tempo necessário ao reingresso no mercado de trabalho para garantir a subsistência da parte até lá. No entanto, no caso em julgamento, ela verificou particularidades que justificam sua fixação por prazo indeterminado, pois a ex-esposa, “que abdicou de sua vida profissional para dedicar-se à vida doméstica, em benefício também do marido”, não exerce atividade remunerada há mais de 15 anos e está em tratamento de saúde.

O processo corre em segredo judicial.

Fonte: site IBDFAM.

Maioridade do filho não afasta prisão civil por dívida de pensão, decide STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou habeas corpus a um pai que acumula R$ 73,8 mil em dívidas de pensão alimentícia referentes ao período em que o alimentando ainda era adolescente. Para o colegiado, o fato de o filho já ter atingido a maioridade não afasta a possibilidade de prisão civil por dívida alimentar.

No pedido ao STJ, o pai alegou ausência de urgência no pagamento da dívida. Ele firmou acordo para quitar o valor de forma parcelada, mas foi alvo de execução pelo rito da prisão civil após atrasar três parcelas.

O tema dividiu a Terceira Turma do Tribunal. Por 3 votos a 2, a conclusão foi de que a prisão civil não pode ser afastada com base no argumento.

O ministro Moura Ribeiro, relator do caso, entendeu que não estavam presentes os requisitos para a manutenção da prisão civil, uma vez que o alimentando vinha recebendo pagamentos parciais. Segundo ele, a dívida poderia ser cobrada por meios menos graves, como a penhora, sem necessidade de recorrer à prisão. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou o voto.

A divergência foi inaugurada pela ministra Nancy Andrighi, para quem a presunção de necessidade dos alimentos permanece válida mesmo após o alimentando atingir a maioridade, o que, segundo ela, legitima o uso da prisão civil como forma de coação ao devedor.

A ministra destacou ainda que o acordo firmado entre as partes foi descumprido sem justificativa plausível. Nesse contexto, afirmou, afastar a prisão abriria um precedente perigoso, legitimando o inadimplemento por parte do genitor. Os ministros Humberto Martins e Daniela Teixeira acompanharam o voto.

Obrigação alimentar

O advogado e professor Conrado Paulino da Rosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, explica que o Código de Processo Civil – CPC não impede a possibilidade de cobrança da dívida alimentar com pedido de prisão civil, mesmo que o alimentando já tenha alcançado a maioridade.

O especialista destaca que, embora o STJ tenha proferido alguns julgados que admitem certa flexibilização – ao indicar outros meios de cobrança com base na ideia de que a prisão civil teria perdido sua atualidade –, essa não é uma orientação consolidada.

“Concordo com a manutenção da possibilidade de prisão civil, pois afastar essa medida unicamente em razão da maioridade do alimentando representa, a meu ver, um estímulo ao descumprimento da obrigação alimentar”, avalia.

Ele analisa que, na prática, as execuções de alimentos no Brasil, em sua maioria, acabam se tornando um verdadeiro calvário para o alimentando.

“Trata-se de processos longos e desgastantes, nos quais, em geral, recai sobre a mãe, responsável pelos cuidados diários da criança ou do adolescente, a difícil tarefa de encontrar alternativas para garantir a subsistência da família”, afirma.

Nesse contexto, segundo o advogado, quando o devedor de alimentos é localizado, “afastar a possibilidade de decretação da prisão, que possui caráter coercitivo e busca compelir o pagamento, seria uma forma de premiar o inadimplemento”.

Conrado Paulino da Rosa acrescenta ainda que o descumprimento das parcelas alimentares, mesmo que de forma parcial, pode, sim, justificar a cobrança com pedido de prisão civil.

“Não é necessário que haja o inadimplemento total, nem que se acumulem três parcelas para configurar a possibilidade de prisão. O não pagamento, ainda que de parte da obrigação, já permite o ajuizamento da medida”, diz.

HC 984.752

Por Guilherme Gomes

Fonte: site IBDFAM.