Autor: Thaisa Pellegrino

Guarda compartilhada com genitor residindo em país diferente. Será que é possível?

A guarda é atributo do poder familiar e diz respeito ao modo de gestão, sobre como/o que será decidido sobre a vida do filho. Porém muito se confunde guarda com residência do filho – com aquele que é instituído como o guardião de fato da criança, o pai/mãe que vai morar com a criança.

Com relação à guarda compartilhada, recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm proferido decisões a respeito do assunto. O que achei interessante falar aqui foi a respeito de uma decisão que entendeu sobre a possibilidade da guarda compartilhada coexistir com a mudança da criança para o exterior. Para a guarda compartilhada, não se exige a custódia física conjunta da criança, motivo pelo qual é possível que esse regime seja fixado mesmo quando os pais morem em países diferentes. Essa flexibilidade do compartilhamento da guarda não afasta, contudo, a possibilidade de convivência da criança com ambos os genitores e a divisão de responsabilidades (sim, isto pode ser feito com o suporte da tecnologia – vimos isso acontecer muitas vezes com a pandemia).

No recurso julgado pelo STJ, a ministra relatora ainda lembrou que a guarda compartilhada não se confunde com o regime de guarda alternada. No caso do sistema compartilhado, ressaltou, “não é apenas possível, mas desejável, que seja definida uma residência principal para os filhos”.

No plano de convivência cuidadosamente elaborado, constou a previsão de retorno da criança ao Brasil em todos os períodos de férias até completar 18 anos, utilização ampla e irrestrita de videochamadas ou outros meios tecnológicos de conversação e a convivência diária quando o genitor estiver no atual país da criança (Holanda).

Fica clara a importância da assessoria de um advogado especialista na área de família, a fim de confeccionar um plano de convivência bem delimitado e personalizado para cada caso.

Por Thaisa Pellegrino Pacini de Medeiros e Albuquerque

TJGO nega reconhecimento de união estável post mortem caracterizada como namoro qualificado

Uma mulher que buscava ser reconhecida como companheira de um homem já morto teve apelação cível desprovida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJGO. A Justiça manteve decisão de primeiro grau ao negar o pedido de reconhecimento de união estável post mortem e acatar a tese da defesa de que a relação seria, na verdade, um namoro qualificado.

De acordo com o processo, a autora alegou que manteve uma relação afetiva com o homem por mais de 30 anos, de 1991 até 2022. Apesar disso, as provas apresentadas não atestam a veracidade da alegada união estável.

Os filhos do homem apresentaram contestação ao pedido da autora. Segundo eles, as provas apresentadas pela mulher não demonstraram, de forma inequívoca, os requisitos exigidos para a configuração de uma união estável, tais como convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família.

Para sustentar a contestação, os filhos apresentaram provas e testemunhas de que o relacionamento mantido entre os dois não poderia ser considerado uma união estável.

Ao analisar o caso, o relator destacou que as evidências, apresentadas pelos recorridos, tanto documentais quanto testemunhais, indicavam apenas a existência de um namoro qualificado, sem os elementos necessários para se caracterizar uma união estável nos moldes previstos pela legislação.

Entre outros pontos acolhidos pelo magistrado constavam a ausência de coabitação e a falta de provas robustas que pudessem demonstrar a intenção clara de formação de uma entidade familiar.

“À míngua de documentação de uma relação que, em tese, teria perdurado por trinta anos, alternativa não resta senão reconhecer o caso em tratativa, realmente, como hipótese de namoro qualificado. Anota-se que o namoro qualificado, que tem, no mais das vezes, como único traço distintivo da união estável, a ausência da intenção presente de constituir uma família. Quando muito, há, nessa espécie de relacionamento amoroso, o planejamento, a projeção de, no futuro, constituir um núcleo familiar”, analisou o relator.

Com base nesses argumentos, o Tribunal decidiu manter a sentença de primeira instância, que já havia julgado o pedido improcedente.

Importância da comprovação

“A decisão do TJGO é um importante reconhecimento da necessidade de comprovação robusta dos requisitos que caracterizam a união estável”, avalia Anabel Pitaluga, advogada dos filhos do falecido. “Ela reflete um compromisso com a clareza e a segurança jurídica, assegurando que somente relações que atendem a todos os critérios legais sejam reconhecidas”, acrescenta.

Segundo ela, a distinção entre diferentes tipos de relação é fundamental para proteger os direitos dos herdeiros e prevenir conflitos em casos de sucessão.

Para a especialista, a decisão reafirma a importância de critérios rigorosos para a caracterização da união estável, tais como a convivência pública e duradoura com o objetivo de constituição de família.

“Em um cenário no qual muitas relações, incluindo o namoro qualificado, são subjetivamente interpretadas, a ênfase em provas concretas e documentação clara é um passo significativo que pode servir de parâmetro para casos futuros”, avalia.

Anabel Pitaluga argumenta ainda que pedidos de reconhecimento de união estável precisam ser apoiados por evidências substanciais que os distingam claramente do namoro qualificado.

“Isso significa que as partes interessadas devem estar preparadas para apresentar provas claras que demonstrem a natureza e a duração da relação, garantindo que o reconhecimento legal da união estável não se baseie apenas em alegações, mas em fatos concretos”, afirma.

Fonte: site IBDFAM

STJ restabelece poder familiar destituído com base em fatos que não retratam situação atual da família

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ restabeleceu o poder familiar de uma mãe em relação a três filhos, por entender que a destituição foi baseada em fatos passados que não mais retratam a situação da família.

De acordo com o processo, foi verificada violação de direitos fundamentais dos jovens, praticada pelo pai, o que levou o juízo a decretar a perda do poder familiar paterno e a suspensão temporária do poder familiar materno, além de adotar medidas protetivas em favor da mãe e dos filhos. O poder familiar da mãe seria retomado gradativamente, com o devido acompanhamento.

No entanto, o Tribunal de segunda instância entendeu ser necessária a destituição do poder familiar também em relação à mãe, sob o fundamento de que haveria evidências de sua conduta negligente na proteção dos filhos.

No recurso especial, foi sustentado que o acórdão do Tribunal estadual ignorou os pareceres técnicos mais recentes, favoráveis à reintegração, assim como o próprio desejo dos filhos de permanecerem com a mãe.

Primazia da família natural

Ao analisar o caso, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA traz em seu texto o princípio da primazia da família natural, que é o direito de a criança e o adolescente serem criados por sua família natural, sendo a colocação em família substituta uma excepcionalidade.

Além disso, segundo o relator, consta nos autos o desejo dos filhos de retornarem ao convívio e aos cuidados da mãe, vontade que deve ser considerada, conforme a legislação. O ministro disse ainda que a decisão de afastar os filhos da família natural, além de excepcional, deve ser, em princípio, provisória, a fim de suprir as deficiências identificadas naquele lar, para que, ao final, seja proporcionado o retorno das crianças ao convívio familiar, explicou o ministro.

Bellizze enfatizou que os pareceres técnicos mais recentes concluíram pela possibilidade de reintegração familiar de forma gradual, com acompanhamento em programas sociais.

O ministro apontou que o Tribunal de origem, ao determinar a destituição, embasou-se em circunstâncias pontuais relacionadas, sobretudo, à vulnerabilidade econômica. No entanto, conforme lembrou, o artigo 23 do ECA estabelece que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

No entendimento do ministro, não há motivação legítima para que o Tribunal impeça o prosseguimento do plano de reintegração familiar determinado pelo juízo de primeiro grau e, em vez disso, promova a destituição do poder familiar materno.

O processo tramita em segredo de Justiça.

Fonte: site IBDFAM

Partilha de patrimônio milionário após fim de união estável exige prova de esforço comum

É necessária a prova de esforço comum para a partilha de um patrimônio milionário. Assim entendeu a 2ª Vara Cível de Leme, em São Paulo, em um caso de fim de união estável.

No caso dos autos, o relacionamento durou de 1997 a 2013 e foi reconhecido judicialmente como união estável após o término, após a mulher acionar a Justiça. O homem, por sua vez, alegava que a autora era apenas sua namorada e que nunca moraram juntos na mesma cidade.

Na ação, a mulher, que recebe pensão alimentícia após o fim da relação, alegou que dedicou-se aos cuidados do ex-companheiro e de sua família, o que configuraria esforço comum. Para a juíza responsável pelo caso, contudo, o esforço não foi comprovado.

Segundo a juíza, esses cuidados, embora relevantes, não constituíram uma contribuição direta ou indireta para a formação do patrimônio, já que o homem possuía uma considerável fortuna antes da união, e que os valores provêm de herança e doação.

A magistrada entendeu que o regime de bens aplicável era o de separação obrigatória, pois o homem não havia formalizado a partilha dos bens de um casamento anterior.

Conforme a juíza, a situação impôs o regime de separação obrigatória à nova união, o que exigiria a prova de esforço comum para a aquisição do patrimônio durante o período da relação. “Ainda que a ré/autora alegue o contrário, aplica-se ao caso o regime de separação obrigatória de bens, cabendo à parte interessada demonstrar o esforço comum para a aquisição dos bens durante a união estável.”

Com base neste entendimento, foi concluído que apenas o imóvel adquirido durante o período de convivência deve ser partilhado, pois não foi comprovado que a compra foi feita exclusivamente com recursos do homem.

Ambas as partes foram condenadas ao pagamento proporcional das custas processuais.

Processo: 1002211-47.2019.8.26.0318.

Jurisprudência

O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, esclarece que o esforço comum não é presumido, ou seja, precisa ser provado. “Se alguém quer dividir algum bem, tem que provar que ajudou a comprar aquele bem com dinheiro seu e não só com as tarefas da casa e dos cuidados com os filhos.”

Segundo o especialista, a mais moderna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ tem revisitado esta interpretação da Súmula 377 e mantido, em regra, que “só deixará de ser obrigatória a separação se o cônjuge/companheiro que reivindica os bens provar que tem dinheiro dele na aquisição daqueles bens”.

Para Rolf, porém, o entendimento é um retrocesso. Segundo ele, quando a Súmula 377 surgiu, na década de 1960, em um cenário de forte imigração alemã e italiana, o objetivo era evitar o enriquecimento ilícito.

Ela lembra: “O casal vinha pobre para o Brasil e aqui criava uma fortuna, toda em nome do homem. Quando eles se separavam, o homem ficava com tudo porque o regime era obrigatório de separação de bens”, relembra.

O jurista explica que, para evitar esse enriquecimento indevido, a Súmula 377 determinou a divisão de todo o patrimônio construído em conjunto. “Agora, voltamos ao tempo anterior à década de 1960, e para evitar o enriquecimento ilícito, é necessário provar que ajudou a comprar os bens”, comenta.

Para Rolf Madaleno, a ajuda na aquisição dos bens é um fato natural, uma decorrência lógica da convivência em comum. “Cada um ajuda com aquilo que tem para dar, e, muitas vezes, isso é cuidando da casa, dos filhos e da retaguarda doméstica, enquanto o outro está construindo patrimônio”, afirma.

Fonte: site IBDFAM

Jovem consegue incluir nome de pai e avós socioafetivos e excluir nome dos biológicos do registro

Em uma ação de adoção de maior de idade, a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Alvorada, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS permitiu a inclusão do nome do pai e avós socioafetivos e a exclusão do nome do pai e avós biológicos no registro de um jovem de 26 anos. A decisão considerou que houve abandono afetivo e material.

Na ação, os autores pretendiam formalizar a relação de paternidade e filiação desenvolvida durante mais de 20 anos. O pai socioafetivo alegou ter assumido as responsabilidades pela criação e educação do filho biológico da esposa desde que ele tinha seis anos de idade, formando uma unidade familiar estável e desempenhando o papel de pai em todos os aspectos da vida cotidiana.

Conforme os autos, o pai biológico, após o término do relacionamento com a genitora, não manteve contato com o filho e deixou de cumprir suas obrigações financeiras. Citado na ação, ele não apresentou contestação.

O caso contou com atuação dos advogados Eduardo Godoy Lopes e Henrique Godoy Lopes.

Relação já existente

Segundo Henrique Godoy Lopes, a sentença, fundamentada no melhor interesse do adotando, consolidou juridicamente uma relação afetiva e familiar já existente. “Essa decisão não só fortalece a segurança jurídica do adotando, mas também garante a estabilidade familiar, oficializando a situação de fato.”

A paternidade socioafetiva, lembra o advogado, passou por significativas transformações ao longo do tempo, refletida na evolução contínua nas concepções de família e filiação. “No passado, o vínculo biológico era considerado o único critério para determinar a paternidade, deixando de lado o papel fundamental das relações afetivas e de convivência.”

“O reconhecimento da socioafetividade representa um enorme avanço no Direito de Família e Sucessões, pois coloca o afeto e a convivência como elementos centrais para a definição de filiação, superando o mero vínculo biológico”, acrescenta.

Para Henrique Lopes, a decisão da Justiça gaúcha abre precedentes importantes e “pode influenciar não só o Tribunal gaúcho, mas também outras Cortes do país, fortalecendo o entendimento de que o vínculo afetivo é determinante para o estabelecimento de uma relação de paternidade e filiação, priorizando sempre o melhor interesse da criança e do adolescente”.

“O conceito de família está baseado em laços de amor, cuidado e responsabilidade, e não apenas em fatores genéticos. No campo sucessório, isso garante que filhos socioafetivos tenham os mesmos direitos de filhos biológicos, assegurando sua participação em heranças e na repartição de bens”, pontua o especialista.

Além disso, acrescenta o advogado, ao priorizar o melhor interesse da criança e do adolescente, “o reconhecimento da socioafetividade oferece maior proteção às crianças que, apesar de não terem uma conexão biológica com seus pais, são plenamente integradas e acolhidas no ambiente familiar socioafetivo”.

Jurisprudência

Henrique ressalta que o Direito tem evoluído significativamente no reconhecimento da socioafetividade. “A partir do Código Civil de 2002 e com decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal –  STF, o conceito de família passou a se basear não apenas em laços biológicos, mas também na convivência e no afeto.”

“O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e a Constituição Federal reforçam a prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente nas decisões judiciais, o que abre espaço para o reconhecimento formal de relações socioafetivas”, observa.

Ainda segundo o advogado, um marco importante foi o reconhecimento do instituto da multiparentalidade – a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai ou mãe no registro civil, combinando vínculos biológicos e afetivos. “Com isso, casos de adoção e guarda têm sido cada vez mais analisados sob a perspectiva de que o vínculo afetivo, estabelecido por anos de convivência, pode ter mais peso do que o vínculo genético.”

Apesar dos avanços, ele ainda percebe lacunas a serem preenchidas para garantir maior segurança jurídica e proteção ao melhor interesse da criança e do adolescente.

“Como advogados, entendemos ser de suma importância criar uma norma específica para regular a filiação socioafetiva, estabelecendo critérios mais claros sobre quando e como o vínculo socioafetivo pode ser formalmente reconhecido, evitando decisões divergentes em tribunais. Isso traria maior segurança jurídica tanto para as famílias quanto para as crianças e adolescentes”, comenta.

No entendimento do especialista, embora o processo de adoção seja essencial para formalizar a relação de pais e filhos, deveria haver um procedimento simplificado para adoção socioafetiva em situações como a do caso apresentado, em que o vínculo familiar já está consolidado por anos de convivência.

“O reconhecimento legal de relações socioafetivas deve vir acompanhado de políticas públicas que apoiem famílias recompostas e multiparentais, oferecendo suporte psicológico e social, especialmente em casos de conflitos envolvendo o pai biológico. Essas mudanças legislativas garantiriam maior proteção aos direitos das crianças e adolescentes, promovendo um ambiente familiar estável e seguro, independentemente dos laços biológicos”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça anula acordo que transferia obrigação alimentar para pessoa jurídica

“O dever de prestar alimentos não se transmite”, afirma José Roberto Moreira Filho, presidente do IBDFAM-MG

A obrigação de pagar alimentos é pessoal e intransmissível. Por isso, um acordo que visa transferir à pessoa jurídica a obrigação de pagar alimentos não pode ser considerado juridicamente válido. Foi com esse entendimento que a 3ª Vara da Família e das Sucessões de Santos, em São Paulo, anulou acordo firmado entre os pais de três crianças que repassavam a responsabilidade alimentar à empresa da qual eram sócios.

De acordo com informações do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP,  o imbróglio começou depois que o pai, logo após a celebração do contrato, retirou-se da empresa. Depois disso, o sustento dos filhos ficou a cargo somente da ex-esposa.

O professor e advogado José Roberto Moreira Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Minas Gerais – IBDFAM-MG, ressalta que a obrigação de pagar alimentos é “personalíssima e intransmissível”.

“O dever de prestar alimentos não se transmite nem aos herdeiros, em caso de morte. Não é possível transmitir essa responsabilidade sob quaisquer circunstâncias. Ao colocar uma pessoa jurídica como responsável por uma dívida alimentar, o que aconteceria caso os alimentos não fossem pagos? A pessoa jurídica não pode ser presa, então uma execução de alimentos pelo rito da prisão seria totalmente inócua, ou talvez inadequada”, afirma.

Ele destaca o ineditismo do acordo firmado entre os pais, por isso não acredita que a decisão da Justiça de São Paulo possa ter um impacto significativo em outros casos da mesma natureza. Apesar disso, o advogado avalia que o caso joga luz sobre uma das faces da responsabilidade parental que é a obrigação de sustento com base no princípio da paternidade responsável.

“Acordos que tentam transferir a obrigação alimentar para terceiros são inúteis, pois afrontam o princípio da personalidade do ser humano. Por isso, a obrigação alimentar é personalíssima, intransmissível, impenhorável e oponível erga omnes, ou seja, atinge todas as pessoas que estejam submetidas a um determinado ordenamento jurídico”, argumenta.

Nulidade

Ao analisar o caso, a juíza responsável observou que: “Inapto a produzir efeitos, não é possível, portanto, nem que o terceiro responda pela obrigação legalmente atribuída aos genitores. Ademais, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Além disso, as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes”, salientou.

A magistrada ressaltou que um negócio jurídico nulo não produz efeitos, não pode ser confirmado ou validado com o tempo, e é impossível que um terceiro assuma uma obrigação legalmente atribuída aos pais. Além disso, as nulidades devem ser reconhecidas pelo juiz ao serem comprovadas, sem possibilidade de correção, mesmo se solicitado pelas partes.

Diante disso, a Justiça fixou alimentos provisórios no valor de 40% dos vencimentos líquidos do pai dos jovens, desde que o valor não seja inferior a três salários mínimos nacionais, prevalecendo o que for maior. Na hipótese de desemprego, os alimentos deverão ser de três salários mínimos nacionais.

José Roberto Moreira Filho esclarece que, embora a obrigação alimentar não possa ser transferida, nada impede que alguém a assuma. Nesse caso, a obrigação passa a ser personalíssima da pessoa que a assume.

“Por exemplo, se o pai não pode pagar a pensão, mas o avô pode se comprometer a fazê-lo, um acordo entre o avô e o neto pode ser homologado. Nessa situação, o pai não está transferindo a obrigação alimentar ao avô, mas o avó é que está assumindo a obrigação alimentar. Portanto, não se trata de uma transferência, mas sim de uma assunção da dívida, baseada no princípio da solidariedade no Direito das Famílias, já que os parentes são solidários entre si”, conclui o especialista.

Fonte: site IBDFAM

Prêmio de R$ 28 milhões recebido por viúva na loteria entra em inventário, decide STJ

O prêmio de R$ 28,7 milhões recebido por uma viúva na loteria deve entrar no inventário, conforme decisão recente da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ. O colegiado entendeu que o prêmio, recebido durante a vigência de casamento sob o regime de separação obrigatória de bens, é um bem comum do casal, adquirido por fato eventual, o que torna desnecessária a comprovação de esforço comum para sua obtenção.

O prêmio foi recebido pela cônjuge sobrevivente na constância do casamento. No âmbito do inventário, a partilha do valor foi contestada, sob o argumento de que, pelo regime de separação obrigatória de bens, o prêmio não deveria ser comunicado ao patrimônio comum do casal.

O valor havia sido excluído da partilha na instância inferior, que entendeu pela ausência de esforço comum para a sua aquisição, pois a sorte, e não o trabalho, teria sido responsável pela premiação.

Ao avaliar o recurso no STJ, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF e do STJ já reconhece a comunicabilidade de bens adquiridos por eventos fortuitos, como é o caso da loteria, independentemente da comprovação de esforço comum entre os cônjuges.

Assim, o prêmio de loteria foi classificado como um bem comum, e os recursos obtidos com ele, bem como os bens adquiridos com esses valores, devem ser partilhados entre o cônjuge sobrevivente e os herdeiros, conforme os valores existentes na data do falecimento.

Processo: REsp 2.097.324.

Fonte: site IBDFAM

Jovem consegue incluir nome de pai e avós socioafetivos e excluir nome dos biológicos do registro

Em uma ação de adoção de maior de idade, a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Alvorada, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS permitiu a inclusão do nome do pai e avós socioafetivos e a exclusão do nome do pai e avós biológicos no registro de um jovem de 26 anos. A decisão considerou que houve abandono afetivo e material.

Na ação, os autores pretendiam formalizar a relação de paternidade e filiação desenvolvida durante mais de 20 anos. O pai socioafetivo alegou ter assumido as responsabilidades pela criação e educação do filho biológico da esposa desde que ele tinha seis anos de idade, formando uma unidade familiar estável e desempenhando o papel de pai em todos os aspectos da vida cotidiana.

Conforme os autos, o pai biológico, após o término do relacionamento com a genitora, não manteve contato com o filho e deixou de cumprir suas obrigações financeiras. Citado na ação, ele não apresentou contestação.

O caso contou com atuação dos advogados Eduardo Godoy Lopes e Henrique Godoy Lopes.

Relação já existente

Segundo Henrique Godoy Lopes, a sentença, fundamentada no melhor interesse do adotando, consolidou juridicamente uma relação afetiva e familiar já existente. “Essa decisão não só fortalece a segurança jurídica do adotando, mas também garante a estabilidade familiar, oficializando a situação de fato.”

A paternidade socioafetiva, lembra o advogado, passou por significativas transformações ao longo do tempo, refletida na evolução contínua nas concepções de família e filiação. “No passado, o vínculo biológico era considerado o único critério para determinar a paternidade, deixando de lado o papel fundamental das relações afetivas e de convivência.”

“O reconhecimento da socioafetividade representa um enorme avanço no Direito de Família e Sucessões, pois coloca o afeto e a convivência como elementos centrais para a definição de filiação, superando o mero vínculo biológico”, acrescenta.

Para Henrique Lopes, a decisão da Justiça gaúcha abre precedentes importantes e “pode influenciar não só o Tribunal gaúcho, mas também outras Cortes do país, fortalecendo o entendimento de que o vínculo afetivo é determinante para o estabelecimento de uma relação de paternidade e filiação, priorizando sempre o melhor interesse da criança e do adolescente”.

“O conceito de família está baseado em laços de amor, cuidado e responsabilidade, e não apenas em fatores genéticos. No campo sucessório, isso garante que filhos socioafetivos tenham os mesmos direitos de filhos biológicos, assegurando sua participação em heranças e na repartição de bens”, pontua o especialista.

Além disso, acrescenta o advogado, ao priorizar o melhor interesse da criança e do adolescente, “o reconhecimento da socioafetividade oferece maior proteção às crianças que, apesar de não terem uma conexão biológica com seus pais, são plenamente integradas e acolhidas no ambiente familiar socioafetivo”.

Jurisprudência

Henrique ressalta que o Direito tem evoluído significativamente no reconhecimento da socioafetividade. “A partir do Código Civil de 2002 e com decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Supremo Tribunal Federal –  STF, o conceito de família passou a se basear não apenas em laços biológicos, mas também na convivência e no afeto.”

“O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e a Constituição Federal reforçam a prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente nas decisões judiciais, o que abre espaço para o reconhecimento formal de relações socioafetivas”, observa.

Ainda segundo o advogado, um marco importante foi o reconhecimento do instituto da multiparentalidade – a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai ou mãe no registro civil, combinando vínculos biológicos e afetivos. “Com isso, casos de adoção e guarda têm sido cada vez mais analisados sob a perspectiva de que o vínculo afetivo, estabelecido por anos de convivência, pode ter mais peso do que o vínculo genético.”

Apesar dos avanços, ele ainda percebe lacunas a serem preenchidas para garantir maior segurança jurídica e proteção ao melhor interesse da criança e do adolescente.

“Como advogados, entendemos ser de suma importância criar uma norma específica para regular a filiação socioafetiva, estabelecendo critérios mais claros sobre quando e como o vínculo socioafetivo pode ser formalmente reconhecido, evitando decisões divergentes em tribunais. Isso traria maior segurança jurídica tanto para as famílias quanto para as crianças e adolescentes”, comenta.

No entendimento do especialista, embora o processo de adoção seja essencial para formalizar a relação de pais e filhos, deveria haver um procedimento simplificado para adoção socioafetiva em situações como a do caso apresentado, em que o vínculo familiar já está consolidado por anos de convivência.

“O reconhecimento legal de relações socioafetivas deve vir acompanhado de políticas públicas que apoiem famílias recompostas e multiparentais, oferecendo suporte psicológico e social, especialmente em casos de conflitos envolvendo o pai biológico. Essas mudanças legislativas garantiriam maior proteção aos direitos das crianças e adolescentes, promovendo um ambiente familiar estável e seguro, independentemente dos laços biológicos”, conclui.

Fonte: site IBDFAM

Justiça do Mato Grosso garante alteração de certidão de nascimento de mulher trans

Uma mulher trans conseguiu na Justiça do Mato Grosso o direito a ter sua certidão de nascimento retificada. A decisão da 3ª Vara Cível de Cuiabá considerou que a alteração não causa prejuízo a terceiros.

Na ação, a autora alegou que desde tenra idade se considera psicologicamente pessoa do sexo feminino, e cresceu e se desenvolveu como mulher. Assim, requereu a mudança no registro de nascimento para “adequá-lo às suas características femininas, evitando passar por constrangimentos ao ser identificada”.

Ao avaliar a questão, a juíza responsável pelo caso destacou que o nome civil reflete a forma como a pessoa se individualiza perante a sociedade e está diretamente protegido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, resguardado pela Constituição Federal.

Segundo a magistrada, a manutenção da situação vivenciada não se justifica, “pois impõe à parte sofrimento e humilhação, sendo certo que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A juíza também frisou que, apesar de a autora não ter sido submetida à cirurgia de redesignação sexual, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a modificação do registro de nascimento sem a realização de cirurgia.

Assim, e por considerar que a alteração não causa prejuízo a terceiros, a magistrada julgou o pedido procedente e determinou a retificação do prenome e gênero da autora.

Fonte: site IBDFAM

STJ exclui direito real de habitação de viúva questionado por herdeiros

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ deu provimento ao recurso especial movido pelos filhos de um homem falecido com objetivo de excluir o direito real de habitação de uma viúva que recebe pensão pela morte do marido.

O caso concreto envolve o inventário do homem, que faleceu há 20 anos. Diante da permanência da mulher em um imóvel que pertence ao patrimônio do marido, os filhos dele entraram com recurso questionando o direito real de habitação da viúva.

De acordo com os autos, não há vínculo afetivo entre as partes e, segundo os filhos, a mulher teria praticado uma série de atos de má-fé desde a morte do marido, tais como esvaziar a conta bancária do homem no dia da morte; não dar à família acesso a documentos; e negligenciar o descarte de restos mortais do falecido.

Além disso, ela é beneficiária de pensão do falecido. Sendo assim, a viúva recebe proventos de uma renda considerada de alto padrão, podendo viver em outro imóvel, sem prejuízo a si ou a seu sustento.

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, pontuou que o direito real de habitação pode ser mitigado quando houver um único imóvel a inventariar entre os descendentes, e o convivente possuir recursos financeiros para assegurar sua subsistência e moradia dignas.

A ministra explicou que o objetivo da lei é permitir que o cônjuge ou companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que reside ao tempo da sucessão, como forma não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, considerando-se o vínculo afetivo e psicológico com o imóvel onde constituíram um lar.

No entanto, eventual relativização do direito é possível, e deve ser analisada de modo casuístico, “confrontando-se a necessidade de prevalência do direito dos herdeiros em face do direito do consorte”.

É possível relativizar

Para a ministra, o artigo 1.831 do Código Civil deve ser interpretado da seguinte maneira: como regra geral, preenchidos requisitos legais, é assegurado ao cônjuge ou companheiro o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Entretanto, “é possível relativizar o direito real de habitação em situações excepcionais, nas quais seja devidamente comprovado que sua manutenção não apenas acarreta prejuízos insustentáveis aos herdeiros, mas também não se justifica em relação às qualidades e necessidades pessoais do convivente”.

No recurso sob julgamento, o Tribunal de origem manteve o direito real de habitação sobre o único imóvel a inventariar em razão do falecimento do de cujus, sendo que, ao longo do trâmite processual, comprovou-se que a cônjuge sobrevivente recebe pensão vitalícia em montante elevado e os herdeiros são os proprietários do imóvel, sendo que não receberam quaisquer outros valores a título de pensão, e alugam outros bens para residirem com seus descendentes, netos do falecido, os quais também poderiam ser abrigados no imóvel inventariado.

Logo, na situação examinada, Andrighi entendeu que deve ser relativizado o direito real de habitação em favor dos herdeiros.

“Não obstante sua notável envergadura no cenário nacional, o direito real de habitação não é absoluto, e em hipóteses específicas e excepcionais, quando não atender à finalidade social a que se propõe, poderá sofrer mitigação”, concluiu a relatora.

REsp 2.151.939

Fonte: site IBDFAM